Um link muito feliz oferece uma visita virtual àquele monumento que, no século XIX, passou para o Real Mosteiro de Nossa Senhora da Conceição. Esse antigo mosteiro, datado do século XV, tinha sido mandado construir pelos primeiros Duques de Beja – D. Fernando e D. Beatriz – junto ao palácio ducal. Os Duque serão talvez mais conhecidos por dois dos seus filhos, que se notabilizaram como soberanos, numa época memorável da história de Portugal: a Rainha D. Leonor (mulher de D. João II ) e o Rei D. Manuel I. Daí que o Museu mantenha dois nomes: M. Rainha D. Leonor e M. Regional de Beja.
Compreensivelmente, o convento onde está instalado inclui uma igreja, que é especialmente bonita. Forrada de lambris de azulejos e pinturas murais a revestir os tectos e a parte superior das paredes, consegue um ambiente acolhedor e festivo, em simultâneo:
A história do monumento vem bem descrita no portal(1), transcrevendo-se apenas a parte que completa a visita guiada às imagens mostradas no link:
Convento da Conceição
Do espaço primitivo fazem parte a Igreja, o Claustro e a Sala do Capítulo. Do seu aspecto geral ainda hoje subsistem algumas influências do tardo-gótico em Portugal, nomeadamente o portal gótico flamejante da igreja, as janelas de duplo arco tipicamente mudejar e a platibanda rendilhada, que revelam uma importante transição para o Manuelino.
Entra-se pela Igreja a partir do Coro Baixo, no qual se salienta um pequeno túmulo, de estilo gótico-flamejante, da primeira abadessa do Convento, D. Uganda.
A Igreja, de uma só nave, encontra-se revestida de talha dourada dos séculos XVII e XVIII.
Do lado direito podem observar-se dois altares do séc. XVIII dedicados, a S. Cristóvão e a S. Bento, um altar do séc. XVII dedicado a S. João Evangelista e, finalmente, um outro altar, em mármore florentino, dedicado a S. João Baptista, da autoria de José Ramalho (ano de 1695).
No topo da Nave encontra-se a capela mor, ornamentada a talha dourada dos séculos XVII e XVIII. Desta fazem parte as colunas salomónicas, abóbada de berço e majestoso trono.
Do lado do Evangelho avulta o túmulo em mármore de D. Fernando e seu filho D. Diogo, e observam-se três painéis de azulejos portugueses datados de 1741, representando cenas do nascimento, vida e morte de S. João Baptista. Era pelo lado do Evangelho (em obediência às regras da ordem franciscana), que se fazia a entrada na Igreja, através de um portal gótico flamejante. (…)
Nas quatro galerias que se situam no claustro, as paredes encontram-se revestidas, até meia altura, por azulejos portugueses do séc. XVII , onde predominam os motivos vegetalistas (maçaroca de milho, etc.), e pequenos painéis encaixilhados, a avulso, ou por azulejos sevilhanos de xadrez do séc. XVI.
Noutras salas predominam os azulejos hispano-árabes quinhentistas do tipo de aresta, com composições geométricas de motivos vegetais (preferência muçulmana), que formam um dos conjuntos cerâmicos mais importantes do país.
Os motivos manuelinos também abundam, nomeadamente nos arcos dos pórticos.
Com a rede de autoestradas que hoje há, a ida à capital do Baixo Alentejo é um programa muito exequível. Fica a sugestão, para quem queira e possa aproveitar as vantagens de explorar as riquezas de um país com enorme diversidade e distâncias muito confortáveis.
Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)
***
(1)http://www.museuregionaldebeja.pt/
http://www.museuregionaldebeja.pt/?page_id=22
O Real Mosteiro de Nossa Senhora da Conceição foi fundado na segunda metade do século XV pelos Infantes D. Fernando, primeiro duque de Beja, e sua mulher, D. Beatriz, pais da rainha D. Leonor e do futuro rei D. Manuel I.
Construído a partir de um pequeno retiro de freiras contíguo ao palácio dos Infantes, o Convento de Conceição pertencia à ordem de Santa Clara e encontrava-se sob jurisdição franciscana.
Do seu aspecto geral ainda hoje subsistem algumas influências do tardo-gótico em Portugal, nomeadamente o portal gótico flamejante da igreja, as janelas de duplo arco tipicamente mudejar e a platibanda rendilhada, que revelam uma importante transição para o Manuelino.
Do espaço primitivo fazem parte a Igreja, o Claustro e a Sala do Capítulo.
Entra-se pela Igreja a partir do Côro Baixo, no qual se salienta um pequeno túmulo, de estilo gótico-flamejante, da primeira abadessa do Convento, D. Uganda.
A Igreja, de uma só nave, encontra-se revestida de talha dourada dos séculos XVII e XVIII.
Do lado direito podem observar-se dois altares do séc. XVIII dedicados, a S. Cristovão e a S. Bento, um altar do séc. XVII dedicado a S. João Evangelista e, finalmente, um outro altar, em mármore florentino, dedicado a S. João Baptista, da autoria de José Ramalho (ano de 1695).
No topo da Nave encontra-se a capela mor, ornamentada a talha dourada dos séculos XVII e XVIII. Desta fazem parte as colunas salomónicas, abóbada de berço e majestoso trono.
Do lado do Evangelho avulta o túmulo em mármore de D. Fernando e seu filho D. Diogo, e observam-se três painéis de azulejos portugueses datados de 1741, representando cenas do nascimento, vida e morte de S. João Baptista. Era pelo lado do Evangelho (em obediência às regras da ordem franciscana), que se fazia a entrada na Igreja, através de um portal gótico flamejante.
O claustro, que conserva a planta original da última metade do séc. XV, testemunha o cruzamento de diferentes manifestações artísticas através dos tempos. É composto por quatro galerias: A quadra de S. João Baptista, a quadra da Portaria, a quadra de S. João Evangelista, e a quadra de Nossa Senhora do Rosário.
Na quadra de S. João Baptista as paredes encontram-se ornamentadas por azulejos portugueses do século XVII, onde predominam os motivos vegetalistas (maçaroca de milho, etc.), e pequenos painéis encaixilhados, a avulso, dedicados a S. João Baptista. Na quadra pode observar-se a capela de S. João Baptista, de tradição clássico maneirista, datada de 1614. Do lado direito encontram-se as capelas de S. Francisco de Assis e de Nossa Senhora do Desterro, obra maneirista datada de 1567.
Na quadra da Portaria, através da qual se fazia a antiga entrada para o convento, as paredes encontram-se revestidas, até meia altura, por azulejos portugueses do séc. XVII.
Na quadra de S. João Evangelista as paredes estão totalmente revestidas por azulejos sevilhanos de xadrez do séc. XVI. Num dos topos da quadra encontra-se a capela dedicada a S. João Evangelista, datada de 1601, igualmente de estilo clássico-maneirista. No topo oposto salienta-se o portal manuelino que dava acesso ao antigo refeitório do convento.
Finalmente, na quadra do Rosário, as paredes encontram-se revestidas até meia altura por azulejos portugueses do séc. XVII. Era por esta quadra que se estabelecia o contacto entre o Claustro e a Igreja, como testemunha a roda de comunicação aqui existente. Neste espaço pode observar-se uma colecção de arqueologia romana constituída por aras, cipos, capitéis, estatuária, cerâmica e pintura a fresco.
Entra-se para a Sala do Capítulo através de um pórtico gótico do tempo de D. João II. Este espaço de planta quadrangular apresenta abóbada de aresta totalmente revestida a pintura a têmpera do séc. XVIII.
A sala encontra-se, até meia altura e sobre os bancos, forrada de azulejos hispano-árabes quinhentistas do tipo de aresta. Os painéis de azulejos, que formam padrões de desenhos coloridos, de composição geométrica e vegetalista, constituem um dos conjuntos cerâmicos deste género mais importante em Portugal.
Acima dos painéis de azulejos observam-se pinturas a têmpera semicirculares alusivas à temática religiosa (S. João Baptista, S. João Evangelista, S. Sebastião, Santa Clara, S. Francisco de Assis).
A sala dos Brasões, antigo espaço do Convento totalmente remodelado, encerra uma importante colecção de brasões e lajes tumulares. Registe-se ainda a presença do antigo passadiço (reconstituição a partir de uma parte original), que ligava o Convento ao Palácio dos fundadores (D. Fernando e D. Beatriz).
Fazem parte do actual edifício, cuja construção data de meados do século XX, as salas de pintura onde actualmente se encontra exposta a colecção do museu, que abarca um período balizado entre os séculos XV e XVIII. De meados do século XX é também a secção do primeiro andar, onde se encontra a exposição arqueológica de Fernando Nunes Ribeiro.
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas e, na terra, angústia entre as nações, aterradas com o rugido e a agitação do mar. Os homens morrerão de pavor, na expectativa do que vai suceder ao universo, pois as forças celestes serão abaladas. Então, hão-de ver o Filho do homem vir numa nuvem, com grande poder e glória. Quando estas coisas começarem a acontecer, erguei-vos e levantai a cabeça, porque a vossa libertação está próxima. Tende cuidado convosco, não suceda que os vossos corações se tornem pesados pela intemperança, a embriaguês e as preocupações da vida, e esse dia não vos surpreenda subitamente como uma armadilha, pois ele atingirá todos os que habitam a face da terra. Portanto, vigiai e orai em todo o tempo, para que possais livrar-vos de tudo o que vai acontecer e comparecer diante do Filho do homem».
Malaposta - Localidade não propícia ao preenchimento de boletins do Euromilhões.
Funções PR
Os dedos dos pés serão válidos para indigitar?
Partidos e rachados
O Comunismo nunca vingou entre os Esquimós: não sabiam o que era Capital, não sabiam o que eram operários e camponeses, nem sabiam para que serviam a foice e o martelo.
Crescei e multiplicai-vos
Os chineses já podem ter o segundo filho; no entanto, ainda não podem ler a Vida Sexual dos Micróbios.
Edis, ardis
Quem boa Câmara fizer, nela se há-de deleitar.
Dez portos
Haverá desafios de boxe amigaveis?
Obra póstuma
Descoberto manuscrito de Aquilino Ribeiro: Quando os Lobos Zurram (gostava de saber a opinião do Partido PAN).
Deputadices
Deputados promovem ditado popular: Aldrabe-se o burro à vontade do dono.
Para melhor conhecer o Islão: Os cinco Mandamentos
Neste texto apresentam-se os cinco Mandamentos que todo o muçulmano deve acreditar e praticar.
"Ash-Shahadah"
À letra, o «testemunho»; é a afirmação da sua fé pronunciando o princípio base da religião muçulmana: «Não há nenhum deus senão "Allah", e Maomé é o seu Profeta». A recitação sincera deste credo é a primeira atitude necessária para se abraçar o Islão. É, ainda, a frase presente na bandeira da Arábia Saudita.
Trata-se da seguinte recitação:
- "Ach-Hadu An Lailáha Il Lal Laha" (presto juramento de que não há outra divindade além de "Allah");
- "Wa ach-hadu ana Mohamadane Abduhu wa Raçuluhu" (presto juramento de que Muhammad é servo e mensageiro de "Allah").
"As-Salah"
Todo o muçulmano deve orar cinco vezes por dia. A oração, feita em comunidade, em grupo numa mesquita, ou individualmente, deve ser feita na direção da Caaba.
Oração da Manhã ("Salatul-Fajr"): feita no período entre a aurora ou raiar do dia e, o mais tardar, até ao nascer do sol.
Oração do Meio do Dia ("Salatul-Zohor"): feita a partir do meio-dia solar (quando o sol está no zénite) até à hora da oração seguinte. À sexta-feira, esta oração é feita em congregação na mesquita ou no lugar de culto onde esteja reunido um mínimo de crentes (normalmente fixado em quatro), e liderados por um imã (sacerdote) ou alguém que saiba e possa liderar a oração, que é precedida de um sermão ("khutbah").
Oração do Meio da Tarde ("Salatul-Açar"): feita no meio do percurso solar entre a oração anterior e a hora do pôr do sol.
Oração a Seguir ao Pôr do Sol ("Salatul-Maghrib").
Oração da Noite ("Salatul-Ixá"): normalmente feita cerca de hora e meia depois da oração anterior, podendo realizar-se antes da aurora da manhã seguinte.
Cita-se do Alcorão: «... e glorifica o louvor do teu Senhor antes do nascer do sol e antes do seu ocaso e durante certas horas da noite. Glorifica o teu Senhor nos dois extremos do dia e ficarás satisfeito com a sua recompensa» (20:130).
"As-Siyam"
O jejum que todo o muçulmano, em plena condição física, deve fazer durante o Ramadão. No nono mês do calendário islâmico, todos os muçulmanos devem praticar o jejum, ou seja, abster-se de ingerir alimentos, sólidos ou líquidos (inclusivamente água), abster-se de fumar ou ter relações sexuais, entre a aurora e o pôr do sol, entre as orações de "Fajr" e "Maghrib", e mesmo tomar qualquer tipo de medicação, quer por via oral, quer por via intravenosa.
Estão isentos os muçulmanos doentes, as crianças até aos 12 anos e as mulheres que se encontrem grávidas ou durante o período da menstruação.
Durante o mês de jejum, também considerado o mês do perdão, da oração e da caridade, os muçulmanos devem passar grande parte do seu tempo em oração e recitação do Alcorão e intensificar a prática da caridade e das boas ações.
O jejum é um exercício de autodisciplina e aperfeiçoamento espiritual que permite ao muçulmano uma maior aproximação a Deus.
Citam-se do Alcorão: «Vós que acreditais! O Jejum é-vos preceituado, como foi preceituado aos que vieram antes de vós, para que aprendeis a conter-vos» (2:183); «Jejuareis durante um número fixo de dias...» (2:184).
"Az-Zakat"
Para além da caridade voluntária, que o muçulmano pode e deve praticar durante todo o ano, de acordo com a sua consciência e posses, é obrigado a oferecer 2,5% dos seus rendimentos (após retirar o necessário para o seu sustento e da sua família) para distribuição pelos pobres e necessitados.
Citam-se do Alcorão: «Esse é o Livro que, sem dúvida, contém a orientação para os que são tementes a Deus» (2:2); «Aqueles que creem no Invisível, cumprem com as orações e que distribuem o que Nós lhe concedemos para o seu sustento» (2:3); «E aqueles que permanecem pacientes, procurando agradar ao seu Senhor, cumprem com a oração, distribuem o que Nós lhe concedemos, anónima ou publicamente, e combatem o mal com o bem, esses terão um final feliz» (13:22).
"Al Hajj"
Todo o muçulmano que para o efeito tenha recursos financeiros e saúde física e mental, deverá, obrigatoriamente e pelo menos uma vez na vida, ir em peregrinação a Meca e visitar Medina e os outros lugares santos (Mina e o monte Arafat), no último mês do calendário islâmico, "Zil Hajj".
Durante cinco dias, dois a três milhões de muçulmanos de todo o mundo encontram-se em Meca para se dedicarem inteiramente às orações diárias em louvor de Deus, que, para os muçulmanos, o Profeta Abraão reconhecendo como sendo Um só, Uno e Indivisível, Invisível, Omnisciente, Omnipotente, Omniouvinte e Omnipresente, e numa súplica conjunta pedir a Deus que aceite o seu arrependimento e lhes conceda o Seu Misericordioso Perdão, no Dia do Juízo Final.
Basicamente, a peregrinação a Meca celebra o Sacrifício do Patriarca Abraão, que, em sinal de obediência e total submissão à vontade de Deus, se dispôs a sacrificar o que mais amava, o seu único filho, Ismael, que Deus lhe concedeu na velhice. Pai e filho resistiram a todas as tentações que lhes foram impostas pelo demónio, demonstrando que, para eles, nada era mais importante que o seu AMOR A DEUS, sem o qual não seriam capazes de viver.
Cita-se do Alcorão: «E proclamai a Peregrinação aos Homens...» (22:27).
In "Religiões - História, textos, tradições", ed. Paulinas, tirado daqui
Já fui um espectador relativamente assíduo do Masterchef Australia, que para os outros já não tenho paciência. Gosto de programas de culinária / gastronomia, que sempre tiro ideias ou aprendo alguma coisa. Esta semana, na minha actividade regular de zapping, vi mais dois ou três minutos e observei o que já era habitual: e frémito de emoção que perpassa os olhos de todos os candidatos numa dada altura.
A páginas tantas, porque faz parte da mecânica do concurso, há visitas. Durante alguns segundos há um verdadeiro teaser: um dos jurados começa a falar da visita que vai chegar: levanta uma ponta do véu, depois mais um bocadinho, faz uma referência velada. Nos candidatos, gente intuitiva e perspicaz, observa-se um olhar de satisfação, surpresa quase infantil, anseio febril: será ele? Ela? Não, não pode ser, seria muito bom... A câmara de filmar varre os rostos daqueles que ambicionam ser o melhor chef australiano. Há olhos abertos, bocas escancaradas, mãos no peito, suspensão da respiração. Finalmente chega o convidado mistério: um chef de cozinha. Há pequeninos saltos de contentamento, vislumbres de lágrimas de comoção. É um chef famoso!
Não sei que aura têm os chefs de cozinha na Austrália. É seguramente algo de muito impactante, porque só assim se compreende a emoção tão visível. Replicando para Portugal, quem disfarçaria a verdadeira perturbação pelo facto de conviver tão de perto, sem que o soubesse antecipadamente, a Justa Nobre ou Hélio Loureiro?
Gosto do programa. E gosto mais ainda, porque nem sempre consigo fixar os ensinamentos ou as ideias criativas, de ver o entusiasmo que suscita quem se atirou aos tachos com pundonor, criatividade e saber. Ser-se chef na Austrália? Vai lá vai...
Recuo até 1974, data em que o filme A Golpada estreou em Portugal. E recuo até esse ano para me lembrar da primeira vez que tive contacto com o estilo musical chamado ragtime, cujo compositor mais célebre terá sido Scott Joplin, autor de The Entertainer, que acompanhava o dito filme.
Durante uma fase da minha vida, fruto da amizade com um pianista, ouvi muito ragtime. É talvez um tempo de frequência do pub Pickwick (já desaparecido), no Estoril, que acompanhava a cerveja que bebíamos com favas torradas salgadas, que eu comia como se não houvesse amanhã.
Scott Joplin compôs muito mais do que apenas essa obra, que acaba por ser a mais conhecida. Deixo-vos com 3-obras-3 do cavalheiro em questão. Um género musica, creio eu, totalmente desaparecido dos nossos ouvidos.
John Atkinson Grimshaw (British, 1836-1893), Reflexões sobre o rio Tâmisa, Westminster, 1880
Por Estas Noites
Por estas noites frias e brumosas
É que melhor se pode amar, querida!
Nem uma estrela pálida, perdida
Entre a névoa, abre as pálpebras medrosas
Mas um perfume cálido de rosas
Corre a face da terra adormecida ...
E a névoa cresce, e, em grupos repartida,
Enche os ares de sombras vaporosas:
Sombras errantes, corpos nus, ardentes
Carnes lascivas ... um rumor vibrante
De atritos longos e de beijos quentes ...
E os céus se estendem, palpitando, cheios
Da tépida brancura fulgurante
De um turbilhão de braços e de seios.
Olavo Bilac, in "Poesias"
***
Noutes de Chuva
Eu não sei, ó meu bem, cheio de graças!
Se tu amas no Outomno - já sem rosas! -
A longa e lenta chuva nas vidraças,
E as noutes glaciaes e pluviosas!
N'essas noutes sem luz, que - visionarios-
Temos chymeras misticas, celestes,
E scismamos nos pobres solitarios
Que tiritam debaixo dos cyprestes!
Que evocamos os liricos passados,
As chymeras, e as horas infelizes,
Os velhos casos tristes olvidados,-
E os mortos corações sob as raizes!
N'essas noutes, meu bem! em que desfeito
Cae o frio granizo nas estradas,
E tanto apraz, sonhando, sobre o leito,
Ouvir a longa chuva nas calçadas!
N'essas noutes, electricas, nervosas,
Todas cheias d'aromas outonaes,
Que a tristeza tem formas monstruosas
Como n'um sonho os porticos claustraes.
Noutes só em que o sabio acha prazeres,
- Tão ignorados dos crueis profanos! -
E em que as nervosas, mysticas mulheres,
Desfallecem chorando nos pianos.
N'essas noutes, meu bem! é que os poetas
Tem ás vezes seus sonhos mais brilhantes,
Folheam suas obras predilectas...
- E evocam rostos... e visões distantes!
Naquele tempo, disse Pilatos a Jesus: «Tu és o Rei dos judeus?» Jesus respondeu-lhe: «É por ti que o dizes, ou foram outros que to disseram de Mim?» Disseram-Lhe Pilatos: «Porventura eu sou judeu? O teu povo e os sumos sacerdotes é que Te entregaram a mim. Que fizeste?» Jesus respondeu: «O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, os meus guardas lutariam para que Eu não fosse entregue aos judeus. Mas o meu reino não é daqui». Disse-Lhe Pilatos: «Então, Tu és Rei?» Jesus respondeu-lhe: «É como dizes: sou Rei. Para isso nasci e vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade escuta a minha voz».
A militância politica de Vitória tinha começado cedo, por alturas da instrução primária. Habituara-se a ver o pai, comunista convicto e militante, com um discurso entusiasmado, a bramar contra os fascistas, contra as injustiças, contra a falta de solidariedade - contra aquilo a que ele chamava a canalha. O combatente chegava a casa aos fins-de-semana depois de mais uma ocupação de terra, de uma campanha política numa fábrica de gestão capitalista selvagem, de uma campanha de alfabetização de populações que desconheciam como alinhar as letras para compor poemas sofridos.
Nos antípodas desta realidade estava Manuel Maria, filho de uma sociedade que identificava o mundo de Vitória porque numa contenda os oponentes sempre se reconhecem. Ainda que numa visão metafórica, os seus pais eram os donos das terras que o militante político ocupava, administravam as fábricas onde os operários eram supostamente explorados, tinha um tratamento respeitoso junto das populações que não sabiam redigir textos simples. Manuel Maria usava expressões como os Pais foram ou as férias na quinta. Incongruências linguísticas de uma gente que preservava acima de tudo a propriedade privada, mas que não usava pronomes possessivos na sua sintaxe própria.
Vitória e Manuel Maria descobriram-se mutuamente para satisfazer aquela frase desinteressante e vagamente verdadeira que afiança que os extremos se tocam. Cruzaram-se ambos na improbabilidade de amigos comuns, mas os seus olhos encontraram-se num instante certo, porque se tivesse havido um minuto de atraso – ou de avanço - a sua atenção teria focado outros aspectos do mundo em redor, e algo se perderia no encaixe possível de almas desconhecidas.
Uma semana depois, aquele que não tinha por hábito usar pronomes possessivos no seu fraseado, entrava em casa da filha do comunista militante cheio de uma curiosidade levemente enervada. Munido de uma discrição que era filha de uma educação cheia de regras, o seu olhar prendeu-se na profusão de biografias de Marx e Engels, nas visões elogiosas do comunismo mundial, nos relatos sofridos das vítimas das prepotências, nas encadernações diversas dos pensamentos de Mao ou de Ernesto Guevara. A música era conforme – porque na verdadeira militância política não pode haver aspectos discordantes, não se pode abrir uma brecha na solidez revolucionária que abra caminho à incoerência burguesa.
Sentaram-se e, ao fim de 10 minutos de uma conversa neutra – confortavelmente neutra – houve algo entre eles que levou os olhos a tocaram-se, as mãos a tocaram-se, as bocas a tocaram-se. Tudo se tocou num furor erótico que era fruto de um desejo irresistível, de uma atracção quase fatal. Quando deram por isso encaminhavam-se na direcção do quarto, impelido pela vontade de ambos.
Quando entraram no quarto, a boca de Manuel Maria encheu-se de espanto – era um quarto clássico, onde ardiam várias velas de cores diferentes e aromas diferentes. Numa aparelhagem estereofónica, Tony Bennett, o homem que se chamou Anthony Dominick Benedetto, cantava, na sua voz sensual
I left my heart / in San Francisco
enquanto ao lado da cama um tabuleiro com caviar, meio limão, dois copos e uma garrafa de champanhe – e não espumante – rematavam o cenário.
O sexo entre ambos (teria havido amor?) seria bom – clássico, arrojado, criativo, lento, brutal, acelerado, respeitador dos tempos alheios, preocupado por fetiches próprios.
Nas semanas seguintes as noites repetiram-se: em primeiro lugar os livros da esquerda revolucionária, do elogio do marxismo, dos amanhãs que cantam. Em seguida o sexo ao som de Tony Bennett, do caviar, das ostras, dos vinhos a condizer.
Um dia, Manuel Maria disse-lhe:
És muito contraditória, companheira! Não sei se consigo voltar cá mais...
Sabe qual é o seu problema, senhor doutor Manuel Maria?
Diz lá, camarada Vitória. Qual é?
É a tua relação com a minha incoerência. Sabes, no fundo, o que tu tens é inveja desta minha dupla faceta, da facilidade com que vivo com o Tony Bennett e a Brigada Victor Jara, com os tremoços e com o caviar. Inveja, é o que tu tens. E isso é um pecado, ou não?
23 dias. O que são 23 dias? Nada, aparentemente. São mais de três semanas, mas menos de quatro. Mas 23 dias pode ser uma amostra com uma dimensão suficientemente boa para que daí tiremos ilações. Eu explico, não vá alguém achar que falo de esoterismos.
Trabalhei 20 anos na indústria, sendo que essas duas décadas - não me canso de repetir - fizeram de mim o profissional que sou hoje, mesmo que a minha actividade profissional actual já pouco ou nada tenha a ver com o passado mais recente. E foi aí, nessa minha actividade fabril que travei conhecimento com um indicador: MTBF. Uma sigla que significa isto: Mean Time Between Failure. Isto é, traduzido para português, tempo médio entre falhas.
Olhamos para uma máquina. Ao fim de cinco minutos avaria; é reparada (ou solucionado o que a levou a parar) novo período de cinco minutos e volta a parar. O MTBF é, obviamente de cinco minutos. Analisam-se os factores que levam à paragem sistemática da máquina; corrigem-se. A máquina já não pára ao fim de cinco minutos, mas ao fim de 10, e depois 15 e por aí em diante. Quanto maior for o MTBF, melhor estará a máquina.
Imaginemos agora que a máquina está 23 dias sem parar (por avaria ou outra falha). Significa isto que as condições que estiveram subjacentes a este período de não-paragem são possíveis. O que é preciso? Analisar o que esteve por trás deste aparente sucesso e replicar as condições. Ou, nalguns casos mesmo, repor as condições iniciais da máquina, que quando foi adquirida estava preparada para trabalhar, não parar a cada dia.
Aplique-se este raciocínio a outras realidades. Agarre-se nos 23 dias e repita-se. Um dia - voltando à fábrica - percebemos que basta alguém que, no fim do turno, desligue as luzes, porque a máquina não precisa de ninguém.
Nota: ontem almocei com um grande amigo e falámos sobre isto. Não sendo, nem eu nem ele, mentecaptos, é sinal de que se pode conversar sobre este tema de frente para uma sopa e um copo de vinho. MTBF: um indicador a fixar.
Sob o título "Paris vale bem uma missa" encontro o texto abaixo (de Maria Teixeira Alves) no blogue Corta-Fitas (de onde retiro também o poster da noite de oração):
Gostava de ver nas televisões de todo o mundo, um missa ao ar livre numa praça de Paris, com os franceses a rezarem em conjunto e em voz alta, pelas vítimas dos atentados de sexta-feira. Imaginem uma praça com velas acesas a ecoar a avé maria. Isso sim seria uma resposta eficaz ao ódio do ISIS.
A ideia de que em cada atentado a fé cristã cresce é lhes fatal.
Uma Avé Maria em francês seria muito mais eficaz do que a Marseillaise, para um grupo de assassinos que faz o que faz em nome da guerra santa. Mas os franceses não parecem perceber isso.
Muito se disse e há-de dizer ainda sobre a barbárie de 6ªf em Paris. Resta-nos rezar pelas vítimas, sobretudo pelos familiares das vítimas que cá ficaram, pelo discernimento de quem tem o poder de impedir isto, ou a escalada disto, mas também pelo discernimento de cada um de nós, gente que gosta de formar uma opinião assente em valores cristãos e em desejo de segurança.
Recentemente, passou na Gulbenkian a música originalíssima e empolgante do suíço Arthur Honegger (1892-1955), com uma produção musical muito extensa, a incluir bandas sonoras de filmes e actuações na rádio.
A dimensão cinéfila perpassa toda a sua obra, indo muito além das composições feitas para o cinema. Assim acontece com a oratória que compôs a partir de um texto extraordinário de Paul Claudel (1868-1955): «La danse des Morts».
A parceria e cumplicidade artística entre o escritor e o compositor chegou por intermédio da actriz-bailarina Ida Rubinstein que, em 1934, apresentou o músico ao mestre das letras na altura Embaixador de França em Bruxelas.
Apesar do feitio reservado, Honegger frequentava as tertúlias dos artistas e intelectuais que fervilhavam por Paris, à cabeça Jean Cocteau, com quem formou o Grupo dos 6, desejosos de lançar uma nova escola de música clássica anti-romântica. Mas a sua participação naquele grupo foi sol de pouca dura.
Com Claudel tudo correu melhor. Do primeiro trabalho em equipa resultou «Jeanne d’Arc au bûcher». Em 1938, com a Europa a assistir apavorada à escalada expansionista de Hitler, os artistas lançaram-se na feitura da revolucionária A Dança dos mortos. Um título algo chocante e insólito para o século XX e, mais ainda, para o nosso tempo.
A ideia partira de Claudel, que ficara impressionado com os desenhos do bávaro Hans Holbein (1497-1543) , com esqueletos entretidos numa coreografia híper animada, que pensaríamos saída da banda desenhada de um cartoonista provocador da actualidade. Difícil de acreditar que vinha do século XVI, seguindo aliás uma tradição muito em voga na Idade Média de lembrar a proximidade da morte, quase sempre com enorme sentido de humor e forte carga irónica, a aliviar o propósito didático. De facto, encarava-se abertamente o elo inalienável entre vida e morte explorando as várias ramificações do tema. Assoma, de imediato, a eternidade versus a caducidade visível do presente, representadas de braço dado.
A Morte, na gravura de Hans Holbein, o Jovem
É nos séculos posteriores, ditos mais científicos e modernos, que a morte ganha uma solenidade pesada para exorcizar e até camuflar o medo associado ao conceito, chegando à actualidade completamente relegada para a zona dos assuntos intocáveis, tornada o maior tabu do século XXI. E logo nós que seríamos uma geração pós-tabus, preparada para arrasar os adamastores que tinham importunado os nossos antepassados, esses sim, gente dada a temores menos racionais e crenças cegas.
Em «La danse des morts», a prosa poética do francês funde-se com a melodia vanguardista do suíço, numa harmonia e expressividade invulgares, que nos transportam para um universo entre o céu e a terra onde, estranhamente, não nos sentimos estrangeiros. Talvez por tudo ali ser tão habitado...
II parte -
A ironia é máxima quando o coro entremeia cantos populares, nomeadamente «Sur le pont d’Avignon» com letra adaptada, a dançar sim, mas não sobre a bonita ponte, trocada agora pela tampa da tumba, que se escancara para o morto recuperar alguma vitalidade. A «visão dos ossos secos» inspira-se numa passagem do Antigo Testamento (cap. 37 do Livro de Exequiel), em que Deus conduz o profeta a uma planície coberta de ossaturas, a quem devolve o dom da vida para aludir à restauração do povo judeu.
O libreto de Claudel fala por si, desdobrando-se em partes recitadas e cantadas, num estilo híbrido, entre o musical e a ópera. Ao coro juntam-se os solistas – soprano, contralto e barítono – e o recitante (narrador). O entusiasmo do escritor chegou ao pormenor de anotar recomendações musicais para a ária acompanhar em pleno o sentido das palavras. Exemplo: «Começa por um ribombar de trovão formidável, não um simples trovão de teatro, um trovão musical alargado, onde o som rola, vai e vem, ressalta sobre ele mesmo, como se ouve nas grandes trovoadas da primavera» – a estação do renascimento, por excelência.
O próprio Honegger confirma a musicalidade do trabalho do amigo: «Para A Dança dos Mortos, pedi a Claudel que me lesse e relesse todas as directrizes a fim de seguir o mais próximo possível o seu pensamento. Tudo estava previsto no seu espírito, todas as intenções especificadas, bem como as distribuições das vozes e a cor da orquestra.»
Excerto da letra da Oratória:
Choeur parlé
Souviens-toi homme que tu es esprit
et la chair est plus que le vêtement
et l'esprit est plus que la chair
et l'oeil est plus que le visage
et l'amour est plus que la mort.
Choeur chanté
Dansons, sur le pont de la tombe,
on y danse y danse y danse,
sur le pont du tombeau
tout le monde y danse en rond !
En rond dansons la carmagnole,
vive le son, vive le son,
dansons la carmagnole,
vive le son du clairon !
Récitant
Le Pape !...
L'Evêque !...
Le Roi !...
Le Chevalier !...
Le Philosophe !... (…)
Próximo do final, o recitativo recorda a mensagem de Deus ao homem, proclamando telegraficamente:
«J’éxiste!»
No último número, o coro retoma um dos leit-motiv do libreto:
«Lembra-te Homem que és pedra e sobre esta pedra edificarei a Minha Igreja
e as portas do inferno não prevalecerão contra ela.» (Mt.16, 18)
O coro entoa ainda uma frase do Salmo:
«Souviens-toi de moi, Seigneur,
parce que je suis poussière
et que je retournerai en poussière !»
A Oratória termina com um sussurro do soprano, aparentemente apaziguador, mas a adensar aquele mistério de vida e morte entrelaçadas.
Já no século XIX, Camille Saint-Säens (1835-1921) produzira uma obra sobre a mesma temática, numa sonoridade mais confortável e ligeira, que teve enorme influência posterior, nomeadamente em Honegger. De título ainda mais provocador – «La danse macabre» – o humor é aqui desconcertante, até pelo colorido lindo da orquestração. Camille inspira-se numa superstição francesa bem antiga, sobre uma noite de Outono em que os mortos se evadiriam dos túmulos para dançar freneticamente até ao canto do galo os reconduzir ao silêncio mais profundo. Uma tese arrojada, a fazer fé na capacidade de os esqueletos auto-recuperarem a vida, embora só uma vez ao ano enquanto o sol não nasce, género recarga curtíssima. Um bocadinho inglório para os mortos e assustador para os vivos, mas q.b. certeiro enquanto pequena revanche dos que se sentem excluídos do ciclo temporal. Típico wishful thinking de alguns (a expressão inglesa é a mais lapidar)...
Muito refrescante redescobrir o vanguardismo extraordinário dos nossos antepassados, que nos fazem sentir próximos das gentes de outras épocas. Algumas bem distantes. Que bom esta caça aos tesouros do passado ser infindável. Então na música, as redescobertas são constantes. Até porque é a expressão de arte a que melhor se aplica a metáfora da Bela Adormecida, aquela tristinha escondida num castelo inacessível. Até ser executada, a pauta funciona como uma princesa à espera de ser acordada. Felizmente que a Gulbenkian tem ajudado grandemente, cumprindo na perfeição o papel difícil do príncipe.
Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Naqueles dias, depois de uma grande aflição, o sol escurecerá e a lua não dará a sua claridade; as estrelas cairão do céu e as forças que há nos céus serão abaladas. Então, hão-de ver o Filho do homem vir sobre as nuvens, com grande poder e glória. Ele mandará os Anjos, para reunir os seus eleitos dos quatro pontos cardeais, da extremidade da terra à extremidade do céu. Aprendei a parábola da figueira: quando os seus ramos ficam tenros e brotam as folhas, sabeis que o Verão está próximo. Assim também, quando virdes acontecer estas coisas, sabei que o Filho do homem está perto, está mesmo à porta. Em verdade vos digo: Não passará esta geração sem que tudo isto aconteça. Passará o céu e a terra, mas as minhas palavras não passarão. Quanto a esse dia e a essa hora, ninguém os conhece: nem os Anjos do Céu, nem o Filho; só o Pai».
Homem interceptado à chegada ao aeroporto, suspeito de trazer droga no interior do corpo. Depois de uma lavagem ao estômago, conclui-se que era, apenas, o pequeno almoço servido a bordo.
Maria de Belém a Belém
Não tem altura mas está à altura.
Natal é quando um publicitário quiser
Lido num folheto de publicidade novas tradições de Natal.
Quem me dera semelhante imaginação.
Pobreza desvergonhada
Cavaco confessou ter parco espólio. Deve ser espóliomielite.
Aguenta que é serviço
A praxe é a prova dos novos.
Escalas
Pôncio Pilatos foi superior a Jesus Cristo. Poncio Pilatos lavou os membros superiores enquanto Jesus Cristo lavou os membros inferiores.
Nova cozinha
Virar o bife em prego.
Costas largas
Já tivemos o Costa de África, já tivemos o Costa do Castelo, agora temos o Costa da Índia.
A conversa decorreu inicialmente entre uma torrada, um sumo de laranja e uma água do castelo com gelo e limão. No dia seguinte foi em frente a uma lareira. Em ambos os momento persiste uma pergunta: qual o verdadeiro interesse de reflectirmos sobre estes temas?
Nas várias formas de arte, o que provoca em nós emoções? Emocionamo-nos da mesma forma com cinema, literatura (romance, poesia, outros) pintura, escultura, fotografia? Todas estas formas de arte têm a mesma capacidade de nos suscitar abalar, comover?
Olho para dentro de mim: como para a maior parte das pessoas, estou certo, o cinema tem uma enorme capacidade para me envolver, "sugando-me" para dentro da história, tendo pena de quem sofre, alegrando-nos com quem se sente feliz. Acontece o mesmo com a literatura, nomeadamente o romance. Já pouco sinto quando leio poesia, provavelmente porque tenho muita dificuldade (que é diferente de gosto, ou ausência de) em lê-la, sobretudo se lhe faltar métrica e rima. Quando penso em fotografia lembro-me do Barthes e da sua noção de punctum. Uma fotografia tem a capacidade de me provocar uma emoção.
Relativamente à música, há uma nuance. Quase todos os géneros musicais me oferecem a possibilidade da emoção, mas tenho de lhes associar um momento ou uma época em que tenha sido feliz: uma certa juventude, uma certa pessoa, um certo momento. A música clássica independe de tudo isso. Comove-me e, num certo "estilo" - nomeadamente a música coral - leva-me a um patamar diferente.
Vem por último a pintura / escultura. Posso perder horas, já aconteceu, a deambular por uma época ou um pintor específico. Aprecio a beleza, a técnica (enfim, sou muito ignorante) o tema. Mas não há um único quadro que me suscite uma emoção, para além da apreciação da estética. Uma fotografia emociona-me; uma pintura que reproduza o que reproduz a fotografia não me toca nem um milímetro. Porque será?
O assunto não te interesse, de facto, a não ser para mim. Desculpem qualquer coisinha...
JdB
PS: podemos admitir como verdadeiro que aquilo que lemos reflecte um pouco do que nós somos? Se sim, o que diz de alguém o facto dessa pessoa detestar ler romances?
Na vida da generalidade das pessoas, até uma determinada altura olha-se para o mundo – as pontes, a música, a pintura, os contratos de trabalho ou de arrendamento - com os olhos de uma relativa ignorância. As coisas agradam-nos, soam-nos bem, parecem-nos correctas. Há um primeiro olhar, digamos, não técnico. Vinga a nossa sensibilidade, a nossa perspicácia e também, nalguns casos, os genes que nos fazem dar mais atenção a alguns pormenores. No seguimento normal da vida das pessoas aparecem os cursos, as formações, a entrada no nosso cérebro de informação científica transmitida por quem se supõe saber mais. As doses de conhecimento são dadas gradualmente, de acordo com critérios pedagógicos, para que tudo fique retido e possa ser aplicado posteriormente.
A partir de uma dada altura já não olhamos para as mesmas coisas com os mesmos olhos: o engenheiro atravessa a ponte sabendo os cálculos que foram feitos para suportar as cargas previsíveis. A ponte deixou de ser uma bonita obra de arquitectura para passar a ser um conjunto de cálculos, uma sucessão enorme de equações matemáticas onde entram a resistências dos materiais, a predominância dos ventos e das correntes, a circulação estatística das viaturas multiplicada por um coeficiente de segurança.
A partir de uma dada altura, para assemelharmos a frase ao raciocínio, o músico já não ouve apenas uma peça musical. Para ele, e sobretudo para ele, que estudou essas matérias, há notas dominantes, influências identificáveis no tempo, melodias que o naipe de metais ressalta, os instrumentos de corda abafam, os coros sublinham. Deixou de ser apenas uma peça audível, para ser o produto da técnica da composição e da criatividade do autor.
Há, portanto, uma dimensão científica, profissional, académica, que só os iniciados encontram naquilo que observam – seja uma ponte ou uma sinfonia.
Como é que um padre olha para uma mulher? Existe seguramente, na mente de muitos, uma injustiça ao nível do entendimento versus acesso. A partir do momento em que se forma na escola do direito, o outrora universitário, agora licenciado, olha para o contrato, entende-o, domina-o, converte-o em benefício do seu cliente, não esquecendo a ética profissional. Com o entendimento (também) vem o acesso, a possibilidade de uso, sendo que a expressão tem aqui a sua dimensão mais nobre. É fácil entender que esta aproximação de ideias se aplica ao músico ou ao engenheiro, este na construção da ponte, aquele na composição da sinfonia.
Onde está, então, a injustiça? Enquanto não profissional, digamos assim, o sacerdote pode fruir a mulher, tendo dela o entendimento e a compreensão que a maturidade lhe confere. Ao aceder ao nível superior, isto é, ao estudar a matéria que lhe permite o entendimento da alma humana e, assim, da mulher, ainda que com as especificidades inerentes, é-lhe retirado, gradualmente, o acesso ao objecto estudado. O engenheiro é-o na sua plenitude legal e afaga o ferro com que se construirá a ponte. Estabelece-se entre ambos uma relação próxima, íntima, sem mais segredos do que aqueles que advêm de algum desconhecimento que sempre existe.
O sacerdote, ao contrário, faz votos, estabelece imediatamente uma distância entre si e o corpo daqueles que são a sua preocupação primária. O músico passa os dedos por uma partitura, corre o arco sobre as cordas do violoncelo, retira-lhe o som sublime da tristeza. O padre, por seu lado, conforta a alma, que alguns afiançam não existir, outros sustentam não ter opinião, havendo um número significativo que crê nelas. No entanto, a alma não se palpa, por não ser corpórea.
(...)
António Costa Carlos, in Subsídios para a Materialidade das Profissões (2012, edição do autor)
"Cristo na cruz. Os pés tocam a terra. Os três madeiros são de igual altura. Cristo não está no do meio. Ê o terceiro. A negra barba pende-lhe sobre o peito. O rosto não é o rosto das gravuras. É áspero e judeu. Não o vejo e continuarei a procurá-lo até ao dia derradeiro dos meus passos pela terra. O homem alquebrado sofre e cala. A coroa de espinhos fere-o. Não o alcança a mofa da plebe que viu sua agonia tantas vezes. A sua ou a de outro. Dá o mesmo. Cristo na cruz. Desordenadamente pensa no reino que talvez o espere, pensa numa mulher que não foi sua. Não lhe é dado ver a teologia, a indecifrável Trindade, os gnósticos, as catedrais, a navalha de Occam, a púrpura, a mitra, a liturgia, a conversão de Guthrum pela espada, a Inquisição, o sangue dos mártires, as atrozes Cruzadas, Joana D’Arc, o Vaticano que abençoa exércitos. Sabe que não é um deus e que é um homem que morre com o dia. Não se incomoda. Incomoda-o o duro ferro dos cravos. Não é um romano. Não é um grego. Geme. Deixou-nos esplêndidas metáforas e uma doutrina do perdão que pode anular o passado. (Esta frase escreveu-a um irlandês numa prisão.) A alma procura o fim, apressada. Escureceu um pouco. Já morreu. Anda uma mosca pela carne quieta. De que me pode servir que aquele homem tenha sofrido, se sofro agora?»
Os Conjurados [Los Conjurados], Jorge Luis Borges (Tradução de Maria da Piedade M. Ferreira e Salvato Teles de Meneses, Ed. Difel)
Bruce Springsteen dispensa apresentações. Refiro apenas
que no meu top 10 de autores de música ligeira tem presença assegurada.
Como o dia já vai longo, a imaginação vai fenecendo e o
autor do estabelecimento quer com pleno direito saber com o que pode ou não
contar, deixo-vos com um texto curto compensado por duas longas interpretações bem
ao gosto musical e lírico de Springsteen.
Permito-me chamar a atenção para o saxofone dominador do
enorme e infelizmente saudoso Clarence Clemons, falecido em Junho de 2011.
quanto ódio
diz
quanto ódio
não sabes
tens
dentro de ti
o deferente tapete da palavra
a rede bélica
os rasgos secundários
TUDO
engendra
articula
atavia
a sala da tua fala
Ana Hatherly, in "Um Calculador de Improbabilidades"
***
Cantiga do Ódio
O amor de guardar ódios
agrada ao meu coração,
se o ódio guardar o amor
de servir a servidão.
Há-de sentir o meu ódio
quem o meu ódio mereça:
ó vida, cega-me os olhos
se não cumprir a promessa.
E venha a morte depois
fria como a luz dos astros:
que nos importa morrer
se não morrermos de rastros?