HINO DA QUARENTENA?
Sons vitamínicos e com bom ritmo ascenderam a hinos da (esperemos que única) quarentena, por regiões e, nalguns casos onde a letra teve peso, também por língua. Confirma o condão da música para juntar e animar multidões, sendo a expressão de arte mais interplanetária pela sua linguagem universal.
No Sul da Europa, houve um mano-a-mano feliz, começado em Espanha pela compositora madrilena Elena Iturrieta, e continuado em Portugal pela voz forte e fresca da Xana Guilherme.
Uma e outra só fazem música por hobby, apesar do óbvio talento de ambas. A espanhola, conhecida no meio artístico pelas iniciais do seu nome – “ELE”, que à espanhola soa “élé” –, é professora de inglês. A portuguesa trabalha no Bankinter, o que calhou em cheio para ser a vocalista-mor da banda sonora da campanha publicitária do banco, dedicada à confiança para espalhar esperança durante o insólito do confinamento. O sucesso foi imediato, tornando-se viral.
A letra musicada por Elena/ELE foi escrita pelo argentino e especialista em marketing Leandro Raposo, a apelar para um sentido na vida que não se deixe aprisionar pelo dinheiro. De certo modo, tocou num tema evitado durante o confinamento, sobre a regressão económica severa que aquela paragem representou para muitos. Esse foi o lado negativo daquele tempo. Nas notícias, os bombardeios diários cingiam-se quase só às estatísticas sobre os efeitos da pandemia em termos de saúde pública.
No anúncio do Bankinter, a ária inspiradora da ELE valoriza-se com a sequência de imagens concebida pelos três cracks da recém-criada empresa publicitária Sioux Cyranos, a partir dos detalhes bem escolhidos dos desenhos impressos nas notas monetárias que circulam pelas quatro partidas do mundo. Tanto pormenor interessante, quase sempre habitado de gente sorridente, interessada nalguma coisa, inspira empatia. Dá vontade de procurar afinidades e descobrem-se tantas que nunca os traços étnicos ensombram, antes acentuando a base comum essencial. Como num jogo sem-fronteiras, o mundo fica um pouco mais familiar:
Se na voz intimista da ELE, a canção se torna interpelativa e convida a pensar, na cadência ritmada da Xana a mesma música adquire uma vitalidade ainda mais contagiante num convite para acordar... Reagir, recuperar ânimo, acreditar que o rol de semanas fechados em casa passará, e convém não largar o leme do barco, menos ainda desistir de ter rumo e de continuar a aproveitar os ventos, mesmo pequenos sopros incertos, para seguir caminho, conforme faça sentido para cada um. É divertido resultar a versão da portuguesa a mais salerosa das duas, talvez pela personalidade e clareza da sua interpretação:
Tirando partido do conforto dos concertos zooms surgidos durante o confinamento da Primavera, o Bankinter ainda ofereceu aos internautas do globo um concerto do grupo da ELE, que arranca com a versão publicitária «Volverán eses Momentos de las cosas cotidianas» mas, ao min. 3:58, flui o concerto recheado da mistura de blues e acordes de jazz da compositora, que inclui (no meio) uma interpretação doce de I WISH YOU WERE HERE dos Pink Floyd:
Quando este período for olhado com maior distância temporal, será mais fácil perceber o alcance do que vivemos, triar o que valeu a pena e foi um ganho, clarificar o que deixou de interessar, ao jeito das limpezas de fundo nas grandes arrumações. Claro que a ideia é sempre e só ficar com o que é bom… Soará a Mick Jagger mas esta máxima muito saudável já vai com dois mil anos. Vem de S.Paulo e continua a resistir ao teste do tempo, embora resulte sempre desafiante e exigente ‘pegar-lhe’.
Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)
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