Lamentação sobre o Cristo Morto (Andrea Mantegna, 1431 - 1506) |
A Descida da Cruz (Rogier van der Weyden, 1400 - 1464) |
Entre o quadro de cima e o quadro de baixo há, talvez, 40 anos de diferença: 1475 e 1435. Entre as cenas haverá poucas horas: Cristo que jaz numa pedra ou Cristo que é descido da Cruz. Há, por fim, três personagens em comum: o próprio Cristo, Sua Mãe e S. João. E no entanto, entre a Nossa Senhora de um quadro e a do outro quadro poderia haver 40 anos de diferença: Mantegna pinta-a como uma velha; van der Weyden como uma jovem. Acredito que, muito provavelmente, a representação da mater dolorosa obedece a um figurino generalizado: a Virgem Maria tem sempre feições de jovem, como se fosse Filha, e não Mãe, do seu próprio Filho. Ou como se nunca envelhecesse, nunca sofresse aos nossos olhos humanos a erosão do tempo e da perda.
O mundo cristão e devoto apela a Nossa Senhora como fonte de consolo ou intercessão. Ora, a recorrência a Maria deriva, não da sua condição de Mãe de Jesus, mas da condição de protagonista de uma tristeza imensa; recorremos a Maria, não porque ela é detentora de poder, mas porque ela viveu o desgosto. Se ela não chorasse no quadro de Mantegna, ou não fraquejasse no quadro de van der Weyden, a nossa relação com ela seria diferente, porque Maria não perceberia as nossas lágrimas que correm ou as nossas pernas que cedem.
Viver uma emoção é perceber essa emoção nos outros. Por isso, entre fugir da nossa própria tristeza e não compreender a tristeza do próximo há um nexo causal evidente. Não percebemos no outro o que não sentimos em nós, ainda que sejam diferentes as razões que provocam emoções iguais. Nesse sentido, o horror à tristeza e à melancolia, apanágio tão forte dos dias de hoje que se querem sempre alegres e ocupados, provoca uma deficiência de entendimento do próximo cuja nocividade é óbvia. A compaixão é uma realidade física entre duas pessoas que viveram uma experiência semelhante, não é o cálculo teórico de uma derivada dupla. A falha desta compaixão amputa-nos como ser humanos, pelo que a experiência de todas as emoções é uma vantagem humana e pedagógica.
Com feições de nova ou de velha, Maria vive sempre aquela tristeza, depois da alegria de ser a Escolhida. E é por isso - quase diria só por isso - que percebe todas as nossa fragilidades. Afinal, também chorou e também teve de ser amparada na sua fragilidade. E que mais precisamos nós para que nos percebam?
JdB
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