11 setembro 2020

(Ainda) do regresso a casa

 Revi um destes dias, por puro acaso, a última meia hora do filme O Império do Sol (Steven Spielberg, 1987). Cito um pouco da Wikipédia: 

O filme relata a história de um garoto inglês de onze anos de idade, que vive na cidade chinesa de Xangai com a sua família na aparente segurança do bairro diplomático. Com a invasão da China pelo Japão, em plena Segunda Guerra Mundial, no meio da confusão da multidão em fuga ele separa-se dos pais e acaba por ir parar a um campo de concentração japonês onde, para sobreviver, se vê obrigado a desenvolver uma série de artimanhas que vão das transações num improvisado mercado negro de alimentos e objectos pessoais à mediação de conflitos com os soldados japoneses. 

(...) A derrota do Japão aproxima-se, o campo é evacuado e os prisioneiros levados para Norte onde se pensa existirem alimentos. No caminho a mulher que protegeu o rapaz morre no momento em que se avista o clarão das explosões de Hiroshima e Nagasaki. No final o rapaz é encontrado pelos pais num orfanato para crianças ocidentais.


A ideia de regresso a casa fascina-me; não falo apenas do regresso dos emigrados, dos embarcados, dos que vão em serviço militar. Falo do tema que me interessa mais: o conceito de casa enquanto espaço (não forçosamente físico) de segurança, conforto e afecto. O conceito, portanto, do regresso a uma certa segurança. 

Já aqui falei sobre este tema: Ernest Henry Shackleton liderou três expedições britânicas à Antárctida no início do séc. XX. Numa delas, o Endurance ficou preso no gelo e a tripulação teve de procurar a salvação por terra. Numa dada altura, já no Polo Sul, é-lhes dito que têm de livrar-se de tudo o que é supérfluo, e só podem levar consigo o essencial para que a sobrevivência seja possível. Há quem leve receitas de compota de laranja, há quem leve retratos de família, há quem arranque uma página específica da Bíblia. É isto que para eles (também) é essencial - e todos se salvaram, talvez porque também tenham transportado comida, picaretas, agasalhos. Levaram o que era importante para o regresso a casa.

Jim, o rapaz de O Império do Sol, chora porque já não se lembra dos pais, que não vê há 3 anos. No orfanato, já no fim do filme, a mãe encontra-o e chama-o pelo nome. Jim passa-lhe uma mão silenciosa pelos cabelos, que desprende, e corre-lhe um dedo lento pelos lábios. Abraça-a e fecha os olhos, húmidos. O batom, ou o cheiro dos cabelos, é a receita de compota de laranja, é aquela folha da Bíblia. Jim regressou a casa, mesmo antes de ter entrado em casa.

JdB   

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