14 setembro 2020

Duas Últimas

Aparentemente estes fados não têm nada de muito assinalável, apesar da interpretação sempre fantástica de Amália. Achei graça, no entanto, a um pormenor: sendo o fado, até uma certa altura, povoada de letras dos chamados poetas populares, é curioso que a cantadeira (quem quer que seja, e que canta algo na primeira pessoa do singular) trate alguém por "você". Mais curioso ainda é perceber que, do ponto de vista do português, os versos "passei por você há pouco" estão bastante errados, o que é um pormenor curioso, já que Frederico de Brito (conhecido por "Britinho") era um excelente poeta. Talvez houvesse uma necessidade de rimas...

Já o segundo fado, igualmente bonito e bem interpretado é (quase) irrepreensível do ponto de vista do português. Achei curioso, mais uma vez, o tratamento por "você". O mistério desapareceu quando percebi que o autor da música e da letra era Lupicínio Rodrigues, um brasileiro...

JdB  

Passei por você há pouco

Ria como ri um louco

Ria sem saber de quê

Não se ria, não se gabe

Pois você ainda não sabe

Se eu gosto ou não de você

Não se ria, não se gabe

Pois você ainda não sabe

Se eu gosto ou não de você

 

Você diz que eu não o quero

Que não tenho amor sincero

Mas nunca me diz por quê

Eu não sei bem se é amor

Mas vá lá p'ra onde for

Vejo a sombra de você

Eu não sei bem se é amor

Mas vá lá p'ra onde for

Vejo a sombra de você

 

Não lhe peço que me queira

Nem que eu queime a alma inteira

Nada quero que me dê

O que eu sinto é só comigo

Mas deixá-lo, não lho digo

Nem que eu morra por você

O que eu sinto é só comigo

Mas deixá-lo, não lho digo

Nem que eu morra por você


Alfredo Marceneiro / Frederico de Brito


***



Vingança


Eu gostei tanto, tanto quando me contaram

Que a encontraram

Bebendo e chorando na mesa dum bar

E que quando os amigos do peito

Por mim perguntaram

Um soluço cortou sua voz, não a deixou falar;

Eu gostei tanto, tanto, quando me contaram

Que tive mesmo que fazer esforço

Pra ninguém notar

 

O remorso talvez seja a causa

Do seu desespero

Você deve estar bem consciente

Do que praticou

Vem-me fazer passar essa vergonha

Com um companheiro

E a vergonha é a herança maior

Que meu pai me deixou

 

Mas enquanto houver força em meu peito

Eu não quero mais nada

Só vingança, vingança, vingança

Aos santos clamar

Você há-de rolar como as pedras

Que rolam na estrada

Sem ter nunca um cantinho de seu

Pra poder descansar


Lupicínio Rodrigues / Lupicínio Rodrigues

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