26 fevereiro 2021

Dos engenheiros inferiores e da língua portuguesa

 

O meu pai dizia que eu era especialista em matéria vaga; numa dada altura trabalhei no jornal O Dia, na secção de informação geral: ia a um congresso de medicina dentária, ao rapto da pequena Sofia B, ao aumento do preço dos táxis e do vinho de Palmela, aos roubos em Lisboa na véspera. Estávamos em 1979...

O meu pai chamava-me engenheiro inferior porque me formara no ISEL, em 1984. Até ao 25 de Abril as pessoas com um curso de 3 anos em engenharia, como eu, chamavam-se agentes técnicos; a revolução promoveu-as a engenheiros técnicos. Para o meu pai, que tinha consideração pelo meu intelecto e pelo meu percurso como Homem, engenheiros superiores eram os do Técnico (tal como para mim). Nunca me importei com isso, e ainda hoje me intitulo assim.

No meio de um livro que chegou hoje cá a casa (também tinha um cromo do Micau, mas achei menos curioso)  vinha esta separata - a nº 2 - do Boletim do Sindicato dos Engenheiros Técnicos. Sem data, mas interessante: explica a passagem dos antigos institutos industriais a Escolas Superiores, que se viriam a designar Institutos Superiores de Engenharia. Há expressões deliciosamente antigas nesta separata, nomeadamente uma referência aos "bacharéis em engenharia de reconhecidos méritos profissionais". Mas o mais importante e mais interessante está no título da separata: Projecto de remodulação dos Institutos Industriais. Podia ser remodelação,  mas o redactor preferiu remodulação, talvez porque sentisse o fetiche dos módulos, e não dos modelos. 

Há pessoas que são especialistas em matéria vaga e depois engenheiros de segunda. Há pessoas que o são concomitantemente, sendo que a matéria vaga é o português mal escrito. Se a minha pátria é a língua portuguesa, remodulação é a palavra-chave para o exílio das nações.

JdB 

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