As melhores viagens são, por vezes, aquelas em que partimos ontem e regressamos muitos anos antes
03 fevereiro 2021
Vai um gin do Peter’s ?
SÓ HOJE
Na Primavera de 2020, mergulhados no primeiro confinamento, o Grupo empresarial espanhol LAR reuniu uma colecção de links de sítios e hobbies fantásticos, para ajudar a fazer cumprir o pedido «No salgas. Quédate en casa». Foi e mantém-se um autêntico LIFESTYLE CAURENTENA, divulgado generosamente em canal aberto.
Sucedem-se as dicas dos eventos online, que continuam na ordem do dia, começando pelos Museus espalhados em palácios daquele país que respira beleza por todos os poros – Itália, com Florença e Vaticano, à cabeça; segue-se Paris com o Louvre e o Museu d’Orsay; claro que o Hermitage também era incontornável; mais a Tate de Londres; o Prado, etc. Seguem-se os concertos nas melhores salas do Ocidente, arrancando no Met de Nova Iorque. Depois, opções de teatro & dança em palcos conceituados, abrindo com a Broadway. Desfilam, de seguida, as viagens virtuais, sem a chatice da bagagem e dos aeroportos, nem o risco de contaminação nos aviões. Podem visitar-se parques naturais e resorts, a par de palácios lendários, como Versailles, ou ainda acompanhar o longo trilho na Muralha da China. Não falta um salto cósmico aos telescópios da NASA para repassar Marte a pente fino. Acumulam-se, depois, os livros, as classes e as conferências com craques internacionais, a par dos sub-links para a ginástica (com várias especialidades na manutenção, no ioga, etc.), as línguas estrangeiras, a culinária, as aulas de música e de outras expressões artísticas. Houvesse tempo para tudo:
Bom, mas pode não apetecer fazer nada e soar irritante tanta actividade virtual, quando se está demasiado farto da (talvez até contra a) clausura forçada em casa. Então, pode recorrer-se ao zoom, chats, whatsapp e outras plataformas para continuar em linha com a família e os amigos. Claro que faz falta o contacto físico, a proximidade, sentir/reconhecer os cheiros da vida à nossa volta, que pertenciam à nossa boa rotina. Se o cansaço for demasiado, poderá ser útil ouvir a experiência de um prisioneiro das masmorras vietcongues, durante 13 anos, a maioria dos quais em celas onde mal cabia. Apesar de ter sido dado como morto, espantou o mundo quando saiu vivo e tranquilo da prisão, mantendo intacto o sentido de humor e a boa disposição de sempre! Durante essa pesada clausura, preocupara-se em nunca desesperar, em nunca ceder ao ódio para com os carcereiros e cuidar maximamente da sua saúde. Fazia a ginástica possível, aceitava a ração prisional, procurava entreter-se o melhor que podia, ancorado numa fé inquebrantável. Esta foi a vida aventurosa do Cardeal de Saigão – Van Thuan –, que partilhou os seus truques de sobrevivência numa entrevista dada ao pivot do programa noticioso norte-americano World Over [min. 11:07 a 34:07]. Na conclusão, há uma proposta leitura de um livro muito positivo sobre as dificuldades superadas uma-a-uma por aquele santo vietnamita – «Road of Hope»:
Na cadência característica da sabedoria hindu, o indiano mestre de ioga conhecido pelos seus vídeos de meditação – Jaggi Vasudev, designado pelo título de “Sadhguru” – explica de outra forma a validade da atitude de Van Thuan, partindo da mesma premissa de que estar vivo é, por si só, um dom. Aliás, a prova cabal da impotência humana sobre a vida está na inevitabilidade da morte. O indiano recorre a soundbites elementares, mas fortes e fáceis de comprovar, para lembrar conclusões óbvias, embora comummente desvalorizadas: «If you’re alive, you must smile (…) You thing it’s a joke, that’s a problema…». Joga também com o suspense para aguçar o apetite do público: «Do this before you sleep and you will wake up like you are just born»:
Na mesma linha está o pedido realista e simples para recomeçar cada dia, escrito pelo Papa do Concílio Vaticano II. Servia-lhe de oração da manhã, ciente da dificuldade basilar do ser humano em aceitar e concentrar-se no presente, que é o único tempo de vida, entalado entre o que já passou e o que nem sabemos se virá. Intitula-se DECÁLOGO DA SERENIDADE e desfia dez passos para uma abordagem saudável e bem focada (como diríamos, hoje):
«1-Só por hoje tratarei de viver exclusivamente este meu dia, sem querer resolver o problema da minha vida, todo de uma vez.
2-Só por hoje terei o máximo cuidado com o meu modo de tratar os outros: delicado nas minhas maneiras; não criticar ninguém, não pretenderei melhorar ou disciplinar ninguém senão a mim.
3-Só por hoje me sentirei feliz com a certeza de ter sido criado para ser feliz não só no outro mundo, mas também neste.
4-Só por hoje me adaptarei às circunstâncias, sem pretender que as circunstâncias se adaptem todas aos meus desejos.
5-Só por hoje dedicarei dez minutos do meu tempo a uma boa leitura, lembrando-me que assim como é preciso comer para sustentar o meu corpo, assim também a leitura é necessária para alimentar a vida da minha alma.
6-Só por hoje praticarei uma boa ação sem contá-la a ninguém.
7-Só por hoje farei uma coisa de que não gosto e se for ofendido nos meus sentimentos procurarei que ninguém o saiba.
8-Só por hoje me farei um programa bem completo do meu dia. Talvez não o execute perfeitamente, mas em todo o caso, vou fazê-lo. E me guardarei bem de duas calamidades: a pressa e a indecisão.
9-Só por hoje ficarei bem firme na fé de que a Divina Providência se ocupa de mim, mesmo se existisse somente eu no mundo, ainda que as circunstâncias manifestem o contrário.
10-Só por hoje não terei medo de nada. Em particular, não terei medo de saborear o que é belo e não terei medo de crer na bondade.»
Papa João XXIII
A conclusão é especialmente oportuna para a nossa época, crivada de pânicos e bloqueios perigosos, capazes de infernizar mais o presente e obnubilar a capacidade de decisão que deformará, em parte, o horizonte futuro.
Ao menos, em nome do realismo, convém acordarmos com vontade de recuperar um mínimo de ânimo para podermos ser bafejados por alguma lucidez, no único tempo que existe na nossa vida: AGORA.
Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)
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