20 maio 2010

Deixa-me rir...

Hoje o tema é “Música e Pintura”. Para variar um pouco do formato habitual, apresento-vos um quadro que descobri há pouco tempo (desconhecia-o; mas não ao seu autor) e uma canção cheia de pasión que nada tem a ver com o quadro!
O quadro é de Gustav Klimt, intitula-se Lady with a Fan, e foi pintado (e não acabado) entre 1917-1918. Klimt morreu antes de acabar o quadro. Mas mesmo inacabado (ou aparentemente inacabado, porque não parece …), é impossível (digo eu) não se ficar rendido à sua sedução.
Em grande primeiro plano, uma senhora deixa deslizar um luxuriante quimono do ombro e segura um leque. A expressão é distante. Não está “lá”. Está de corpo, não está de alma. Será uma gueixa? Talvez. Klimt foi coleccionador de pinturas japonesas. O que fazia todo sentido numa época em que se dá a re-descoberta de países longínquos, suas culturas e manifestações. O orientalismo estava na moda no final do séc XIX - início do séc XX. E o conjunto do quadro evoca isso mesmo: nos padrões, nas texturas, no colorido e nas flores e aves do paraíso em background. Este quadro lembra-me o colorido do Bonnard ou do Vuillard, a delicadeza dos retratos do Renoir, e talvez (!), muito livremente, o Gauguin, pela força das cores e pelo gosto pelo exótico
À maravilha do traço, à sensibilidade dos contornos, acresce a vibração das cores e, para mim, o elogio ao estilo decorativo per se. Como diz um amigo meu, decorar, é “colocar com o coração” (de-corazione). Se é com o coração é para ser bonito à vista, agradável aos sentidos, confortável ao “estar”. Dito por outras palavras, privilegia-se a forma em detrimento do conteúdo. A forma é Bela e é isso que conta. O significado passa para segundo plano, não há grandes ilações a tirar. Interessa que há uma modelo que é bela, que tem a expressão e o enquadramento que o artista lhe quis dar e ponto final.
Estou convencida que muitos pintores do Impressionismo e seus contemporâneos não tinham a pretensão de imbuir os seus trabalhos de significados especiais. Os significados parece-me que ficaram mais lá para trás, para épocas em que a pintura, e a arte em geral, tinha uma carga religiosa e simbólica muito forte, em que cada quadro era uma narrativa com um intuito muito claro. A nítida quebra com essa simbologia e sacralidade deu-se com o início do séc. XX. Curiosamente, parece-me que é novamente a partir da Pop Art (late 50's) que os significados são redescobertos em obras que nem sempre agradam aos que privilegiam o belo, o estético, a harmonia.
Parece-me que o mesmo se passa, de outra forma, em relação a poetas/escritores. Quando estava no liceu e era obrigada a dissecar Bocage, Cesário Verde e Camilo, senti muitas vezes que estava a fazer um exercício interessante, sem dúvida, mas talvez excessivamente especulativo. Penso que muitas vezes somos nós, leigos, que, maravilhados com o que vemos ou lemos, nos sentimos impelidos a tentar descobrir sentidos e conexões que nos revelem o mistério do talento/génio ou a personalidade de alguém que admiramos. Do ponto de vista intelectual, estes raciocínios são interessantíssimos, maravilhosamente construídos, qual espiral de pensamentos cada vez mais profunda. Mas serão estes raciocínios válidos do ponto de vista da realidade, da real intenção do artista? Não sei ….
Mas isso não interessa nada agora. O que interessa é que me apaixonei por este quadro ….

…. e que gosto cada vez mais de tango. Aqui fica o nosso brilhante Rodrigo Leão com Luna Pena. E uma fabulosa e curiosíssima sequência de imagens desfocadas e cheias de “pasión”.



pcp

10 comentários:

Anónimo disse...

Também adoro esta tela do Klimt, que é das que colecciono nas imagens do telemóvel. E fantástico o Rodrigo Leão. Que boas escolhas pcp, a saber a aperitivo para o fim-de-semana q. se aproxima... Bjs, MZ

Philip disse...

Hi pcp, I cannot begin to know how to comment on your musings about Klimt and painting, but the song is absolutely my favourite of Rodrigo Leao. Always makes me wish I could tango, very sensuous and stylish...thx, PO

Anónimo disse...

Uma senhora que teria agora mais de 100 anos, se fosse viva, e que conheci relativamente bem, entretinha-se a ouvir e a tocar Chopin e a inventar cenários para os estudos ou para as polonaises. Nesta obra o compositor estava a fazer isto, naquela estava a fazer outra coisa qualquer, ou a sentir de forma diferente. Os raciocínios, na sua expressão, pcp, eram válidos? "No idea", como diriam os ingleses. Mas ela entretinha-se e, à sua maneira, descobria motivações nas obras do Chopin que mais ninguém via. E que se calhar o dito compositor não tinha. Talvez os raciocínios não fossem válidos - mas eram, sobretudo, inócuos, e faziam parte da fantasia que todos podemos ter.
Do ponto de vista de quem cria - uma história, uma música, um poema. Será que todos os autores têm uma real intenção misteriosa, ou por vezes uma história é uma história é uma história?
JdB

Anónimo disse...

JdB, pois é essa a minha tese! Há coisas que são história, história, história. Há pintura que é pintura pura, é o gozo da pintura, da luz, da côr, das formas, a descoberta da maravilha da expressão, sem background cheio e significados... lembro-me tão bem de dissecar Bocage, de ouvir a minha professora a falar, e de pensar: ela está a delirar, porque é que o Bocage terá pensado assim? quem lho disse? Ou seja, concordamos, JdB. Ah, e ainda mais importante: quanta honra ter tido o comentário do dono do blogue!! Mil obrigadas. pcp

Anónimo disse...

Gostava de poder estilizar as letras desta mensagem para tentar exteriorizar a que ponto adorei o tango, a VOZ, a imagem deteriorada. A coreografia, nem por isso (já me conheces, sou um purista, como convém aos falhos de imaginação), mas o melhor vale absolutamente.

Adorei, também como sempre, que o teu texto se tenha alongado: gosto demais de te ler e, no teu caso, menos não é mais.

Não posso estar mais de acordo com TUDO o que disseste sobre a manifestação artística e a sua interpretação.

Se, como afirmou F.v.Hayeck "sem uma teoria, os factos são mudos", e a obra de arte jamais se pode imaginar como tendo sido projectada pelo seu autor para não dizer nada, o gosto estético do seu autor PODE ser a única chave teórica necessária. A arte, particularmente a pictórica, pode ser apenas, como estipulou Eça na "Correspondência de Fradique Mendes": ".. a natureza vista pelo coração."

Isto não prejudica que uma obra revele opções de outra índole do autor, como sucede p.ex. com a decoração de Almada para a gare marítima de Alcântara, a contra-ciclo do culto individualizado dos "herois" patrocinado pelo Estado Novo, ou que encerre toda uma linguagem simbólica - v.g. a Qta. da Regaleira. Apenas evidencia que nem sempre a desencriptação é necessária e, se forçada, menos ainda benéfica, à compreensão da obra.

Coisa inteiramente diversa de uma interpretação, é a capacidade (para mim, absolutamente invejável, enquanto consiga separar o onírico do real), de se deixar transportar por uma obra de arte, ou por qualquer outro fenómeno, por via da imaginação.

Bjs Gds
jaime

PS A semana passada não consegui deixar um pequeno apontamento à entrada do Philip, vou tentar (re)incidir.

Anónimo disse...

MZ, obrigada pelo teu comentário. Ainda bem que gostaste. Thank you P, I'm glad you liked Rodrigo Leao's choice (is this song included in the cd that I gave you?). Obrigada, jp, sempre tão elogioso. Adoro os teus comentários. Têm toneladas de sumo, de inteligência e/ou graça. Thank you. Até à outra 5ª. Bjs. pcp

Anónimo disse...

Estou espantado!

Todo o conteúdo tem uma forma!
Podemos considerar, fazendo uma abstracção, por um qualquer interesse, que uma forma não tem conteúdo ou que um conteúdo não tem forma. Mas isso não invalida termos consciência que são dois conceitos indissociáveis.
No dizer de Andy Warhol, “não há nada mais profundo do que a pele”. Isto é, o fundo do que quer que seja é na mesma uma superfície a considerar.
Quando dizemos que uma forma é bela é porque essa forma é sinal de qualquer coisa que apreciamos, isto é, quer dizer que significa, pelo menos para nós, algo de aprazível.
De que interessa a intenção do artista na apreciação de uma obra qualquer? Ela conta o mesmo do que a intenção de quem quer que seja. O seu valor apenas depende do valor que lhe quisermos dar.
Que sabemos do que pensavam os artistas (artífices), na Idade Média, das catedrais? Quais seriam as intenções de Fídias, Praxíteles, Lísipo na Grécia Antiga? Ou o que é que levava os antigos egípcios a optar por certos critérios específicos e a abdicar deles em alguns contextos; como no caso do busto de Nefertit, mulher de Amnóvis IV, Akhenathon?
A arte, com o sentido que lhe damos hoje, é um conceito muito recente, mesmo no século XX e agora no século XXI não colhe da parte de todos a unanimidade na definição dos seus paradigmas.
A “estética” foi inventada como disciplina de apreciação de valores no século XVIII.

Lamento saber que existem tantos adoradores de música, dança, voz e imagens.
Vivemos numa época de religiões estranhas. Já não se presta culto a Deus ou deuses, mas a filmes, livros e a coisas tão prosaicas como a uma voz ou a um par de sapatos.

Anónimo disse...

Muito obrigada F, pelo seu comentário tão fundamentado e sabedor. Esperava qualquer coisa do género, mas é sempre bom lê-lo. Só mais uma coisa: os comentadores desta rubrica, ou mesmo deste blog, não são "adoradores" de nada! Quanto muito de Deus, dos seus maridos, pais e filhos! Adorar é uma expressão hiperbólica e muito lisboeta. Não se choque assim!!!. Bjs e mil obgs. pcp

Anónimo disse...

Minha Cara e boa amiga,

Adorar não significa AMAR!
Adorar é prestar culto e, culto aqui, não é usado no sentido de fornecer erudição.

Devemos amar-mo-nos uns aos outros, mas não prestar-lhes culto.
Essa expressão hiperbólica, infelizmente não é só lisboeta, foi lançada por agnósticos, ateus e quiçá maçons, de uma maneira muito eficaz, para nos pôr como filhos dilectos dos caprichos dos bens materiais.
Eu próprio o usei com todo o desplante; mas se um uso é indevido não deve ser continuado.
A repetição de um crime é sempre agravante.

Bjs.
F.P.C.

Anónimo disse...

A repetição de um crime é sempre agravante .... ou então desagrava-o... não sempre evidentemente, mas, por exemplo, no caso da utilização de linguagem, perde a força inicial. estou a lembrar-me de algumas palavras menos, digamos, de salão, educadas, que à força de serem repetidas, perdem a sua carga inicial ... em inglês, em espanhol, isso acontece constantemente. Mas pronto, não vamos discutir mais (risos). Terei esta discussão consigo até ao resto da minha vida! Por outro lado, como sabe, não andamos a dizer uns aos outros que nos amamos por dá cá aquela palha. Nem dizemos que amamos feijoada, Monet ou uma Barca Velha, certo? Assim dizemos adoramos. Sem qualquer ideia, sequer subjacente, de prestação de culto. Não estamos na Índia, meu Caríssimo FPC! Bjs. pcp

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