Tive o privilégio de acompanhar um grupo de arquitectos do Porto a um local intitulado “Moderno Escondido” num destes últimos fins-de-semana. Trata-se de um local perdido no Nordeste Transmontano, lá para os lados de Mogadouro e Miranda do Douro, na terra de 9 Meses de Inverno, 3 Meses de Inferno, uma espécie de Alentejo nortenho. Planalto ondulado, paisagens a perder de vista, uma mão cheia de povoações, cores térreas e secas, castanheiros, muitas oliveiras, amoreiras, penedias ao jeito beirão … e veados, javalis, abutres necrófagos, lobos e cobras (para meu horror, vi uma esmigalhada e ressequida numa estrada que atravessámos). Senti-me noutro país, num outro mundo, e esqueci, completamente, a minha realidade lisboeta.
Mas para explicar o que é concretamente o “Moderno Escondido”, prefiro transcrever as seguintes citações (que tirei da net), e que ilustram muito melhor do que eu em que consiste este título tão curioso e que desde logo me fascinou:
O “Moderno Escondido” é o titulo dado pelos arquitectos Cannata (italiano) e Fernandes a uma exposição sobre o trabalho de pesquisa numa aldeia perdida em Trás-os-Montes.… um dos maiores tesouros arquitectónicos portugueses. Nos confins de Portugal, com Espanha à vista, esconde-se uma aldeia perdida no calendário mas não no tempo.
Há cerca de 50 anos, aquando da construção dos três aproveitamentos hidroeléctricos do douro internacional, num dos mais remotos pontos do país, houve necessidade de alojar uma enorme quantidade de trabalhadores, onde é hoje a aldeia de Barrocal do Douro, junto à barragem do Picote.
3 arquitectos recém-formados pela Escola de Belas Artes do Porto, tiveram liberdade para dar azo à criatividade e transformar um morro nas escarpas do Douro Internacional num local habitável e «revolucionário» numa região isolada onde faltava praticamente tudo. Archer de Carvalho, Nunes de Almeida e Rogério Ramos projectaram há cinquenta anos o que os entendidos da arquitectura moderna classificam hoje como «uma cidade ideal», fundada a partir do nada com todas as infra-estruturas e serviços, inacessíveis à maioria da população daquela época.
O novo aglomerado tinha capacidade para suportar o quotidiano de quatro mil pessoas, número em muito superado durante a construção do empreendimento. Actualmente a aldeia "ideal" é considerada património nacional pelo IPPAR.
......
A política de electrificação do país nos anos 50 promoveu a construção de numerosas barragens no leito de alguns dos mais importantes rios portugueses. A Hidroeléctrica do Douro contou com a participação de um conjunto de arquitectos recém-formados na Escola de Belas Artes e voluntariamente dedicados à Arquitectura Moderna – João Archer de Carvalho, Nunes de Almeida e Rogério Araújo Ramos. As construções das barragens do Douro Internacional, divulgadas na exposição “Moderno Escondido”, são um testemunho da vontade transformadora da arquitectura no interior do país e de uma colaboração estreita e frutuosa entre arquitectos e engenheiros.
E ainda um link para um artigo do blogue “O Dolo Eventual” que nos remete para a negligência que caracteriza, grosso modo, a nossa maneira de ser e de estar e que é transversal a quase todos os sectores deste país tão, tão, tão imensamente cheio de potencial. Sem palavras.
Isto tudo para dizer que adorei o passeio, as pessoas com quem fui, as conversas entabuladas e a frescura, leveza, juventude, quase alegria que estes edifícios, escondidos no Portugal profundo, transmitem. Pergunta: e não estariam alegres, super entusiasmados, electrizados, os recém-formados arquitectos a quem deram a responsabilidade, e a oportunidade, de desenhar, algo de novo, de diferente, no contexto da arquitectura do nosso país? Claro que sim! E isso VÊ-SE completamente. (por acaso sei que estavam neste estado de espírito porque um destes arquitectos, agora com 80 e poucos anos, um senhor deliciosamente sedutor, cativante e criativo, contou histórias que o ilustravam na perfeição - para quem pudesse ter alguma dúvida!).
Recomendo a visita a este canto da nossa pátria. Que constitui o retrato de um Portugal radical, fresco, imponente, dramático, longínquo, revolucionário, inovador, pleno de criatividade. Revi-me, verdadeiramente, neste Portugal. Quem dera que tudo fosse assim…
Mas adiante – não quero ser “Velha do Restelo” - … vamos, então, à música. Claro que hoje só poderia ser música portuguesa. E aí sim, temos feito coisas muito boas nas últimas décadas. Aqui ficam algumas “pérolas”:
PCP
4 comentários:
C,
Fantástico! As cores do seu post hoje são vermelho e verde (ácido, como as limas porque está muito calor).
Deixe-me começar pela música: os três Portugueses que escolheu são do melhor, eu acho. O RV porque ‘apanha’ o que se passa e transforma o que viu em música como um mestre. O JP de que gostamos. E o PC – meu favorito. Repare como ele ‘namora’ a câmara, o timbre da voz é lindíssimo http://www.youtube.com/watch?v=Engj_bWvJIc&feature=related . Era conhecido em Lisboa por usar com fluência o calão transformando-o num dialecto apenas compreensível para alguns.
E agora vamos à pièce de résistance do seu post. O seu texto faz-me lembrar um filme fundamental no turismo –« Field of Dreams - People Will Come », com Kevin Costner. O que acontece é que no filme há uma auto-estrada que passa no local. Trata-se de construir um estádio para o jogo mais popular dos Estados Unidos. O que eu quero dizer é que para a jóia que descreveu tão bem poder brilhar há que elaborar um plano de marketing e acção correspondente do qual constarão, naturalmente ‘acessibilidades’ – aeroporto próximo e shuttle até ao local por exemplo, a necessária publicidade (agressiva) porque como se diz em marketing ‘Só existe o que é publicitado’. Etc, etc.
Então não chega construir ou apresentar uma lindíssima exposição no interior do Alentejo. Há que começar por estabelecer um plano do qual faz parte o que está em questão.
Tenho que ir. Obrigada mais uma vez. Ah que belo post!
Maria Lemos
Belo comentário também, ML! Gostei muito. Gostei das suas conclusões e do que "viu" no meu texto. Acho piada às "suas" cores. E fico surpreendida que goste tanto destes cantores. Até pensei que ninguém ía gostar, imagine!! Obrigada, pcp
O que de melhor e pior há em Portugal vê-se na província. E é natural que assim seja. Lisboa tornou-se numa vitrine e passou a ser uma cidade vitrine em muitos aspectos.
A primeira vez que visitei o Barrocal fiquei em estado de choque. Choque positivo. Uma espécie de paraíso sonhado a poucos kms da minha terra e eu não o conhecia. Já lá voltei várias vezes em peregrinação, e ainda hoje me parece irreal. É um local fantástico. Espero que recuperem todas as vivendas.
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