pcp
As melhores viagens são, por vezes, aquelas em que partimos ontem e regressamos muitos anos antes
30 setembro 2010
Deixa-me rir...
pcp
29 setembro 2010
Moleskine
Divagações. Há uns dias, no meio de uma vaguíssima tensão, alguém me dizia que actualmente só as coisas verdadeiramente importantes lhe provocavam stress. Dei por mim a pensar que o raciocínio estava errado, não só por conhecer a pessoa em questão, como porque sim. Eis senão quando me deparo com um pensamento de Charles Bukowsky que, de uma forma bem mais elucidativa, corrobora o que eu penso (e o que pensa o meu interlocutor, não fora o calor do momento): não são as coisas importantes que levam um homem ao manicómio. Está preparado para a morte ou para o assassínio, para o incesto, o roubo, o incêndio, a inundação. Não, é a série contínua de pequenas tragédias que leva um homem ao manicómio... Não é a morte do seu amor, mas sim o atacador do seu sapato que se rompe quando tem pressa.
Concerto. 23 de Setembro, 19.00h, Gulbenkian. Mão eternamente amiga oferece-me dois bilhetes para assistir ao Cosi Fan Tutte, de Mozart, pela Orquestra Barroca de Freiburgo, com um naipe de solistas (para além de parte do coro local) verdadeiramente excepcional. Fica um vídeo de uma das árias mais bonitas, mas numa versão ligeiramente diferente, cantada pelos Swingle Singers. Casa cheia, como não podia deixar de ser. Há horas felizes e amizades fortes a quem se deve sempre um gesto importante.
Serralves. Meio fim de semana no Porto para actividades diversas. Hotel na Boavista, a dois passos da estátua onde, há muitos anos, o avô do meu querido amigo FQ me explicou a simbólica: acima de tudo é o leão a pôr-se na águia... Era um homem encantador, mas pouco previsível nestas coisas do futebol... Tempo ainda para ir a Serralves deliciar-me, sobretudo, com o esplendor dos jardins, se bem que valha sempre a pena visitar as exposições de momento. E o Porto aqui tão perto.
Cruz. Troca de impressões, via mail, com quem vive um momento menos intenso de fé – se bem que esta não lhe falte. Falamos da Cruz e algo nos separa – se não ao nível da certeza conceptual, pelo menos ao nível do que cada um sente: a cruz é um símbolo de Amor ou de Dor? Há uma resposta certa para a dúvida, ou a interpretação tem a ver com a nossa educação, com a nossa história de vida, com a forma como vivemos e nos foi transmitida a religião?
Tolerância. Esta virtude talvez seja como a definição de sucesso que aprendi nos bancos da multinacional: é um percurso, não é um destino. É um exercício diário, porque há truques de pequena magia que nos fazem pensar que somos tolerantes quando, afinal, o somos viciadamente. Se temos uma adição, por mais ligeira que seja, somos tolerantes com quem também a tem; o raciocínio é igual quando pensamos nos nossos pecadilhos ou defeitos – somos tolerantes com quem se nos assemelha. É mais difícil exercer a virtude no confronto com gente substancialmente diferente de nós - nas opções, nos princípios de vida (quando não envolve carácter...), na politica, na religião, no feitio ou no comportamento. Escrevi, neste mesmo espaço, um texto dedicado ao encanto do segundo olhar: a forma como olhamos para alguém e nos desafiamos a ir mais longe, ver além do desfocado, entender os verdadeiros motivos por trás de uma atitude qualquer.
JdB
28 setembro 2010
Tostão Contado
27 setembro 2010
Vai um gin do Peter’s ?
O livro editado em Portugal o ano passado(1) registou os encontros com 10 escritores: E.M. Foster, Graham Greene, William Faulkner, Trumam Capote, Ernest Hemingway, Lawrence Durrell, Boris Pasternak, Saul Bellow, Jorge Luis Borges e Jack Kerouac. Os próprios entrevistadores circulavam no meio artístico, ajudando-nos a conhecer os entrevistados sem ser intrusivos nem banais… Tudo parece decorrer com alguma naturalidade, apesar de nem todos gostarem de ser observados, como Hemingway ou G.Greene.
Os recantos para escrever não podiam ser mais díspares e excêntricos: do gabinete vazio, a escassos centímetros quadrados numa prancha a abarrotar de papéis para ali escrever de pé na maior das austeridades, ou o sofá onde a escrita flúi na horizontal e de copo na mão, ou sentado em quarto escuro sem janelas ao jeito de uma cela... Quase não encontramos denominadores comuns. A regra parece ser a circunstância e o gosto exclusivos de cada escritor!
Em termos artísticos: uns superlativizam a ideia original perseguida pelo artista, enquanto outros assumem que escrevem para sobreviver, como qualquer outro trabalhador.
Uns consideram-se inspirados e embalados pelo prazer da escrita, enquanto outros dizem entregar-se ao árduo dia-a-dia, guiados pela disciplina férrea de quem tem de produzir páginas preenchidas em prazos muito apertados.
Uns curtem uma vida boémia e eclética, enquanto outros se sujeitam a uma agenda bem modesta e regrada.
E, ao contrário do que esperaríamos, não são os mesmos a somar o prazer das farras ao prazer da escrita!
Ainda no terreno das improbabilidades: também não são os palavrosos os mais abertos. Nem os comunicativos os mais interessantes. Nem os simpáticos os menos egocêntricos. Nem os antipáticos os menos afectivos. Nem os irreverentes os mais sinceros. Nem os faladores os mais profundos. Talvez porque a substância das coisas se comunique melhor nas entrelinhas.
E aqui deter-me-ia em dois dos gigantes que por ali desfilam, coincidentemente premiados com o Nobel, whatever it means: Boris Pasternak e Ernest Hemingway.
Nenhum é de contacto fácil, embora em Pasternak as manifestas dificuldades em ser entrevistado (a conversa reparte-se por 3 visitas diferentes) sejam atenuadas pelo facto de a entrevistadora ser de ascendência russa, filha de artistas com quem o escritor privara.
São ambos de uma agudeza de espírito indisfarçável. Nem mesmo os remoques resmungados por Hemingway turvam o jacto muito límpido da sua genialidade transbordante. Como uma ferida em carne viva que aguenta mal superficialidades. Uma alma causticada pela dor e pela incompreensão, que esgotou a tolerância à mediania. Sente-se, em ambos, que o tempo lhes foge, enquanto o caminho até ao cume permanece uma longa e penosa caminhada… a sós. Provavelmente, inatingível.
Este gin já vai longo pelo que deixarei para o próximo a entrevista memorável ao velho lobo do mar.
Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas, numa Segunda-feira)
_____________
(1) Título: Entrevistas da Paris Review
Autor: vários
Data de edição/reimpressão: 2009
Editor : Tinta da China
26 setembro 2010
26º Domingo do Tempo Comum
Este trecho de Lucas pode levar-nos a presumir, numa primeira leitura seguramente precipitada e ligeira, que os ricos vão para o Inferno e os pobres para o Céu. Do modo de viver do abastado, sabemos apenas que “se vestia de púrpura e linho fino e se banqueteava esplendidamente todos os dias”. No extremo oposto da qualidade, Lázaro, um pobre, que “jazia ao seu portão, coberto de chagas”. Muitos, interpretando os ensinamentos de Cristo à sua maneira, entendem que condenação daqueles que têm riqueza é um dado adquirido.
Uma segunda leitura pode guiar-nos à identificação do trecho como sendo uma descrição do homem na morte. O rico, “na mansão dos mortos”, mergulhado no sofrimento e no tormento, flagelado pelo fogo do inferno, ergue os olhos e vê Lázaro no seio de Abraão, inundado de uma paz celeste e recompensadora, sarado finalmente das feridas e da miséria, libertado dos “cães que vinham lamber-lhe as chagas”.
A perspectiva de que após a morte os condenados poderiam ver os que se salvaram, não seria totalmente descabida. Afinal, na Sua infinita bondade, Deus só não acolhe os que não querem, os que recusam o arrependimento – nem que seja no último instante. Um inferno com vista para o Céu seria uma provação mais. O nosso imaginário poderá até sugerir-nos que não há excesso de castigo para quem se condenou, levando uma vida de opções erradas, mantendo a obstinação de não arrepiar caminho, ainda que com a morte à vista.
Rodemos, então, o nosso olhar e o nosso raciocínio. Assumindo que quem se perdeu vê os que se encontraram, podemos conceber que o inverso é verdadeiro? Quem sobe para o Pai vê os que descem às trevas? É concebível que uma eternidade de felicidade passe pela visão da mesma eternidade de sofrimento? Seguramente que não. O nosso bem-estar, sobretudo quando elevado à dimensão e à intemporalidade divinas, não se compraz com, nem suporta a infelicidade alheia.
O que se oferece dizer em primeiro lugar parece ser de uma simplicidade cristalina. Na sociedade de hoje, o poder, a fortuna, o estatuto social, o sinal exterior de riqueza, têm uma enorme importância. A nossa competência profissional enche-nos de uma satisfação saudável ou de um orgulho vazio, garantindo promoções e aumentos que presumimos sempre justos e merecidos. O sistema internacional – que antes definia o metro padrão – adoptou, no Portugal contemporâneo, uma medida para avaliar a qualidade das nossas vidas – a percepção do sucesso. Não a realização pessoal, a satisfação ou o gozo, na sua expressão mais pura – apenas a percepção do sucesso.
S. Lucas alerta-nos bem: as grandezas social, profissional ou financeira de que dispomos na Terra não nos garantem um lugar cativo no Céu; não são, por si só, palavra chave para a vida eterna; não descodificam, automaticamente, o segredo que nos dá acesso à morada celeste. Os “critérios” de Nosso Senhor não assentam numa lógica de poder ou influência, riqueza ou poder de compra, notoriedade pública ou mediatismo.
Não sejamos tentados, no entanto, pela simplificação em excesso - a direita do Pai não nos é devida só porque somos importantes ou temos dinheiro. Mas também não nos é vedada pelos mesmos motivos. O Paraíso não está povoado, apenas, por uma imensidão de ‘Lázaros’, atirando os ricos para uma condenação eterna indiscriminada.
O apóstolo vai mais longe no transmissão dos ensinamentos: o Céu ganha-se na Terra. É aqui, no nosso dia-a-dia, nas pequenas rotinas, na interacção com os outros, no modo como olhamos o próximo, que ganhamos a justa aspiração à Salvação. Há 2000 anos que temos um referencial – Jesus Cristo –, e um manual de boa conduta – os Evangelhos. Usemo-los como exemplo. Abraçar o projecto é fazê-lo na totalidade, e não nas partes que mais nos convêm ou menos incómodo nos provocam; a nossa disponibilidade só pode ser vencida pela fraqueza humana inerente a cada um.
Ser-se rico pode ser resultado de sorte, mérito ou ambos. Herda-se um património, cria-se um negócio do nada, desenvolve-se o legado dos antepassados. Ascender a cargos relevantes pode ser sinónimo de competência profissional, ambição ou alinhamento favorável de condições aleatórias. Parte do que temos ou somos é consequência de factores que nem sempre dominamos, para os quais não contribuímos de forma decisiva ou não emprestámos o nosso esforço, como sejam a aptidão natural ou a sorte. É, de alguma forma, uma dívida que temos - com a vida, com os outros. Com Deus, quiçá.
Simplifique-se e encurte-se a argumentação:
P: O que faço então com o dinheiro que recebi ou ganhei, fruto da sorte ou do esforço? O que faço então com a posição profissional ou social dominante a que ascendi, fruto da sorte ou do esforço? O que faço então com as qualidades pessoais que tenho, fruto da genética ou do meio ambiente? O que faço então com os talentos de que disponho, fruto de características que são minhas?
R: Ponho-os ao serviço das pessoas, do bem comum, do meu próximo.
Ser-se Feliz, verdadeiramente Feliz, é tocar a vida dos outros, É sentir que deixamos um mundo melhor, mesmo que nesse mundo caibam poucas coisas e poucas pessoas. É sentir que usámos o que temos e o que somos para ajudar os que precisam – não só os que tornam o sofrimento visível, mas também os que padecem da pobreza e solidão envergonhadas. É olhar para as crianças, para os idosos, para os marginalizados, para as vítimas da violência ou da fome. É fazer o possível e o alcançável.
Este Homem Novo que pode despertar está acessível a todos – pobres e ricos, influentes ou anónimos, cada um na sua dimensão. Aceitemos, no entanto, a ironia do destino: sermos detentores de fortuna, influência ou talento não nos proporciona mais regalias - dá-nos mais responsabilidades.
Concluamos: quando todos exercermos esse tal olhar, talvez a nossa vida seja medida pelo grau de felicidade que irradiamos, e a percepção do sucesso tenha de ser validada com uma pergunta simples, mas demolidora: ele / ela aparentam ter sucesso. Mas serão realmente Felizes?
O Céu ganha-se na Terra. Só que, ao contrário do que diz o célebre filme, o Céu não pode esperar.
JdB
Nota: Texto (muito) baseado num escrito em 2006 para comentário a este mesmo evangelho.
EVANGELHO – Lc 16,19-31
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
Naquele tempo,
disse Jesus aos fariseus:
«Havia um homem rico,
que se vestia de púrpura e linho fino
e se banqueteava esplendidamente todos os dias.
Um pobre, chamado Lázaro,
jazia junto do seu portão, coberto de chagas.
Bem desejava saciar-se do que caía da mesa do rico,
mas até os cães vinham lamber-lhe as chagas.
Ora sucedeu que o pobre morreu
e foi colocado pelos Anjos ao lado de Abraão.
Morreu também o rico e foi sepultado.
Na mansão dos mortos, estando em tormentos,
levantou os olhos e viu Abraão com Lázaro a seu lado.
Então ergueu a voz e disse:
‘Pai Abraão, tem compaixão de mim.
Envia Lázaro, para que molhe em água a ponta do dedo
e me refresque a língua,
porque estou atormentado nestas chamas’.
Abraão respondeu-lhe:
‘Filho, lembra-te que recebeste os teus bens em vida
e Lázaro apenas os males.
Por isso, agora ele encontra-se aqui consolado,
enquanto tu és atormentado.
Além disso, há entre nós e vós um grande abismo,
de modo que se alguém quisesse passar daqui para junto de vós,
ou daí para junto de nós,
não poderia fazê-lo’.
O rico insistiu:
‘Então peço-te, ó pai,
que mandes Lázaro à minha casa paterna
– pois tenho cinco irmãos –
para que os previna,
a fim de que não venham também para este lugar de tormento’.
Disse-lhe Abraão:
‘Eles têm Moisés e os Profetas.
Que os oiçam’.
Mas ele insistiu:
‘Não, pai Abraão. Se algum dos mortos for ter com eles,
arrepender-se-ão’.
Abraão respondeu-lhe:
‘Se não dão ouvidos a Moisés nem aos Profetas,
mesmo que alguém ressuscite dos mortos,
não se convencerão’.
25 setembro 2010
Pensamentos impensados
Bizâncio, Constantinopla e Istambul
S. Petersburgo, Leninegrado, Petrogrado e S. Petersburgo outra vez.
PCP-Bingo ou, se quiser, meio Bingo.
MAF- Nasci em Lisboa, vivo em Lisboa e não posso gostar mais de Lisboa; no entanto não me lembrei, miseravelmente, de Lisboa; sabe que também já se chamou Allis Ubo, Olissipo e Felicitas Julia?
O cocktail é uma bebida inventada pelos Sheiks.
Um português que jogava roleta em França, quando saiu o 16, número em que tinha apostado, não se conteve e gritou: a "seize o que é de seize".
INJUSTO- O futuro dum homem está nas mãos duma criança.
Um habitante de S. Francisco estava no Japão e chamou oriental a um japonês; este olhou para o americano e gritou-lhe: oriental és tu!
Passado presente e futuro
Pensando bem, só existe passado; o presente, mal acabamos de dizer presente, já é passado; o futuro, até prova em contrário, não existe (este pensamento sobre o futuro não é meu, e tenho pena).
24 setembro 2010
cadernos andaluzes
toda a poesia é guerra, disse alguém
e quem sou eu para desdizê-lo?
por exemplo: hoje.
aqui, à sombra das laranjeiras e dos limoeiros,
bebendo nos lábios a fina luz da manhã,
contemplo séculos de história
e um complexo edifício-síntese,
combinando a memória do islão e do cristianismo
numa coexistência pacífica, comovente até.
qual o segredo?, perguntas-me.
e eu respondo-te: a ausência de seres humanos,
daqueles que estão ainda verdadeiramente vivos.
quer dizer: não é a completa ausência,
mas antes esse papel secundário
que todos os turistas desempenham
no grande esquema do mundo.
esta memória religiosa, arquitectónica,
mutuamente incrustada e indissolúvel,
faz-me lembrar eu próprio,
outra forma de dizer que me lembra a forma incontornável
como tomaste conta de mim.
por exemplo: hoje.
hoje, dia do teu aniversário, a centenas, talvez milhares,
de quilómetros de distância,
não deixas de estar aqui, e portanto de seres eu próprio,
tal como tudo o que ficou para trás e o que há-de vir
são extensões de uma essência presente qualquer,
como todo o amor que já morreu não deixará nunca de ser.
como tudo o que não há e que um dia houve ou um dia virá a existir.
nesta mesquita-catedral que me acolhe
em seus frondosos e intemporais braços,
é a ausência de vida quotidiana que permite um olhar doce,
desabitado de fantasmas e morticínios.
toda a poesia é uma jihad, uma guerra santa inclemente,
e agora sou eu que o digo.
entretanto, o dia entra em combustão,
o sol da andaluzia dá sinal de si,
regressam os passarinhos e o seu canto embalsamado.
cheira a verão, apesar de ser já setembro.
no dia dos teus anos, eu estava em córdoba,
e, tenho quase a certeza, um pedaço de ti também.
22 setembro 2010
Deixa-me rir...
PO
Moleskine
Festejos (I). Chamo-lhe Anacleto por amizade, ternura e graça, se bem que o seu nome não seja esse. Tem síndrome de Asperger e festejou os 18 anos no passado Sábado, rodeado de amigos, primos, tios, professores, colegas de escola. Já lá vamos... Conheci os pais do Anacleto (a P. e o N.) no terrível ano de 2001. Tendo na alma um propósito definido, um grupo rezava semanalmente o terço, e a P. foi desafiada. Ninguém lhe levaria a mal uma recusa, conhecendo-se-lhe a vida ocupada e difícil. Não hesitou, no entanto, alegando que para isso uma mãe arranja sempre tempo. Isso não era rezar, simplesmente, mas era fazê-lo com quem, apesar de desconhecido, passava um mau momento. Comecei a perceber que quanto mais se faz pelos outros mais tempo se tem para os outros. Regresso à festa: missa, lanche, o Anacleto a tocar magnetofone (?) num misto de concentrado e mirando al tendido, acompanhado por dois professores. Palmas, risos, lágrimas, o aniversariante numa felicidade contagiante, a família num orgulho comovido. Noutro lugar, com outros Pais, talvez o Anacleto fosse um analfabeto torcido numa cadeira, olhando, sem futuro nem alegria, para uma vida vazia de sentido. Noutro tempo, com outros Pais, talvez o Anacleto não existisse, fruto de uma gravidez que se interrompe porque este mundo não é para quem tem problemas. Hoje, com a P. e com o N., o Anacleto é tudo o que poderia ser, face à sua circunstância. Mas o Anacleto é mais: é a evidência de uma vontade, de uma fé que tem dias, de uma luta que se faz diária. O Anacleto é o ponto de união de uma miríade de pessoas. O Anacleto é, acima de tudo, o lugar geométrico do Amor.
Festejos (II). No mesmo dia, separado por poucas horas, o festejo dos 50 anos da minha querida amiga ETM. Olha-se para ela, para os filhos, e questionamo-nos se não terá sido mãe adolescente... Quando o marido derrama um olhar apaixonado sobre a aniversariante, tem a certeza de se sentir sortudo – para além de inteligente. Está tudo óptimo é o título de um livro que a E. ajudou a fazer e que se aplica à festa. Mas, acima da qualidade do repasto e da alegria da noite gostaria de realçar o que é menos tangível: a amizade que me une ao casal. Nos últimos anos fui convidado para festas onde era o amigo mais recente dos festejados. Nalguns casos muito mais recente. A minha ligação ao casal remonta, também, a 2001. O que poderia ser apenas uma amizade improvável e jovem tornou-se num sentimento forte, partilhado e que, estou certo, resistirá à erosão do tempo. Devo-lhes muito: a companhia, a solidariedade, a crítica, o apoio, a abertura, o incentivo. Se podia viver sem a amizade da E. e do A.? Poder podia, mas não seria a mesma coisa. Não seria, seguramente, a mesma coisa.
Livro. Leio O Bom Inverno (João Tordo, Ed. D. Quixote). Cito: “Se estiver a dizer disparates, corrige-me. Mas cada vez mais acredito que só vale a pena ler um romance – neste caso um bom romance – quanto temos uma pergunta na cabeça para a qual não sabemos a resposta. Ou, mesmo que tenhamos encontrado a resposta, se precisamos de confirmação”.
Kátia Guerreiro. Concerto, 5ªfeira passada, no auditório da Senhora da Boa Nova, no Estoril, com o ensemble da Orquestra da Baixa Normandia. Fica um videoclip (ainda se chama assim?) de um fado cantado por ela. Não é do concerto mas, para quem é fã como eu, já basta para recordar. Casa quase cheia, com vários encores, entre eles um dueto improvisado com Ricardo Ribeiro, que também aqui disponibilizo. Quem gostar que se deleite. Quem não gostar, que tenha lá paciência...
21 setembro 2010
Férias grandes
Este vento fresco até ajuda e, se me concentrar, consigo alinhar a respiração com o acelerar da passada. Mais depressa. A calçada é tão bonita, toda entalada de improviso, mas não é tempo de passeios, que o balanço é precioso e não tenho paciência para lidar com o prejuízo de abrandar por um capricho. Mais depressa. As esquinas são traiçoeiras, custa dobrá-las à confiança que não vem ninguém do outro lado, não que me assuste a previsível violência de uma hipotética colisão, só estou desconfortável com o facto de não ter todas as variáveis sob controlo. Mais depressa. Deixo cair o casaco de capuz, a falta que me vai fazer é insignificante, comparada com o arrasto aerodinâmico que produz. Mais depressa. Sorrio por defeito, não tenho presença de espírito para esconder o meu entusiasmo dos transeuntes, sorri-me de volta um velho, Corre, corre por ti e por mim, rapaz. Mais depressa. Não esperava ter que dar mais de duas voltas ao prédio, afinal, e apesar de ter desprezado as pequenas hesitações das esquinas, os cento e sessenta e três metros, medidos a passo largo, deviam ser mais que suficientes. Mais depressa. Talvez tenha sobrestimado o meu poder de aceleração, ou talvez seja das sapatilhas. Mais depressa.
A calçada é mais simpática com a vista que com os joelhos. Custa abrir os olhos, assim a olhar para cima, Levanta-te rapaz, ouvi o velho rir enquanto me endireitava com uma força surpreendente, Para onde ias tu, a correr dessa maneira?
Não sei bem para onde ia, mas se as contas estiverem certas, sei bem para quando ia. A última coisa que recordo é ter sentido as pernas a ficar para trás, como seu eu estivesse a fugir de mim mesmo, deve ser isso que se sente quando se está prestes a conseguir. Acho que a tua mãe está a chamar, disse o velho enquanto me sacudia. Tinha ficado muito sério de repente e tinha ar de quem sabia exactamente o que eu estava a fazer, apesar de eu não ter dito nada.
Vou ter de viajar no tempo amanhã, hoje não vai dar, que já é hora de jantar, disse-lhe ao desafio. Amanhã vai estar mais vento respondeu, Talvez ajude.
ZdT
20 setembro 2010
Fórmula para o caos
19 setembro 2010
Domingo …… Se fores à Missa !
“NÃO PODEIS SERVIR A DEUS E AO DINHEIRO”
Desde pequenos nos habituámos a ouvir que Deus e o dinheiro são como azeite e água. Que o dinheiro é pecado, é luxúria. Que o dinheiro nos faz mal. que não se deve ter muito dinheiro, etc.
Confesso que eu própria tenho uma má relação com o dinheiro. Acho que é “trauma de infância” (expressão muito fashion, hoje em dia :-)); o meu Pai sempre fez questão em não nos dar muito dinheiro, recebíamos vinte e cinco tostões de semanada, quando todos os nossos amigos já recebiam cinco escudos. Hoje em dia, agradeço ao meu Pai e aos vinte e cinco tostões, pois de facto a vida está mais para os 2$50 do que para os 5$00 !!!
Mas voltando ao tema do Evangelho. A mensagem de Cristo (a qual, infelizmente, nem sempre coincide com a mensagem dos - alguns - padres que ouvimos) tem, obviamente, a ver com partilha. Cristo pede-nos que usemos o dinheiro com sabedoria e que o usemos segundo a sua doutrina e não segundo os nossos caprichos. O dinheiro, em si mesmo, não é um mal. Termos dinheiro, termos MUITO dinheiro não é pecado, naturalmente. O problema está na forma como o usamos. Os muito ricos não “pecam” mais que os menos ricos só porque têm mais; nem os menos ricos “pecam” mais que os pobres porque estes não têm. Não ! A questão está na forma como sentimos poder quando temos dinheiro; a questão está na forma como tratamos os outros quando temos dinheiro; na forma como nos achamos imunes, só porque temos dinheiro. A questão está nos nossos corações e não no dinheiro. Quem tem um coração bom, pode até não ter dinheiro nenhum para partilhar com os outros, mas pode dar do seu tempo, pode fazer render os seus talentos, pode partilhar experiências, pode dar um simples abraço ou um olhar atento. Eu iria um pouco mais longe, até. Quem tem MUITO dinheiro, deveria ter mais responsabilidade cristã, porque além do tempo, dos talentos, da experiência e do abraço, tem ainda o dinheiro que pode partilhar, se quiser.
Se Cristo vivesse connosco, na sociedade actual, não seria certamente o dinheiro que o chocaria mas sim a aridez do coração dos homens. Não é o dinheiro que tem de mudar de mãos, mas sim o nosso coração.
Domingo Se Fores à Missa ..... Muda o teu Coração !
MAF
18 setembro 2010
Pensamentos impensados
17 setembro 2010
quero(-te), quero(-me)
de tão furiosamente bela, mesmo se esculpida por impossibilidade e ausência.
eu, que de mim há séculos não sei, rodeio-me de feminis enredos ou regaços
forma de me esconder do mundo, de mim próprio, de tudo o que é contingência.
quero o absoluto, quero o amor, o erotismo que dá vida e mata, quero tanto o
que é impossível, o que ata e desata, o que desatina e desbarata, o que me mata.
quero a vida salgada, a ternura que é brasa, quero o mundo como minha casa,
quero o final da perda continuada, das pessoas que dizem adeus, acabar com
esta personagem que é só caravana que passa (antes ser cão ou ser tua poeira
cósmica, sublime e devassa), quero o amor absoluto, a flor na ponta da espada,
quero respirar o tempo que passa, quero suor erótico na ponta do meu cabelo,
alcançar estrelas, mandar-me de cabeça, renascer de novo com outro coração,
matar de vez esta fome, esta sede, a insana loucura desta temível sofreguidão.
gi.
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