Uma pequena mostra do
tesouro acumulado pela corte dos Romanov (a partir de 1613) e da dinastia de
Rurik que os precedeu, está patente na Gulbenkian, até 18 de Maio: «OS CZARES E O ORIENTE: Ofertas da Turquia e
do Irão no Kremlin de Moscovo»(1).
As 66 peças em exposição
são expressivas do gosto de duas das grandes civilizações orientais: a Otomana
e a Persa no período safávida, nos séc.XVI e XVII, onde o relacionamento com a
Rússia era cultivado ao detalhe para contrabalançar o relacionamento tenso e
conflituoso com a Europa, sobretudo pelo lado da Turquia. Nada como as trocas
comerciais para aproximar os povos e criar um clima amistoso. O intercâmbio de
presentes entre as várias cortes imperiais, as visitas de cortesia dos
Embaixadores para selar as alianças político-económicas deram origem à colecção
de preciosidades, disponíveis aos milhares nos depósitos do Museu do Kremlin. A
Portugal foi cedida uma parcela ínfima. Parece que quem da Gulbenkian se
deslocou a Moscovo para ver a totalidade do património, ficou maravilhado e,
simultaneamente, atordoado com a arrumação densíssima das peças, mal deixando
reconhecer a beleza individual de umas e de outras.
Em contrapartida, na
Fundação, gozam de condições expositivas excepcionais, com um enquadramento arquitectónico
a fazer sobressair cada obra, per se, deixando-a respirar. O jogo de espelhos,
a transparência das vitrinas de vidro no meio da sala, as paredes em redor vazias
e em negro para criar um fundo neutro de realce dos muitos brilhos dos
artefactos expostos, ou os focos luminosos a incidir apenas sobre o que está
exposto, produz um efeito esplendoroso, como se tivéssemos entrado no interior
de um estojo de jóias gigante.
Tecidos, armas,
ourivesaria, objectos e vestes de aparato, utensílios do quotidiano da vida
cortesã dão uma ideia da magnificência das civilizações a que pertenceram. Vários
dos têxteis provêm da Colecção Gulbenkian, como a capa de cavalo turca,
posteriormente bordada na Rússia e exposta no átrio do Museu.
As 4 mini-secções
temáticas ajudam a caracterizar os 200 anos em foco. Mal se mergulha na
penumbra da sala, somos surpreendidos pelo ícone de Nossa Senhora do Leite
(séc.XIV), cravado de pedrarias lindas sobre um revestimento de ouro a
contornar a imagem da Mãe com o Menino ao colo. São sempre uns Meninos muito
acordados os que posam na iconografia
ortodoxa.
Note-se que
«Icon of the Mother of God» é a tradução directa da denominação russa, menos
dada às invocações marianas e aos títulos particulares que proliferam
nas figurações ocidentais.
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I – HORDA DE OURO
Reúne peças de épocas
mais recuadas, dos séculos XII e XIII, trazidas da Mongólia para a Rússia, na
vaga de conquistas do Grande Khan. «Horda de Ouro» corresponde à expressão russa
para referir a sumptuosidade da tenda onde se abrigava o quartel-general
itinerante do conquistador. A ofensiva mongol acabou por aglutinar um vasto
território de principados russos, dos búlgaros do Volga, dos persas e dos
gregos, convertendo-se depois, habilmente, em plataforma mercantil entre o
Extremo Oriente, a Ásia Menor e o Ocidente. A prosperidade económica da região
favoreceu a simbiose entre as culturas orientais em contacto, como o demonstra
a mistura de estilos nas peças emprestadas a Portugal.
II – IRÃO NO PERÍODO
SAFÁVIDA
Confirmando os interesses
comerciais comuns na partilha das rotas do Mar Negro ao Cáucaso, do Volga ao
Cáspio, as embaixadas entre a Rússia e o Irão multiplicavam-se, recheadas de tesouros
para selar as alianças estratégicas das potências asiáticas, muito ciosas a
demarcar a sua zona de influência face às soberanias europeias, a iniciarem a constituição
dos impérios ultramarinos.
Gerindo equilíbrios mais
amplos, russos e iranianos procuravam também manter uma convivência cordial com
o Ocidente, evitando o empobrecimento das posições isoladas no xadrez
geoestratégico global.
Mini reportagem
da SIC Notícias com entrevistas à Directora do Museu do Kremlin e à Comissária da
exposição na Gulbenkian:
III – A TURQUIA OTOMANA
Desde os primórdios da
formação do estado turco, no final do século XV, que a Turquia valorizou
sobremaneira as relações diplomáticas com o seu grande vizinho euro-asiático, organizando
visitas de Estado com poderosos séquitos compostos por representantes das
finanças e do comércio e os altos dignitários religiosos com a presença dos próprios
patriarcas ortodoxos, para além dos líderes políticos. Assim, os Czares foram obsequiados
amiúde com ricas manufacturas preparadas nos melhores ateliers da capital –
Istambul – ao longo dos séculos XVI e XVII. O facto é que durante aquele
período, a Rússia recusou sempre integrar as alianças europeias anti-turcas,
que bem a assediavam para obter os seus favores.
Nos objectos expostos,
curiosamente, o relógio de bolso com esmalte e embutidos, datado de seiscentos,
reveste um mecanismo de Genebra, provando o notável avanço do Ocidente a nível
tecnológico.
Mecanismo relojoeiro suíço (séc. XVII) enriquecido por invólucro turco com ouro e gravuras em esmalte |
O Império otomano apreciava
enormemente as artes, mantendo uma vida cultural intensa, igualmente benéfica
para a ourivesaria e joalharia, muito do gosto turco. As diferentes etnias
reunidas no território do novo Estado contribuíram também para a diversidade do
estilo artístico nacional.
Objectos vindos da Turquia, usados pelo Kremlin como
adornos nos actos oficiais,
em cerimónias religiosas e em campanhas militares.
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Eloquentes do requinte dos ourives turcos.
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Peças de aparato para exibição do poderio bélico em paradas
militares.
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IV – A RÚSSIA DOS CZARES
As mercadorias e as
ofertas turcas e persas sinalizam os tempos de intercâmbio pacífico e fecundo
com Moscovo, influenciando a arte russa e consolidando as políticas de
cooperação. Vários dos originais que chegavam aos domínios dos Czares eram,
depois, enriquecidos pelos artífices dos Romanov, acrescentando a uma base já
de si minuciosamente trabalhada e cintilante, o fulgor sofisticado da corte russa.
Sobretudo nos têxteis e tapeçarias as apropriações e personalizações foram
frequentíssimas.
Nada como uma boa
exposição para viajarmos no tempo, explorando épocas remotas que, através da
arte, melhor nos cativam e interligam com outras gentes, proporcionando uma
comunhão incrível entre gerações de séculos e geografias bem distantes.
Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico,
para daqui a 2 semanas)
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(1) http://www.gulbenkian.pt/Institucional/pt/Agenda/Exposicoes/Exposicao?a=4668.
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