Além de se ter distinguido como um dos maiores estadistas
do século XX, pelo seu contributo inequívoco para a vitória dos Aliados na
Segunda Guerra, Churchill foi
escritor, premiado com o Nobel (ref. no gin de 9.Set.2013), e ainda pintor. A
sua paixão pelas artes plásticas será uma faceta menos conhecida, mas nada
desprezível.
Intenso e workaholic como era, ninguém estranhou a sua
fúria e perplexidade quando foi liminarmente demitido do Governo, na sequência
do desastre na Batalha dos Dardanelles, na
actual Turquia. Enfrentava o primeiro grande revés
político da sua longa e atribulada carreira. Como panaceia, os amigos
recomendaram-lhe que experimentasse pintar, por ser um passatempo ideal para
descomprimir. À beira do desespero, resolveu mesmo deitar mão às aguarelas dos
filhos a ver se conseguia relaxar. Gostou tanto do passatempo que, daí em
diante, não havia folga que não passasse junto ao cavalete, a observar a
paisagem e a transpô-la, à sua maneira, para a tela. Aos 40 anos descobria o
seu hobby preferido, confirmando a curiosa coincidência de quase tudo aquilo em
que se sobressaiu lhe ter acontecido muito tardiamente, na vida. Só fora
Primeiro-Ministro aos 65 anos.
Curiosamente, enquanto nas letras e na política a sua
veia irónica era preponderante, na pintura Churchill mostrou-se sóbrio e até
suave, comedido e afectuoso, bem nos antípodas do seu temperamento de figura
pública, maximamente polémico e belicoso. A combatividade aguerrida do seu
discurso verbal está totalmente ausente na pintura. Mal agarrava o pincel,
Churchill parecia amansar, saboreando o cachimbo, ou melhor, o charuto da paz. Na tela, usa a cor com a
frescura de uma criança que se encanta com tudo o que vê, com uma candura
invulgar, ao mesmo tempo temperada pela lucidez (ou não fosse quem era!) e um
olhar atento sobre a realidade. As suas composições são harmoniosas,
decorativas e equilibradas. Por vezes, têm leves toques exóticos e um ou outro
elemento de humor, como o friso de garrafas a incluir o seu whiskey de
estimação, escocês – Johnny Walker Black Label. Mas nada de arrebatamentos nem
estridência.
Título original «Bottlescape».
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Com o pincel, Churchill transforma-se num cronista pacato
e de bem com a vida, abstendo-se de experimentalismos e ousadias. Cultiva,
antes, um estilo hiper clássico, que privilegia a estética e o registo próximo
do que vê, sem fantasias nem marcas pessoais demasiado fortes.
As viagens fornecem-lhe um manancial de inspiração
inesgotável, das familiares às políticas, daquelas que fizeram História.
Percebe-se que a bagagem das tintas o acompanha para todo o lado, qual kit de
sobrevivência psicológica. Ainda assim, parece que a única pintura realizada em
plena guerra, foi a vista de Marraquexe, datada de 1943, logo após a
Conferência de Casablanca. Nessa altura, o líder britânico convenceu o
Presidente dos EUA a ir com ele até à cidade marroquina e apreciar a vista
fantástica, a partir de uma torre, estrategicamente situada numa das
extremidades da malha urbana. Mal o americano partiu, o inglês aplicou-se a
pintar aquela vista, que depois ofereceu a Roosevelt.
Inacreditável pensar que cenas campestres e prosaicas
eram os seus alvos de eleição, como o pátio de um convento, algures na
Grã-Bretanha profunda. O denominador comum são as perspectivas pacíficas e de
escala humana, dir-se-ia, aconchegantes:
Aqui chegados, torna-se mais compreensível que o paraíso,
para o agitadíssimo Winston, não fosse a natureza grandiosa e avassaladora, mas
antes um espaço verde da Inglaterra rural, perdido no meio de um bosque viçoso
e pacífico, onde nada de especial parece acontecer. Zero de adrenalina. Tudo
aqui é discreto e expressão perfeita da temperança e da bonomia, apesar de ter
sido pintado no alvor da Segunda Guerra, quando Hitler já incendiava a Europa, anexando
os países vizinhos com panzers e a temível Luftwaffe, sob o olhar bem atento e
preocupado de Churchill:
Interior de uma das propriedades de família – o Palácio
de Blenheim, dos duques de Marlborough – profusamente decorado em estilo
barroco, datado do século XVIII:
As tapeçarias de Marlborough, no Blenheim Palace |
Mesmo a nível náutico, não são as ondas indomáveis do
Atlântico que o atraem, mas os riachos e as enseadas calmas que serpenteiam o
campo inglês, salpicado de simples barcos a remos. Vemos ancoradouros remotos e
modestos, em vez de marinas faustosas ou dos portos garbosos da Marinha
britânica, que Winston conhecia como ninguém.
Uma das suas
aguarelas mais conhecidas e populares data de 1933, em plena travessia do deserto, do ponto de vista político.
Barquinhos de cores alegres e pueris flutuam num lago azul de águas paradas,
num dia privilegiado de luz. Talvez aquela aberta de sol, luminosa e rara no
clima sombrio das ilhas Britânicas, tenha encantado o estadista, que o tomou
como «Estudo de barcos», ele que tinha um currículo ligado à Marinha, onde se cruzou
com embarcações gigantescas, daquelas que asseguraram à sua pátria a primazia
dos mares. Mas nada dessas vivências, que entusiasmaram o seu dia-a-dia
profissional, chegaram à tela:
O hobby preferido de Winston ainda teve o mérito de revelar
um lado calmo, amistoso e sóbrio, que a parte visível da sua personalidade
nunca fariam supor. Uma boa surpresa, que prova o mistério quase insondável que
é cada pessoa, de quem conhecemos tão pouco, até mesmo, de nós próprios. Para
não variar, Churchill é o exemplo acabado da riqueza multifacetada do ser
humano, a paisagem mais surpreendente e maravilhosa do planeta, digo eu...
Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico,
para daqui a 2 semanas)
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