Não sou dado à criação de quadros relativamente às obras clássicas que vou escutando. Eu explico: oiço uma sinfonia de Beethoven ou de Mozart, um sonata de Chopin ou de Brahms - ou outra obra qualquer - e não imagino nada.O concerto Imperador, dedicado, parece-me, a Napoleão, não me suscita imaginação, não vejo o pequeno corso em nenhum dos movimentos (sendo que o segundo é das peças musicais mais bonitas de sempre) assim como não imagino qualquer ruralidade na obra que se chama Pastoral. Oiço uma polonaise e não me lembro da Polónia (ou de Varsóvia e Cracóvia, que conheço); escuto Liszt e Budapeste não me vem à memória, que o resto da Hungria desconheço. Oiço o concerto de Aranjuez e não (re)vejo a localidade espanhola.
E no entanto, quando ouvi pela primeira vez a sinfonia do Novo Mundo - a nº 9, de Dvorak - criei rapidamente quatro quadros distintos, que a obra tem quatro andamentos. À minha frente estava o Mayflower, e as quatro partes representavam a história da viagem até ao Novo Mundo: a alegria e uma certa organização na partida, e imaginei a azáfama no porto, com tudo o que envolve uma partida deste tipo; depois, o sossego de uma parte da viagem, a esperança de que se reveste a vitória sobre o desconhecido, talvez até a calmaria que é o desespero do marinheiro; no terceiro andamento, o temporal que se abate sobre o barco, e imaginei o terror, as ordens desenfreadas, as velas que se rasgam e as madeiras que rangem e as ondas que galgam; por último, a alegria da chegada, uma certa pompa e circunstância, o alívio, as bocas abertas perante uma nova realidade.
Tudo se esvaiu quando percebi que na mente de Dvorak o cenário era totalmente diferente. Já não consigo reproduzir o que estava por trás dos 1º, 3º e 4º andamentos, mas nada tinha a ver com o produto da minha imaginação. Tratava-se de cenas campestres, de casamentos entre índios, do encontro do John Smith com Pocahontas etc. Sobre o segundo andamento, Dvorak diria que se cruzava com música tradicional americana, algo entre a negra e a índia. Lá se ia toda a minha teoria - o encanto da teoria...
Deixo-vos com o segundo andamento da Sinfonia nº 9 de Dvorak, também chamada de Novo Mundo. Ainda sábado a ouvi no Estoril e, pasme-se, confirmei a minha ideia de sempre - a partida, o sossego e blábláblá. O compositor checo enganou-se, sei lá eu...
JdB
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