04 abril 2019

Do elogio

Não fui educado no, e para o elogio. Como é normal na natureza humana, não eduquei no, e para o elogio. Para efeitos desta pequena dissertação interessa-me pouco as consequências desse modo de educar: sei o peso que isso teve em mim, sei o peso que teve naqueles que me competiu educar; o que está feito não tem conserto, apenas pode servir de lamentação saudável e honesta ou de aprendizagem para o futuro. Mas a história do elogio não é apenas de pais para filhos, mas de amigo para amigo, de cônjuge para cônjuge, de colega de trabalho para colega de trabalho.

Olho para trás. Talvez eu tenha crescido numa época em que se dava pouca importância às crianças, em que se achava que elas não deviam ser salientes nem ter o poder de perorar sobre tudo. Talvez eu tenha crescido num meio cheio de pudores de vocabulário: não se dizia vermelho nem se dizia lábios, como não se dizia ovários nem virilha. E também não se dizia amor - pelo que a expressão amo-te estava reservada para o cinema ou para a literatura - ou simplesmente para as pessoas com menor pudor expressivo. Talvez então possa pensar que havia um pudor qualquer de linguagem no elogio: dizer-se muito bem!, ou de facto tens muito jeito!, estava vedado aos que também não diziam amo-te. Eu sei que não é verdade, mas a argumentação dá-me jeito. 

Não elogiar uma criança não é a mesma coisa que não elogiar um adulto. Não elogiar um filho não é, por isso, a mesma coisa que não elogiar a pessoa com quem se vive. Não se elogia uma criança porque não se tem feitio para isso ou se acha que as crianças não devem ter elogios. Ora, elogiar um adulto não obedece a nenhuma teoria educativa: é um acto de delicadeza, de incentivo, de simpatia ou da mais elementar justiça. Mas elogiar um adulto - o adulto com quem se vive, por exemplo - é colocá-lo num patamar mais elevado do que o nosso. É reconhecer algo no outro que merece uma certa admiração. E talvez esteja aí um dos motivos para não se elogiar o próximo: não queremos colocar o outro a um nível superior ao nosso. Não queremos vê-lo elevar-se relativamente à nossa normalidade. 

Elogiar pode ser um acto de generosidade ou de reconhecimento. Não o fazer a um adulto pode significar uma estratégia, sobretudo - algo que acontece em muitos casos - quando se é particularmente generoso nos elogios aos que nos são menos próximos. A inveja não é só desejar o que os outros têm; pode ser simplesmente, como ouvi no outro dia, não nos regozijarmos com o sucesso do outro. Ainda estou para perceber o que nos leva, na verdade, à parcimónia no elogio. É de graça e tem vantagens, pelo que...

JdB

3 comentários:

Anónimo disse...

Há dias, chamei uma criança de três anos para junto de mim e disse-lhe: - quero dizer-te um segredo. Então, aconcheguei a orelhinha dela com a minha mão e disse-lhe junto ao ouvido: - olha, gosto muito de ti. Ela olhou para mim com um ar muito sério e disse: - okay!
A partir daí somos ainda mais ‘amigas’, confesso. (Eu adoro-a.)

JdB disse...

Anónimo(a):

Obrigado pela sua visita.
Às vezes o melhor elogio não é realçar uma qualidade ou um feito, mas enumerar um afecto. Por vezes é o melhor...

ACC disse...

Tem toda a razão.
Caímos na armadilha da proximidade e do que nos pertence por dádiva ou atribuição. Caímos na armadilha da responsabilização e da parentalidade funcional e esquecemos-nos de que todos, mesmo todos, só procuramos garantir o reconhecimento e a certeza de que somos amados

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