02 abril 2019

Duas Últimas

Vale a pena ouvir este youtube (enviado por mão amiga) desde o início, para se perceber a história. Os versos, de 1934, tirei-os daqui.

JdB



Ao Excelentíssimo Senhor Ministro da Agricultura

Exposição

Porque julgamos digna de registo,
a nossa exposição, Sr. Ministro,
erguemos até vós humildemente,
uma toada uníssona e plangente,
em que evitámos o menor  deslize,
e em que damos razão da nossa crise.
Senhor, em vão esta província inteira,
desmoita,  lavra, atalha a sementeira,
suando até à fralda da camisa.
Mas falta-nos a matéria orgânica precisa,
na terra que é delgada e sempre fraca.
A matéria em questão, chama-se caca.

Precisamos de merda, senhor Soisa,
e nunca precisamos de outra coisa…

Se os membros desse ilustre Ministério
querem tomar o nosso caso bem a sério;
se é nobre o sentimento que os anima,
mandem cagar-nos toda a gente em cima
dos maninhos torrões de cada herdade,
e mijem-nos também, por caridade…

O Senhor Oliveira Salazar,
quando tiver vontade  de cagar,
venha até nós, solicito, calado,
busque um terreno que estiver lavrado,
deite as calças abaixo, com sossego,
ajeite o cu bem apontado ao rego,
e como Presidente do Conselho,
queira espremer-se até ficar vermelho.
A nação confiou-lhe os seus destinos…
Então comprima, aperte os intestinos.
e ai..se lhe escapar um traque não se importe…
quem sabe se o cheirá-lo não dará sorte…
Quantos porão as suas esperanças
num traque do  Ministro das Finanças…
e também, quem vive aflito e sem  recursos,
ja nao distingue os traques, dos discursos…
Não precisa falar, tenha a certeza,
que a nossa maior fonte de riqueza,
desde as grandes herdades às courelas,
provem da merda que juntarmos nelas .

Precisamos de merda, senhor Soisa,
e nunca precisamos de outra coisa,

adubos de potassa, cal, azote;
tragam-nos merda pura do bispote,
e de todos os penicos portugueses,
durante pelo menos uns seis meses.
Sobre o montado, sobre a terra campa,
continuamente eles nos despejem trampa.
Ah terras alentejanas, terras nuas,
desesperos de arados e charruas
quem as compra ou arrenda ou quem as herda
sempre a paixão nostálgica da merda…

Precisamos de merda senhor Soisa,
e nunca precisamos de outra coisa…

Ah, merda grossa e fina , merda boa,
das inúteis retretes de Lisboa.
Como é triste saber que todos vós
andais cagando, sem pensar em nós…
Se querem fomentar a agricultura,
mandem vir muita gente com soltura…
Nós daremos o trigo em larga escala,
pois até nos faz conta a merda rala…
Ah, venham todas as merdas à vontade,
não faremos questão da qualidade,
formas normais ou formas esquisitas.
E desde o cagalhão às caganitas,
desde a pequena poia, à grande bosta,
tudo o que vier a gente gosta,

Precisamos de merda, Senhor Soisa ,
e nunca precisamos de outra coisa…

João Vasconcelos e Sá

1 comentário:

Anónimo disse...

JdB adorei. Agradeço o post a si, e à Mão Amiga. Giríssimo!
M.

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