Queres o quê? Ir embora. Para onde? Para casa. Mas aqui é a nossa casa Gui. E a outra nossa casa pai? Ficou lá Gui, ficou lá. Então podemos ir no avião pai. Ficou tudo lá Gui.
Emília Tomásia, orgulhosamente cabo-verdiana, dava colo e costas na hora de varrer ou de correr entre as casas e cubatas do Alto Catumbela, um lugarejo erguido para os trabalhadores da Celulose, onde o rio Catumbela tinha duas pontes; a de betão e a de madeira - pedestre, com frestas tão largas que era borra uma criança atravessar. Lá em baixo, na correnteza brava do rio, os jacarés viviam atentos, e a Emília contou que eles imitavam o choro de miúdos, só para apanhar gente.
Tínhamos um clube que exigia cartão de sócio com fotografia, uma grande piscina pública, um recinto para farras memoráveis, a Cooperativa, mercado exclusivo dos colonos, e um colégio. Património respeitável, constituía as Casas 1 e 2, com belos relvados e arbustos, que instalavam os Administradores da fábrica. De resto, pouco mais figurava naquele lugarejo no meio do mato, fundado há umas décadas por brancos da Pátria, além dos hectares e hectares de eucaliptal onde o meu pai passava os dias.
Depois, veio Benguela, cidade maravilhosa. Carros, machimbombos, bicicletas, flores nunca vistas, cachos de dém-dém, gente, mar e ondas, tudo pertences da Praia Morena e do prédio onde calhámos. Coqueiros, acácias, areia, água... e de novo à areia, quente, quente até ao pescoço. Às vezes, todos se estendiam no alcatrão, brancos e pretos, como gatos ao sol. Benguela era os rapazolas das mini-hondas, a bomba de gasolina com uma onça a fazer vezes de cão e a esplanada do Tan-Tan, onde meu pai me esperava no fim das aulas a beber cucas. Na grande escola dos Professores do Posto leccionava minha mãe e lá em casa toda essa classe de pessoas se sentava à mesa de jantar, sacava papéis das malas e ficavam a falar até de madrugada. As coboiadas do Trinitá Insolente, em Benguela, aconteciam debaixo das estrelas, acompanhadas de vozes suplicantes: "cuidaaaado meu, ele vai-te matar!". Cinema Calunga, viagens para lá de minimoke, sempre em pé, cantando hinos promissores e emocionados: "sob a bandeiraaaa do MPLAAA, nós faremos a revoluçãããão". Mas domingos, era missa certa na catedral, reencontrando um ror de gente que sempre combinava grandes convívios, incluindo o Senhor Padre, até a guerra rebentar e parar com toda a dança daquela vida.
Foi-se a cor, o calor, o riso e até o olho vivo da nossa Emília Tomásia, que numa choradeira sem fim embarcou num navio com destino a Cabo Verde, ainda antes de passarmos duas noites num aeroporto cheio de famílias pelo chão que também esperavam um lugar no Jumbo rumo ao desconhecido.
Pai, aqui é frio e as pessoas estão escuras. É outro clima Gui. Lá em Benguela pai, é mais bonito. Mas é aqui que estamos agora Gui. Qualquer dia vamos voltar pai. Talvez Gui.
Emília Tomásia, orgulhosamente cabo-verdiana, dava colo e costas na hora de varrer ou de correr entre as casas e cubatas do Alto Catumbela, um lugarejo erguido para os trabalhadores da Celulose, onde o rio Catumbela tinha duas pontes; a de betão e a de madeira - pedestre, com frestas tão largas que era borra uma criança atravessar. Lá em baixo, na correnteza brava do rio, os jacarés viviam atentos, e a Emília contou que eles imitavam o choro de miúdos, só para apanhar gente.
Tínhamos um clube que exigia cartão de sócio com fotografia, uma grande piscina pública, um recinto para farras memoráveis, a Cooperativa, mercado exclusivo dos colonos, e um colégio. Património respeitável, constituía as Casas 1 e 2, com belos relvados e arbustos, que instalavam os Administradores da fábrica. De resto, pouco mais figurava naquele lugarejo no meio do mato, fundado há umas décadas por brancos da Pátria, além dos hectares e hectares de eucaliptal onde o meu pai passava os dias.
Depois, veio Benguela, cidade maravilhosa. Carros, machimbombos, bicicletas, flores nunca vistas, cachos de dém-dém, gente, mar e ondas, tudo pertences da Praia Morena e do prédio onde calhámos. Coqueiros, acácias, areia, água... e de novo à areia, quente, quente até ao pescoço. Às vezes, todos se estendiam no alcatrão, brancos e pretos, como gatos ao sol. Benguela era os rapazolas das mini-hondas, a bomba de gasolina com uma onça a fazer vezes de cão e a esplanada do Tan-Tan, onde meu pai me esperava no fim das aulas a beber cucas. Na grande escola dos Professores do Posto leccionava minha mãe e lá em casa toda essa classe de pessoas se sentava à mesa de jantar, sacava papéis das malas e ficavam a falar até de madrugada. As coboiadas do Trinitá Insolente, em Benguela, aconteciam debaixo das estrelas, acompanhadas de vozes suplicantes: "cuidaaaado meu, ele vai-te matar!". Cinema Calunga, viagens para lá de minimoke, sempre em pé, cantando hinos promissores e emocionados: "sob a bandeiraaaa do MPLAAA, nós faremos a revoluçãããão". Mas domingos, era missa certa na catedral, reencontrando um ror de gente que sempre combinava grandes convívios, incluindo o Senhor Padre, até a guerra rebentar e parar com toda a dança daquela vida.
Foi-se a cor, o calor, o riso e até o olho vivo da nossa Emília Tomásia, que numa choradeira sem fim embarcou num navio com destino a Cabo Verde, ainda antes de passarmos duas noites num aeroporto cheio de famílias pelo chão que também esperavam um lugar no Jumbo rumo ao desconhecido.
Pai, aqui é frio e as pessoas estão escuras. É outro clima Gui. Lá em Benguela pai, é mais bonito. Mas é aqui que estamos agora Gui. Qualquer dia vamos voltar pai. Talvez Gui.
2 comentários:
Ah, grande Dalhe, é assim mesmo! 'Nha rica menina, córgulho...
beijo
grata amiga Ana, muito grata.
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