O reconhecimento da ignorância própria é um acto de grande inteligência. Não sei se concordarão comigo, mas eu sinto-me tentado a afirmá-lo, até porque este post é dedicado, efectivamente, à confissão pública do nada que sei em matéria de vinhos.
Tínhamos sido desafiados para um wine tasting no Flying Frog, um restaurante que funciona numa casa particular com especificidades próprias – abre apenas alguns dias por semana e é preciso marcar mesa, sob risco de se ficar à porta. No jardim, embora grande, não se me afigura que aceitem piqueniques.
Eram 6 da tarde quando rumámos ao local onde se degustaria o precioso néctar. Meia dúzia de mesas onde se sentavam duas dezenas de pessoas que não conhecia (com excepção das que compunham a minha própria); um guardanapo de pano, um prato de sobremesa ao lado e uma folha de papel onde a Divine Wines – empresa promotora do evento – publicitava os futuros acontecimentos vinícolas e oferecia uma tabela para classificação (sabor, cor e aroma) dos seis vinhos que iríamos provar, todos da casta Shiraz. Entre vinhos seriam servidas umas vitualhas, petits riens que impediriam as resistências mais débeis de se obnubilarem com os eflúvios do álcool.
Serviam-se, sequencialmente, vinhos australianos e sul-africanos, a preços entre os 12 e os 20 dólares americanos, com graduações alcoólicas oscilando (parece-me bem, o termo) entre os 14 e os 16%.
Porque estava eu presente? Porque tinha sido apresentado a uma enóloga local (a tal dos finais prolongados que mencionei anteriormente) como pessoa interessada neste negócio e que gostaria de ver portas abertas para futuras e potenciais parcerias. Quem me conhece estranhará este meu súbito interesse profissional pelo mundo dos engarrafados tintos e brancos; quem me conhece um pouco melhor rirá com a perspectiva de eu querer estabelecer um negócio. Haverá por aí, pelo Monte Estoril, gente que sabe porque me meti nesta alhada. Sigamos em frente…
Vinho, queridos amigos. Uma coisa é estarmos à volta de uma mesa, escorropichando goles e comentando com voz entendida que o líquido é bom, talvez ligeiramente acidulento ou um pouco passado, ou que é uma pomada. Todos levantamos o copo para lhe iluminar o conteúdo à luz de um candeeiro, havendo quem o faça com um ar vagamente técnico, deitando o rabo do olho para o rótulo a fim de sacar informações preciosas que eliminem a triste figura. Com mais ou menos conhecimento, somos todos enólogos, discorrendo com propriedade sobre o futuro da vinha e a obscenidade dos preços.
Outra coisa, caros leitores, é estar numa varanda com pessoas que encontram aromas cremosos no lote australiano, sabores a baunilha ou a ameixa no que provém da África do Sul, que comentam com ar entendido os efeitos do carvalho francês ou norte-americano. Gente que deglute o vinho depois de o rolar pela língua – isto depois de o ter aspirado com uma elegância duvidosa. Pessoas que são detentores de um jargão técnico que me provoca mais inveja do que o Nobel do Saramago. Homens e mulheres, aparentemente (só aparentemente) iguais a mim, que sentem no que bebem aromas de amora ou de canela – e que as referem com uma veemência que não admite dúvidas, que mencionam características invisíveis com se nada daquilo fosse engenharia espacial. Houve, inclusivamente, quem encontrasse um sabor forte a sulfito numa determinada garrafa. Alguém se importa de me dizer a que sabe o sulfito?
Bebíamos o último lote, um vinho forte e caro. Já se tinham feito comentários, eu já cheirara tantas vezes o copo à procura da ameixa e da canela que o meu nariz já estaria impróprio para conduzir. Ao meu lado, um diplomata alemão perorava com uma sapiência que me esmagava, aumentando um achincalhamento por eu, filho de um país que bebia vinho para dar pão a um milhão de indígenas, não detectar a influência forte do tanino e da ausência de rolha. Com a mesma tranquilidade com que se diz que está um lindo dia de Verão, observou: este vinho tem aroma a feno.
Tínhamos sido desafiados para um wine tasting no Flying Frog, um restaurante que funciona numa casa particular com especificidades próprias – abre apenas alguns dias por semana e é preciso marcar mesa, sob risco de se ficar à porta. No jardim, embora grande, não se me afigura que aceitem piqueniques.
Eram 6 da tarde quando rumámos ao local onde se degustaria o precioso néctar. Meia dúzia de mesas onde se sentavam duas dezenas de pessoas que não conhecia (com excepção das que compunham a minha própria); um guardanapo de pano, um prato de sobremesa ao lado e uma folha de papel onde a Divine Wines – empresa promotora do evento – publicitava os futuros acontecimentos vinícolas e oferecia uma tabela para classificação (sabor, cor e aroma) dos seis vinhos que iríamos provar, todos da casta Shiraz. Entre vinhos seriam servidas umas vitualhas, petits riens que impediriam as resistências mais débeis de se obnubilarem com os eflúvios do álcool.
Serviam-se, sequencialmente, vinhos australianos e sul-africanos, a preços entre os 12 e os 20 dólares americanos, com graduações alcoólicas oscilando (parece-me bem, o termo) entre os 14 e os 16%.
Porque estava eu presente? Porque tinha sido apresentado a uma enóloga local (a tal dos finais prolongados que mencionei anteriormente) como pessoa interessada neste negócio e que gostaria de ver portas abertas para futuras e potenciais parcerias. Quem me conhece estranhará este meu súbito interesse profissional pelo mundo dos engarrafados tintos e brancos; quem me conhece um pouco melhor rirá com a perspectiva de eu querer estabelecer um negócio. Haverá por aí, pelo Monte Estoril, gente que sabe porque me meti nesta alhada. Sigamos em frente…
Vinho, queridos amigos. Uma coisa é estarmos à volta de uma mesa, escorropichando goles e comentando com voz entendida que o líquido é bom, talvez ligeiramente acidulento ou um pouco passado, ou que é uma pomada. Todos levantamos o copo para lhe iluminar o conteúdo à luz de um candeeiro, havendo quem o faça com um ar vagamente técnico, deitando o rabo do olho para o rótulo a fim de sacar informações preciosas que eliminem a triste figura. Com mais ou menos conhecimento, somos todos enólogos, discorrendo com propriedade sobre o futuro da vinha e a obscenidade dos preços.
Outra coisa, caros leitores, é estar numa varanda com pessoas que encontram aromas cremosos no lote australiano, sabores a baunilha ou a ameixa no que provém da África do Sul, que comentam com ar entendido os efeitos do carvalho francês ou norte-americano. Gente que deglute o vinho depois de o rolar pela língua – isto depois de o ter aspirado com uma elegância duvidosa. Pessoas que são detentores de um jargão técnico que me provoca mais inveja do que o Nobel do Saramago. Homens e mulheres, aparentemente (só aparentemente) iguais a mim, que sentem no que bebem aromas de amora ou de canela – e que as referem com uma veemência que não admite dúvidas, que mencionam características invisíveis com se nada daquilo fosse engenharia espacial. Houve, inclusivamente, quem encontrasse um sabor forte a sulfito numa determinada garrafa. Alguém se importa de me dizer a que sabe o sulfito?
Bebíamos o último lote, um vinho forte e caro. Já se tinham feito comentários, eu já cheirara tantas vezes o copo à procura da ameixa e da canela que o meu nariz já estaria impróprio para conduzir. Ao meu lado, um diplomata alemão perorava com uma sapiência que me esmagava, aumentando um achincalhamento por eu, filho de um país que bebia vinho para dar pão a um milhão de indígenas, não detectar a influência forte do tanino e da ausência de rolha. Com a mesma tranquilidade com que se diz que está um lindo dia de Verão, observou: este vinho tem aroma a feno.
Deus meu! Gerou-se no alpendre um bruaá de espanto, de admiração, de concordância, de fascínio. Eu disfarcei, alegando um nariz entupido devido à altitude de Harare e à secura do ar. Olhei para o jovem (jovem ainda, a saber tanto…) e não tive uma dúvida: a mocidade dele foi passada em cavalariças, rebolando com uma Ingrid pela palha, afagando-lhe as formas volumosas e rindo com aquela alegria de que só os alemães são capazes. No fim, entre corpos nus num palheiro, os cavalos relinchando bem pertinho com os olhos esbugalhados, a frase romântica com que sempre terminaria estas farras: cheiras tanto a feno, Ingrid…
Algumas observações curtas:
- ainda antes da despedida, houve lugar para se encontrarem pratos adequados aos vinhos em prova. Eu diria carnes ou peixes, protegendo a minha integridade intelectual com lugares comuns. Houve quem falasse em Strogonoff, Chateaubriand e, pasme-se, osso bucco. Há gente, na realidade, que sabe muito.
- ainda que não venha a propósito, digo-lhes com toda a certeza: o Zimbabué é a terra das oportunidades, logo que a situação política mude, o que estará para perto. Eu já conheço a gente ligada aos vinhos – já não me falta tudo. O estabelecimento de um entreposto está a ser equacionado.
Repito, para terminar. O reconhecimento da ignorância própria é um acto de grande inteligência. E eu estou a reconhecer, sem constrangimentos, o que não sei. Não sei se me faço entender…
Algumas observações curtas:
- ainda antes da despedida, houve lugar para se encontrarem pratos adequados aos vinhos em prova. Eu diria carnes ou peixes, protegendo a minha integridade intelectual com lugares comuns. Houve quem falasse em Strogonoff, Chateaubriand e, pasme-se, osso bucco. Há gente, na realidade, que sabe muito.
- ainda que não venha a propósito, digo-lhes com toda a certeza: o Zimbabué é a terra das oportunidades, logo que a situação política mude, o que estará para perto. Eu já conheço a gente ligada aos vinhos – já não me falta tudo. O estabelecimento de um entreposto está a ser equacionado.
Repito, para terminar. O reconhecimento da ignorância própria é um acto de grande inteligência. E eu estou a reconhecer, sem constrangimentos, o que não sei. Não sei se me faço entender…
Adeus, até ao meu regresso…
2 comentários:
É claro que se fez entender.....
e em que alhada se meteu .... e já reconhece aromas e não cheiros.... e taninos e prolongados de boca e.... temo que com tanto saber
perca o gosto pelo vinho.
Até já,
Então veja lá em que se mete Mr. J!
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