Hoje é Domingo, e eu não esqueço a minha condição de Católico.
Largamos um dos centros de Lusaca – neste caso o hoteleiro, onde se situam as unidades de maior qualidade. O trânsito, como referi, é caótico, não só em termos de intensidade, como de condução.
Ao fim de 15 minutos chegamos aos chamados compounds, o equivalente em português dos nossos bairros sociais. O que nos rodeia é difícil de descrever: estradas de terra batida e em pior estado do que as de qualquer monte alentejano que se preze; mini-buses como enxames de insectos tontos, parando em qualquer lado para largar ou recolher passageiros, retomando a marcha sem preocupação por quem circula; de ambos os lados da estrada, um renque de bancadas onde se vende tudo – cebolas, batatas, limões, peixe seco, pedaços de carne colocados em cima de folhas de papel, tudo exposto às moscas e à poeira que se cola com uma camada fina; centenas de pessoas circulando num vaivém ininterrupto, sentadas à beira da estrada, respirando este ar que se entranha nas gargantas.
Continuamos a circular por estes carreiros, alguns dos quais ficarão intransitáveis quando chegarem as chuvas, transformando-se em rios sem utilidade – não circulam barcos, não circulam carros. O automóvel, que não está preparado para estes percursos, geme, esforça a suspensão, exige mais do automatismo das mudanças. Ao fim de vinte minutos chegamos ao Lyland Compound.
Desaguamos num recinto que se poderia assemelhar ao pátio de uma casa agrícola. No centro ressalta um edifício parecido com os nossos celeiros, de onde saem sons ritmados, perfeitos de afinação e simultaneidade, essencialmente femininos. Entramos a meio de uma missa católica, rezada num dos dialectos, assistida por algumas dezenas de locais – homens mulheres, crianças, jovens – celebrada por dois padres acolitados por quatro rapazes, trajados totalmente a rigor na sua função. Passa pouco das cinco da tarde de um dia de semana.
Uma coisa é saber da labuta dos missionários (neste caso combonianos), outra é ver o que fazem e onde fazem o seu trabalho. Olhar para um missionário é ter uma visão dupla: o que deixam e o que encontram. Sabemos todos o que fica para trás: o conforto, o acesso às lojas, ao cinema, às esplanadas, ao convívio com a família ou amigos, a disponibilidade permanente dos livros, discos, cultura; a possibilidade (quase sempre) de uma boa refeição a tempo e horas.
Calculo o que deixaram, vi um pouco do que encontraram: não vislumbrei (ou não imaginei) cinemas, livrarias, restaurantes, estradas em condições, interlocutores à altura para discutir uma obra publicada, uma tendência política, um caminho da Igreja; não descortinei uma mesa numa praça onde se vira a cara ao sol e se enfrenta os dias que se avizinham. Ali, pela pequena visita que fiz, não há nada daquilo que para nós é um mínimo indispensável, e não me refiro a luxos, vidas ricas e excessivas, benesses que só o muito dinheiro pode oferecer. Falo do trivial, do simples, do quotidiano.
Estou certo de que a minha mente estava formatada para achar que um missionário largava tudo para se entregar à inexistência da maioria das coisas. Não sei exactamente o que fazem aqui em Lusaca, porque a nossa conversa com o Padre Horácio, de Lamego, foi curta. Mas sei que vão ao encontro da miséria, da pobreza, da exclusão, da ignorância tal como nós a entendemos, da descrença ou da desesperança, da doença e do desconforto.
Com a convicção que me vem da alma e não da evidência, com a certeza que se gera mais na percepção do que no facto, estou agora convencido que o missionário deixa atrás de si um nada para se entregar a uma plenitude. E isso talvez lhe dê uma felicidade cuja dimensão temos dificuldade, ainda, em imaginar.
Ao fim de 15 minutos chegamos aos chamados compounds, o equivalente em português dos nossos bairros sociais. O que nos rodeia é difícil de descrever: estradas de terra batida e em pior estado do que as de qualquer monte alentejano que se preze; mini-buses como enxames de insectos tontos, parando em qualquer lado para largar ou recolher passageiros, retomando a marcha sem preocupação por quem circula; de ambos os lados da estrada, um renque de bancadas onde se vende tudo – cebolas, batatas, limões, peixe seco, pedaços de carne colocados em cima de folhas de papel, tudo exposto às moscas e à poeira que se cola com uma camada fina; centenas de pessoas circulando num vaivém ininterrupto, sentadas à beira da estrada, respirando este ar que se entranha nas gargantas.
Continuamos a circular por estes carreiros, alguns dos quais ficarão intransitáveis quando chegarem as chuvas, transformando-se em rios sem utilidade – não circulam barcos, não circulam carros. O automóvel, que não está preparado para estes percursos, geme, esforça a suspensão, exige mais do automatismo das mudanças. Ao fim de vinte minutos chegamos ao Lyland Compound.
Desaguamos num recinto que se poderia assemelhar ao pátio de uma casa agrícola. No centro ressalta um edifício parecido com os nossos celeiros, de onde saem sons ritmados, perfeitos de afinação e simultaneidade, essencialmente femininos. Entramos a meio de uma missa católica, rezada num dos dialectos, assistida por algumas dezenas de locais – homens mulheres, crianças, jovens – celebrada por dois padres acolitados por quatro rapazes, trajados totalmente a rigor na sua função. Passa pouco das cinco da tarde de um dia de semana.
Uma coisa é saber da labuta dos missionários (neste caso combonianos), outra é ver o que fazem e onde fazem o seu trabalho. Olhar para um missionário é ter uma visão dupla: o que deixam e o que encontram. Sabemos todos o que fica para trás: o conforto, o acesso às lojas, ao cinema, às esplanadas, ao convívio com a família ou amigos, a disponibilidade permanente dos livros, discos, cultura; a possibilidade (quase sempre) de uma boa refeição a tempo e horas.
Calculo o que deixaram, vi um pouco do que encontraram: não vislumbrei (ou não imaginei) cinemas, livrarias, restaurantes, estradas em condições, interlocutores à altura para discutir uma obra publicada, uma tendência política, um caminho da Igreja; não descortinei uma mesa numa praça onde se vira a cara ao sol e se enfrenta os dias que se avizinham. Ali, pela pequena visita que fiz, não há nada daquilo que para nós é um mínimo indispensável, e não me refiro a luxos, vidas ricas e excessivas, benesses que só o muito dinheiro pode oferecer. Falo do trivial, do simples, do quotidiano.
Estou certo de que a minha mente estava formatada para achar que um missionário largava tudo para se entregar à inexistência da maioria das coisas. Não sei exactamente o que fazem aqui em Lusaca, porque a nossa conversa com o Padre Horácio, de Lamego, foi curta. Mas sei que vão ao encontro da miséria, da pobreza, da exclusão, da ignorância tal como nós a entendemos, da descrença ou da desesperança, da doença e do desconforto.
Com a convicção que me vem da alma e não da evidência, com a certeza que se gera mais na percepção do que no facto, estou agora convencido que o missionário deixa atrás de si um nada para se entregar a uma plenitude. E isso talvez lhe dê uma felicidade cuja dimensão temos dificuldade, ainda, em imaginar.
Que interessa ao Homem perder o mundo inteiro, se com isso ganhar a sua Vida?
1 comentário:
"I believe in Christianity as I believe that the sun has risen, not only because I see it, but because by it I see everything else."
from C.S. Lewis, Weight of Glory, "Is Theology Poetry?"
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