08 outubro 2010

Cadernos andaluzes

III. la posada de manolo

no topo do mundo, segredavas-me ao ouvido,
instalados nesse maravilhoso pátio
de onde avistávamos o mundo, inteirinho,
como se pela primeira vez, outra vez.
o sol caía sobre as nossas cabeças despenteadas,
o ar próprio da estação inundava-nos daquele
estranho júbilo a que, em dias serenos,
bem podemos chamar paz.
no topo do mundo, como outrora decerto,
os limites do mundo eram automáticos,
o que a vista alcançava,
nem mais, nem menos, nem diferente.
a justa medida é uma ciência, e das finas,
como esse espinhoso caminho
que é sempre o do equilíbrio
(como desenhar os contornos de algo assim abstracto?).
no topo do mundo, existiam cores, aromas,
todos os sentidos fundidos a frio e a quente
como se alta cozinha molecular e sápida cozinha caseira
se encontrassem finalmente, num nec plus ultra improvável.
do prédio ao lado, coisas da vida que nunca entenderemos,
saía o som perfeito de uma juvenil orquestra sinfónica
ensaiando a preceito alguma grande gala.
star wars, indiana jones, bandas sonoras cinéfilas assim,
inundavam ruas, praças, veredas - até o topo do mundo
que neste preciso momento recupero e reivento
para fugaz deleite de dois ou três leitores.
em toledo, na posada de manolo,
recebi uma lição nada menosprezável:
até às cidades feias deves dar a tua oportunidade.
em toledo, no topo do mundo,
tudo isto aconteceu de verdade,
como se este poema enxuto de metáforas
fosse um quase relato da vida tal e qual.
tudo isto aconteceu. ou quase tudo.
não me segredaste ao ouvido,
porque não estavas lá.
sózinho, no topo do mundo,
- que triste e certeiro remate para um poema.

ou para uma vida.

gi.

1 comentário:

marialemos disse...

Boa noite gi,

Falou de cidades, cidades feias, mas que apesar disso podem proporcionar experiências memoráveis (se eu bem percebi).

Aqui há dias, em conversa amena com stakeholders do circuito mundial de surf que vai ter lugar em Peniche entre 7 e 18 de Outubro, foi dito: alguém vai ter de lhe explicar (ao Manuel Pinho - Ministro de Economia e Inovação até 2009)que no Algarve não há ondas, logo Portimão não pode receber este circuito:). E Peniche é bonita, come-se bem e as pessoas são afáveis e simpáticas.
Mas a mania de não querer ter um espírito aberto, não querer deixar dar oportunidades a quem as merece, às vezes prevalece. Não neste caso porque não podia mesmo ser.
E claro que gostei do seu poema.

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