13 janeiro 2011

Luís

Luís era o ai-Jesus das meninas na universidade. Já o tinha sido no liceu, no colégio, até na primária… era assim. Habituara-se a isso, a ser um pouco o centro das atenções. Às vezes era cansativo, mas as mais das vezes até que era bom. Fazia bem ao ego … afinal, quem é que não gosta de ser amado e de ser o centro das atenções? pensava com os seus botões. Em parte não tinha “culpa” do sucesso que fazia: era alto, ombros largos, as feições muito correctas, um nariz aquilino, cheio de personalidade, e uns olhos azuis de cair para o lado. Sobretudo a expressão era muito bonita e verdadeira. Era fácil ver-se-lhe a alma reflectida naqueles lagos azul-piscina. Do tímido ao audaz, do profundo ao divertido, do inquieto ao sereno, tudo se lhe via estampado na limpidez dos olhos. E porque era bom de raiz, essa bondade saía-lhe dos olhos, da boca, das mãos, dos poros …. e atraía, irresistivelmente, raparigas e rapazes, velhos e novos, professores e colegas. A educação exímia que recebera também contribuíra para o seu sucesso. Assim como a sua cultura e o à-vontade de falar sobre qualquer assunto. Mas eram os olhos, o jeito muito seu de puxar o cabelo para trás e a sua graça natural, qb arreliadora mas cheia de bondade, que faziam derreter os corações do sexo oposto. Poucas ficavam imunes ao seu charme e por muito poucas ele se sentira verdadeiramente atraído. Aliás, era normalmente por aquelas que lhe “tinham dado com os pés” e que procuravam sobretudo aventura, maluquice, pouca arrumação mental e espiritual que ele se interessava. Mas as pessoas não se inventam, consolava-se ele, quando o desamor lhe batia à porta. Mas custava-lhe. E muito. Custara-lhe sobretudo quando fora recusado pela Lili, aí quando tinha 20 anos. Tinha-a conhecido numa festa de Carnaval e quando a vira pela primeira vez parecera-lhe a rapariga mais gira e cool do mundo: moderna e atrevida, um cabelo preto em turbilhão, mini-saia sobre pernas esculturais, e um sorriso de perder a cabeça. Fora tiro e queda. Até tivera uma tontura, recordava agora. Mas a Lili era rapariga para outros voos, não para um rapaz bom e bem formado, ainda que cheio de charme e predicados. Ainda saíram umas semanas. Ela fora sempre querida, meiga, ouvira as suas histórias com atenção e interesse, fizera perguntas inteligentes… E rira-se frequentemente, mostrando uns dentes e uma boca perfeitos. Ai quando ela se ria … ficava totalmente desorientado! Mas aprendera a controlar esse desgoverno interior e a contorná-lo com mais e mais histórias divertidas. Mas Lili estava noutra: queria correr mundo, achava o ambiente em Portugal sufocante, tinha começado a interessar-se pela cultura dos góticos (sempre vestira muito de preto, gostava de rock pesado e tinha um fraco por ambientes algo marginais) e o Luís, pura e simplesmente, começou a sentir que não a conseguia acompanhar. Não fora programado para tanta paixão, para tanta sofreguidão, para tanta necessidade de liberdade. Por isso um dia arranjou um óptimo emprego num banco, casou uns anos depois com uma apaixonada de sempre, uma rapariga loira e bem-feita, educada para ser mãe e dar jantares. Teve 4 filhos lindos, viajou, comprou uma casa de férias em Arraiolos, jogava golfe aos fins-de-semana e bridge às quintas. Encontrou a estabilidade, gostava muito da mulher e era apaixonado pela luz de Lisboa nos fins de tarde de Verão. Mas a Lili ficou-lhe sempre na alma. Tentava, até, não pensar muito nela, pois ainda lhe era doloroso, passados tantos anos, recordar o seu sorriso e a forma como tantas vezes dançava, alheada do mundo e perdida nos seus pensamentos. Ficara-lhe de consolo a noite em que se tinham despedido definitivamente. Estavam sentados no carro, depois de uma noite de brincadeira e copos, e ela tirou um CD da carteira e entregou-lho. Gravei-o para ti. A pensar nos momentos maravilhosos que passei ao teu lado. Parto amanhã para Londres. Não esperes por mim, não vou voltar. Tirou o CD do invólucro, colocou-o no leitor de CD’s do carro e ligou-o.

Lembrava-se hoje, tão nitidamente como naquela altura, da voz da Carole King e da mão da Lili, suave e forte, agarrada à sua. Nunca mais a vira.




PCP

5 comentários:

Anónimo disse...

C,
Escrita bem esgalhada, como é habitual em si.
ML

Anónimo disse...

Q.música tão gira! Delicioso.
Bjs, MZ

maf disse...

adorei pcp, adorei. Muito pueril, yet, tão real :-). Tantos Luises e tantas Lilis se cruzam connosco. A música .... escolha perfeita.
Bj. Maf

Anónimo disse...

Obrigada a todas, muito obrigada. pcp

Anónimo disse...

Amei. Sempre um privilégio lê~la.
jp
ps não consegui visualizar o video - manhas do pc por certo - por isso fico-me pela literatura.

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