05 janeiro 2011

Moleskine

Pensamentos peregrinos. Quando comecei a discernir sobre as coisas, os velórios eram cerimónias pesadas, que se arrastavam durante a noite num silêncio só vencido pela ladainha dos terços. Agora, passados tantos anos sobre esse discernimento, percebo que os velórios são curtos ao limite da legislação, as pessoas riem de volta do finado e as avé-Marias (rezadas pelas tias que sobram) são abafadas, num desrespeito quase herege, pelas conversas circundantes. No outro dia, num jantar de amigos, questionava-me: daqui por 30 ou 40 anos ainda haverá velório ou, neste horror que temos à morte, os cadáveres seguirão directamente do hospital para o crematório, passando apenas pelo facebook para condolências?

Livro. Leio Ó, de Nuno Ramos (Livros Cotovia, 2010), oferecido por mão amiga e entendida na matéria. Cito: Admiro quem responda à pergunta fatídica O que é que você tem feito? com um Não sei ou um Nada, e mais ainda quem nem sequer responda, entretido com a longa fila de formigas ou as espirais de fumaça de algum veículo.

Música. Lembro o jantar que mencionei no início. Fala-se de crooners, do seu significado, deste e daquele cantor. Menciono Tony de Matos com um dos nossos maiores, e a minha devoção patriótica é recebida com uma gargalhada alvar de desprezo vendido ao anglo-saxonismo da canção moderna. Não me rendo e defendo a minha dama (passe a expressão). O gargalhar não diminui mas eu venço, porque sou o editor e o dono do estabelecimento.


3 comentários:

Anónimo disse...

Velórios: concordo completamente. Muitas vezes tenho ficado chocada com o ambiente que se gera à volta de alguém que, de facto, nunca mais veremos. É a última oportunidade para, realmente, lhe poder tocar na mão, na cara, lhe dar um beijo e estar na sua presença. Apartir daí, a presença é outra, o "estado" físico passa a ser de outra natureza. Muitíssimo bem observado, com o humor e o sentido de observação que o caracterizam.
Ó: absolutamente! Sou grande apologista do dolce far niente (adorei a imagem das formigas!).
Tony de Matos: viva Portugal!
Bjs. pcp

Ana LA disse...

Bom dia JdB.
Não resisti e cliquei no vídeo. Acena é linda, um macambúzio entra numa cave escura, cheia de gente triste e ameaça uma cena de pancadaria. A menina, alvo dos seus amores, roliça e oleosa, espreme-se num esgar assustado, enquanto ele lhe grita aos ouvidos. Adorei, salta-me à memória o cheiro dos pastéis de bacalhau a fritar ao som do transístor.
Não há dúvida que a frase “só nós dois é que sabemos” ficou para a história e que o romantismo e arrebatamento da época, se diluiu num excesso de realismo utilitário das relações amorosas. Vivó Tony

Anónimo disse...

Não sei o que é um crooner mas sei que o Tony de Matos era um grande cantor e um grande fadista.
SdB(I)

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