26 fevereiro 2015

As escolhas de gi

Outro poeta fora dos "cânones", LQ regressa a nossa casa, o seu local do crime, com um conjunto de sonetos de rigoroso apuro formal, ao mesmo tempo que nos fala de todos os dias, de todos nós, deste país que somos. Técnica ao serviço do sentido, numa osmose que demonstra, se dúvidas existissem, que somos um país não de poetas, mas de poetas extraordinários.

gi. 



O VIDRO, II, ECOLALIA

Como chegámos a este lugar? A guerra deflagrava em todas as regiões deste mapa que nos iria desenhar, a nós, ponto a ponto, semelhança a semelhança. Famílias reuniam bagagens, despediam criados, fugiam apavoradas por estradas tomadas de assalto pela vegetação densa. Impropriedade do medo, negras margens do remorso. Rompiam-se sacos placentários, criaturas atiradas para a rua do sem-regresso berravam a sua inviolável linguagem, precipitavam-se de encontro ao muro denso da história, exigiam um nome, um símbolo apodrecendo na eleição de um cacifo, uma caixa onde depositariam a sua fragmentada posse, o seu saque.
O vidro, Assírio & Alvim, p. 63

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