17 fevereiro 2015

Duas últimas *

O Carnaval começou há pouco e eu já torço para que tenha acabado. Penso que a minha opinião sobre a quadra em questão é bastante transparente...

Tenho do Carnaval imagens longínquas e desinteressantes. A memória mais antiga (não teria eu 10 anos) é a de querer mascarar-me de cóbói e a minha mãe achar pouco engraçado, tendo-me disfarçado de palhaço. O desinteresse profundo que eu voto a esses profissionais circenses deve provir desse episódio. Uns anos mais tarde, já adolescente, fui a uma festa à outra banda (também de uma amiga desaparecida prematuramente). No carro íamos três rapazes, todos aproximadamente da mesma altura, e uma rapariga - alta para os standards portugueses. Tapámo-nos integralmente e mesmo assim, à medida que eu entrava nos salões nobres da fidalguia, equipado com uma espécie de burka prematura, os convivas iam palmatoando as minhas costas e sorrindo: estás bom, João? Dizem-me que fui identificado pela forma de andar... 

Numa noite semelhante (ou seria a mesma?) fui a casa do meu amigo fq. A única memória que tenho é a de ter-me encostado a uma lareira com um ar infeliz, como se tivesse de pagar o IVA e não tivesse como... Não voltei a mascarar-me, e a simples ideia de me travestir de qualquer coisa arruina-me os nervos e convida-me ao suicídio. Por mim, serei franco, riscava-se a quadra do calendário. No Carnaval de dantes - e coloquemos décadas nesse dantes - havia assaltos. Agora tudo é mais democrático, e os assaltos são todo o ano, disfarçados de leis, necessidades fiscais, equilíbrio orçamental, balança de pagamentos, distúrbios ministeriais. 

Termino com uma nota paternal. Há evidências fotográficas dos meus filhos mascarados, de cóbói ou de espanhola. Estão sorridentes, numa evidência revoltada contra os genes do pai, vivendo na doce ilusão do Carnaval ser uma altura de folia e divertimento.

Deixo-vos com música adequada para a época: brasileiros cantando. Enganem-se os que esperavam ouvir sambas pedindo requebros, agitação do corpo, suores libertadores, nudezes tropicais. São coisas tristes, melancólicas, porque só com esse estado de espírito se pode ultrapassar incólume estes quatro terríveis dias.

JdB

* publicado inicialmente, com uma ligeiríssima alteração devido a calendários, no dia 6 de fevereiro de 2013. Nada há de mais actual... 
     



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