Há tempo veio na revista do Expresso(1), uma entrevista com o homem mais feliz do mundo – Matthieu Ricard
(1946-…) – segundo os estudos de um grupo de neurocientistas ocidentais, que
ficaram impressionados com os resultados hiper positivos revelados nas
múltiplas medições à sua actividade cerebral.
Curiosamente, a infância e todo o sucesso profissional de
Matthieu pareciam tê-lo fadado para ser feliz no Primeiro Mundo, onde tivera a
sorte de nascer, um ano depois de acabar a Segunda Guerra. Mas, afinal, foi a sua
reviravolta na vida que fez a diferença e o colocou na pole position da felicidade… tanto quanto se pode monitorizá-la e quantificá-la
por sensores de laboratório.
Oriundo do melhor meio intelectual francês, conheceu
Stravinsky (fugido à Rússia bolchevique) e Cartier-Bresson. Na ciência, chegou
rapidamente ao topo da carreira, doutorando-se em Biologia Molecular e
colaborando com o Nobel da Medicina – François Jacob. Este convívio de luxo
levou-o a descobrir que a erudição científica e artística estavam longe de conferir
estatura humana! «Grandes génios…
pequenos nas qualidades humanas».
Cumprindo tudo o que se podia esperar de um jovem
cientista com futuro, percebeu quanto fazer carreira lhe era insuficiente. Limitado.
Quer a Cidade das Luzes, quer a elite a que pertencia, sabiam-lhe a pouco.
Assim, partiu para os Himalaias (1972), onde se tornou
monge budista e aprendeu a olhar a realidade, os outros, numa perspectiva nova.
Começou a encarar a vida de uma maneira que revolucionou a sua existência. Despojada.
Mais autêntica. Sobretudo, recuperou o sabor!
Aquele salero que nos aproxima da felicidade.
Garante que «Mudar
só depende de nós». Mas não se confunda felicidade com prazer – lembra. E explica
melhor: «Não há mal nenhum no prazer. Mas
o prazer não tem nada a ver com felicidade… (Um exemplo:) a música alto. Um
bocadinho é bom, 24 horas pode ser tortura. Aliás, é um dos métodos usados em
Guantánamo. Viver só de prazer deixa-nos
exaustos. A felicidade é uma forma de estar na vida, não é apenas uma sensação
momentânea.»
O seu sorriso aberto e sereno transmite paz e harmonia
interiores. As suas respostas simples e profundas são de uma sabedoria
incrível, que simplifica sem simplismos. Com a simplicidade dos sábios. De
facto, quando se chega a discernir o essencial, tudo o resto se reordena
rapidamente, com realismo e consistência.
No coração dos Himalaias, fica-se, em
todos os sentidos, mais perto do céu…
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De um humor doce, desmistifica, de modo cristalino,
aquele equívoco muito em moda, de temer que haja vaidade ou egoísmo encapotados
em certos comportamentos altruístas… Esclarecedor, dissipa quaisquer dúvidas: «Se alguém fizer alguma coisa de bem ao outro
só porque se quer sentir bem, então isso não é sequer ser altruísta. Duvido até
que se sinta mesmo bem ao fazê-lo. Mas, se olharmos para o nosso dia a dia, há
muitos gestos altruístas, nós é que temos tendência para os subestimar.»
Com a autoridade de quem parece corresponder ao que
testemunha, Matthieu aponta as prioridades, sugerindo uma bússola: «Essenciais
são a amizade, a paz, a sensação de ter o coração cheio, de que cada momento
vale mesmo a pena ser vivido. Está
mais do que estudado que, quanto maior o consumismo, menor é a felicidade que
se alcança. (…) Primeiro, devemos olhar para dentro e ver o que nos proporciona
felicidade. Como o amor altruísta, por exemplo. É preciso controlar o excesso
de desejo. E como o fazemos? Simples: libertando-nos dessa ansiedade de querer
ter tudo. Como é que dissipamos a raiva? Com amor,
afeição.
(…) Se quer ser feliz pratique a
compaixão.»
A
sua definição de felicidade: «By happiness I mean here a deep sense of flourishing that
arises from an exceptionally healthy mind. This is not a mere pleasurable
feeling, a fleeting emotion, or a mood, but an optimal state of being.
Happiness is also a way of interpreting the world, since while it may be
difficult to change the world, it is always possible to change the way we look
at it.» (extraído do seu blog: http://www.matthieuricard.org/en/index.php/blog/)
Na sua prioridade de vida, a ajuda ao próximo
preenche por inteiro o seu dia: «Our
happiness depends on that of others. To love oneself is to love life. It is
essential to understand that we make ourselves happy in making others happy.»
Matthieu Ricard é o responsável pela
associação sem fins lucrativos Karuna-Shechen,
que acolhe doentes, idosos e crianças,
ministrando-lhes cuidados médicos, apoio e
educação escolar.
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Será que faz sentido ficar à espera da Primavera e do bom
tempo para ser felizes? O testemunho refrescante de Mathieu sugere que tudo se
decide no nosso coração e na nossa cabeça, reiterando o que diziam Audrey
Hepburn, a Madre Teresa e tantos outros. Ainda bem que nos cabe a nós escolher
se serão as condições metereológicas (ou quaisquer outras) a ter a última
palavra…
Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico,
para daqui a 2 semanas)
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(1) De 28 de Abril de 2012.
«Happiness. A
Guide to Developing Life's Most Important Skill», by Matthieu Ricard. 304
pages. Little, Brown & Co.
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