Chegou
então um dos chefes da sinagoga, chamado Jairo. Ao ver Jesus, caiu a seus pés e
suplicou-Lhe com insistência: "A minha filha está a morrer. Vem impor-lhe
as mãos, para que se salve e viva".
***
Um destes dias soube que uma amiga – que não era de infância, mas da
infância – tinha morrido após um período de doença doloroso. Um pouco mais
longe, o pai de uma pessoa por quem tenho afeição debate-se com uma doença
muito limitadora. Mais ao pé de mim, duas pessoas que conheço bem, separadas em
idade por pouco menos de dez anos, confrontam-se com uma malignidade que gera
preocupação e cansaço. Ontem, por mail (que completa informações verbais
avulsas) soube de uma rapariga, com quem me cruzei há pouco menos de quarenta
anos por causa de estudos e amizades comuns, que se debate com uma fase
complicadíssima de saúde. Não falo de gente idosa, mas de rapaziada mais ou menos da minha idade, entre os cinquenta e muitos
e os sessenta e poucos, sobre quem recai uma nuvem de escuridão e incerteza.
Não conto nada de muito surpreendente. Todos os que me lêem saberão de
casos semelhantes, mais ou menos próximos, mais ou menos dolorosos, que
realçarão aquilo que parece ser uma injustiça da vida, porque no mínimo
deveríamos chegar aonde a estatística da esperança diz que chegamos – e não
quinze anos antes.
Não me recordo exactamente dos termos, mas tenho ideia de um amigo, com
quem partilho conversas e fins de tarde, me ter dito qualquer coisa que se
assemelharia a isto – felicidade é não
estarmos doentes. Há quinze anos, talvez,
uma colega de empresa dizia que tudo lhe corria bem, mas que ela também
contribuía para isso. Talvez os dois pensamentos estejam nos antípodas um do
outro: a ideia lúcida da sorte que é não termos azar versus a sorte que é a
ilusão de uma acção do próprio.
Ontem, no meu paredão errático, comentava com quem me acompanhava o
azedume que sempre pode sobressair quando somos confrontados com o sofrimento
(aparentemente) injusto, seja em nós seja nos mais próximos. Talvez nem sempre
seja azedume, talvez seja apenas uma raiva incontida contra a vida, contra o
Céu, contra a ideia de um Deus que não é senão amor e, mesmo assim, permite
estas bolsas de dor e angústia.
Ontem também, no mesmo dia em que soube ou relembrei ou me confrontei com
alguns casos narrados acima, li o evangelho de que tiro o trecho com que abro o
post. Jairo fala com Cristo; a mulher que tinha um fluxo de sangue havia doze anos toca-lhe na orla do manto. A menina
salva-se, a mulher cura-se. Ter fé é ter confiança, mesmo que por vezes sejamos
tentados pela fé desesperada, como o foram, talvez, os dois personagens
referidos. Não sei se o fluxo de sangue estanca nem se a criança com doze anos
se salva; não sei, sequer, se os dois personagens existiram ou se o episódio
não é mais do que uma metáfora para a salvação do espírito que advém de
confiarmos. Não sei nada, mas sei que a ideia da minha colega é ingénua. A
fronteira entre uma casa que ri e uma casa que sofre é um fio de cabelo.
Somos salvos (também) pela fé. A nossa condição frágil e humana, mas
também realista, talvez se reveja na ideia de que felicidade é não estarmos
doentes.
JdB
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