07 maio 2015

lisboa, depois de ti

Fotografia de JMAC, o homem de Azeitão

escuto uma música concreta, algures na mesma cidade onde respiras. 
as fotos são folhas mortas, caídas do tempo, das gavetas onde te arrumei, 
entreabertas, de tão atulhadas de substâncias tóxicas.  
respiro e partilho, provavelmente, o mesmo ar que de que te alimentas, 
entre cafés e fatias milimétricas de queijos exóticos e de pão acabado de cozer 
naqueles fornos a lenha que desencantavas perante os meus olhos, 
como um mágico e os seus misteriosos milagres espanta as crianças. 
era agosto, cheirava a verão e a alfazema e a tua pele tisnada
era o mais próximo  que alguma vez estive do sol, do coração do mundo. 
em setembro, quando me disseste que ias ver outras galáxias, 
senti a exacta dor de mil agulhas a perfurarem-me, de dentro para fora, 
essa dor única que só a morte e o coração quebrado sabem.
foi um verão de amor ou um amor de verão, pergunto-me tantas vezes, 
enquanto caminho sob as acácias, os choupos, os diospireiros,
pequenos resquícios de humanidade que resistem ao betão, 
tal como aquelas frágeis ervas que irrompem do asfalto.
tantos anos depois, ainda acredito em milagres. por exemplo, 
que um dia vou acordar e estarás, como dantes, deitada ao meu lado
e no silêncio da madrugada tecerei com saliva um vestido só teu 
e as lágrimas que hoje movem os meus dedos serão, então, 
uma renascida máquina de alegria, um colar feito do melhor de mim, 
uma homenagem aos deuses que me te concederam,
nem que seja apenas a memória da memória de ti.


escuto uma música concreta, algures na mesma cidade onde respiras.

gi.

2 comentários:

Anónimo disse...

Lindo, como só as palavras ditadas pelo coração.

Anónimo disse...

💙

...a minha cartola continua vazia...mas há milagres por aqui e aí sempre a acontecer...
...as crianças sabem, querem e esperam.
...merecem.

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