25 maio 2015

Do regresso aos sítios

S. Miguel, Setembro 2006 


Dizem as vozes sensatas que não deveremos voltar aos sítios onde fomos felizes. Não sei se isso significa, portanto, que devemos voltar - ou que não faz mal voltar - aos sítios onde fomos infelizes. Percebo a frase, mas não sei se concordo com ela. 

Olhemos para o cinema, para o casal romântico Rick e Ilse (Casablanca, para os menos familiarizados): o que significa We''ll always have Paris? Significa que ambos foram fugazmente felizes em Paris, até que a doença de Laszlo a impele a ficar e ele a partir sozinho, numa noitada de chuva, correria e espanto. Significa isso que não faz sentido voltarem? E imaginemos um casal de namorados oriundos de Aguiar da Beira, cinéfilos mas pouco viajados, para quem Casablanca é o filme da sua vida de amantes, visto e revisto ao som de pipocas, afagos, atenção a ruídos estranhos. Também eles poderão dizer we'll always have paris, sendo que só eles sabem o que a frase significa verdadeiramente? E ao dizer a frase sorriem de forma cúmplice?

Viajo há alguns anos. Houve sítios onde fui sozinho e voltei acompanhado. Houve sítios onde fui sozinho, voltei acompanhado e tornei a voltar diferentemente acompanhado. Houve sítios que provocaram um impacto forte dentro de mim e, para me manter ao nível de uma certa neutralidade, referirei o Rio de Janeiro. Fui sozinho, na minha primeira viagem transatlântica, com 16 ou 17 anos. O impacto foi imenso, por motivos que serão óbvios. Rio de Janeiro em 1975 não é o Rio de Janeiro em 2015. Fui imensamente feliz, por motivos puramente adolescentes. Voltei lá com a família, numa fase de ressaca. Voltei a ser feliz - só que de forma diferente. Acontece isso com o Rio, como acontecerá com outras cidades - por vezes são apenas felicidades de ordem diferente. Talvez exceptue deste raciocínio o Zimbabwe, pelas características de que se revestiu.

À hora a que me lerem estarei em S. Miguel, nos Açores. Regresso à ilha passados quase nove anos. Fui pela primeira vez em condições especiais. Talvez por isso me tenha sabido tão bem o espaço, a lonjura, o silêncio, o verde harmonioso, a ideia de uma certo paraíso na terra. Ir aos Açores pode ser (não quer dizer que o seja, ou o seja sempre) mais do que uma viagem apenas turística. Pode ser uma viagem ao nosso interior, o encontro com uma certa paz. Regresso em condições diferentes. Como sentirei tudo? O que muda em nós que pode mudar a percepção que temos dos locais que visitamos?

Sejam felizes. 

JdB

1 comentário:

Anónimo disse...

Em tempo:
na frase We''ll always have Paris? o que me pergunto , aquilo em que eu cismo realmente, não é tanto a invocação de Paris como último recurso , pois o paraíso será sempre a última morada, mas sim e muito mais , saber se o plural possessivo usado, é uma referência aos dois amantes necessariamente em conjunto , enquanto casal indissolúvel, ou ao contrário, é menção a cada um de per si , por desfeita a anterior comunhão.Paris para um único ser formado por dois amantes, ou Paris para dois seres que já foram, dois ex . Quem é que tem afinal Paris, o casal ou cada um deles ?
Não é a mesma coisa...

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