“ - Presumir legíveis as divagações próprias, tem que se diga.”
Pôs na mesa o jornal e o efeito da frase, medindo o gesto distraído.
“ – O mérito cresce se não aparece mais gente. A falta de comparência dos outros é um dos motores da vida”, justifiquei sem olhar (descascar a maçã era cada vez mais absorvente), “e a atenção e a memória passam bem sem autor interessante”.
“- Memória? As coisas foram como são!”
“ – Os factos são os factos…”
“ – As coisas são como nos lembramos delas e isso só por acaso pode ser como foi. Alguns poucos tentam arquivar o que vai acontecendo, coleccionando memórias como se juntam conchas. Os outros todos usam o passado para ter razão. Nunca ninguém puxou da História para provar que está errado.”
Redobrei a curiosidade na maçã, descobrindo caroços inesperados. Desconversei baixinho:
“- A verdade pode estar nas convicções…”
“- A convicção põe verdade onde a realidade se engana!”
“- A verdade pode estar nos sentimentos…”
“- O sentimento põe verdade onde lhe apetece…”
“- Sobra o quê?”
“- Assunto não, que o que havia a dizer já alguém o disse algures.”
“ – Há sempre novas formas de …”
“ – …reembrulhar o já dito, cuidando do papel e do laço?”
Confirmei mais uma vez a cronologia: o sítio do porquê é sempre depois da decisão.
(JCN)
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