24 novembro 2008

Abraço

Em Portugal, o abraço deixou de ser uma manifestação corrente de afectividade.
Quem já tem uns aninhos, lembrar-se-á certamente que os pais abraçavam os filhos quando estes passavam um exame difícil, que os amigos abraçavam-se efusivamente quando se encontravam ao fim de algum tempo de ausência, que, como tão melancolicamente recordou há dias o autor deste blogue, os namorados ansiavam pelo “slow” na pista de dança para poderem entrelaçar os seus corpos ansiosos, que os jogadores de futebol festejavam os golos com abraços.
Hoje os pais festejam a passagem no exame com a frieza de um presente caro, os amigos despedem-se presencialmente dizendo(!!) “um abraço”, que fica por dar, os namorados preferem trocar cuspos e os jogadores de futebol optaram pelo ósculo no parceiro para manifestar a sua alegria, sem que por um momento seja questionada a sua heterosexualidade.
Porque é que deixámos de nos abraçar? Foi por termos entrado na União Europeia e considerarmos que um europeu que se preze tem que saber controlar a sua espontaneidade afectiva? Foi porque nos tornámos mais frios como povo? Foi porque passámos a ter vergonha de tocar corpos alheios, mesmo daqueles que nos são mais próximos? Foi porque cresceu em nós um pudor associado aos excessos da revolução sexual?
No entanto, quando estamos necessitados é mesmo o abraço que avança. Perante um desgosto sério ou uma alegria descontrolada, não há cá beijocas ou apertos de mão que nos valham. Então, só o abraço é retemperador. Esquecemo-nos que não devemos, esquecemo-nos de todos os respeitos humanos e abraçamo-nos como loucos.
É inquestionável o valor terapêutico de um abraço. No acto, por breve que seja, acontece a transferência de uma carga positiva, de consolo ou felicidade. Não há manifestação maior de amor, de amizade e de afecto. É um gesto despojado, pelo qual entregamos ao outro tudo o que temos de bom.
Mas atenção, eu estou a falar de abraços não de encostos de ombros e palmadinhas nas costas, tão comuns nalgumas sociedades europeias e árabes. O abraço tem que encaixar. E é a medida desse encaixe que nos dá a plenitude.
Claro que há pessoas que são mais facilmente abraçáveis do que outras. O abraço não é só sentimento. Tem também uma importante vertente física, que implica uma necessária compatibilidade. Por vezes entramos pela esquerda e chocamos com a cabeça de um parceiro habituado a investir por esse mesmo lado. Por vezes temos “timings” de aperto diferentes. Por vezes não concordamos sobre a distância a que temos que estar para que o abraço encaixe como deve ser. De facto, embora deva ser por natureza espontâneo, por vezes, o abraço tem que ser trabalhado. Principalmente entre casais que pretendam utilizá-lo como parte de um património afectivo comum. Por isso, vá lá, corram para a vossa cara-metade e experimentem. Se não for inteiramente satisfatório, tentem de novo até o ser.
Despeço-me com um forte abraço de todos os que tiveram paciência de chegar ao fim destas linhas. E em jeito de ilustração deixo-vos o filme que segue.

J. Buggs

5 comentários:

Anónimo disse...

Que engraçado, não acho nada. Eu abraço imenso e imensa gente. Evidentemente pessoas de quem gosto muito. E conheço muita gente que abraça. Mas, pelo que vejo nas ruas de Portugal e até noutra cidade europeia onde vivi recentemente, me parece que é moda abraçar. Sobretudo entre os adolescentes. Será que para eles é puramente um acto social e sem grande significado? Isso já não sei dizer... Mas que se vê muito, isso vê-se....
Penso, apesar de tudo, que o abraço não se perdeu. Agora que o seu valor terapêutico é indiscutível, é. Não há nada como um longo e sentido abraço.
M

Anónimo disse...

Eu também, não troco beijos por um bom abraço, aconchegante, que encaixe! sejam quais forem os timmings.

Ahh, sabe tão bem...

Há anos atrás, em 2001, num congresso do Espaço T, o seu fundador falava de como o toque era proscrito...

Fiquei a pensar nisso, na forma como as pessoas se evitam tocar, mesmo de leve, se incomodam com as demonstrações de afecto, fogem de se sentirem próximas fisicamente, mesmo de pessoas conhecidas...

Dei-lhe razão, vi-me em situações semelhantes, e resolvi reverter essa situação, privilegiar também essa forma de comunicar.
(Não digo pegar nos braços do interlocutor, como alguns fazem, ou agarrar as pessoas a contragosto, falo de outras formas mais subtis, e sim de abraços também!)

Hoje em dia, vejo bastante abraços também entre pessoas desconhecidas, mas que se encontraram em algum momento por um interesse transcendente comum, e fraternalmente partilham essa sintonia, esse momento.
Acho mesmo que o abraço está de volta, que regressou para ficar, mesmo que se insinue de mansinho nas conversas, nas despedidas, mais dia menos dia, ele será efectuado, passará da simples promessa, ao acto, tal com o sorriso, contagia...

E, venha daí esse Abraço,
afinal faz tão bem aos dois...

(abraço à -minha-esquerda, encaixado, apertado, aconchegado, por uns instantes mágicos ... sentiu? )

a :-))

Anónimo disse...

E há também o "abreijo", misto de abraço que termina em beijo; e, para os mais afoitos que se atrevem a abraçar depois do beijo, há o beijaço .... misto de beijo que termina em abraço.
Qualquer um deles tem por missão manter vivo o contacto físico, espécie tão ameaçada nesta era virtual em que vivemos.
Para todos, um abraço mais que encaixado.
maf

Anónimo disse...

J. Buggs,
Espero continuar a vê-lo por aqui, para o ir abraçando, mesmo que seja de longe.
Aquele abraço,
fq

Anónimo disse...

estes comentários mostram bem o quão addicting são os seus textos.

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