10 novembro 2008

A VIAGEM

Era grande a azáfama naquela casa. O pai ia partir e, como sempre em todas as viagens que fazia, os dias que precediam a partida eram agitados, com mil e uma coisas para tratar, contas a pagar, recomendações a dar, enfim, o habitual corrupio.
Desta vez, no entanto, a duração da jornada previa-se longa, tão longa que parentes e amigos tinham vindo para as despedidas e com a sua presença tinham feito alterar a constância das rotinas e provocado um significativo aumento dos níveis de ansiedade que surgem habitualmente em vésperas de uma viagem.
É justo referir que todos se dispuseram a ajudar. Tanto a mulher, como os três filhos adolescentes, desdobraram-se em disponibilidade. Corriam a executar tarefas de última hora, faziam sala com as visitas e conseguiam ainda dar umas escapadelazinhas para junto daquele que ia partir. Adiados tinham ficado os planos de fim-de-semana, as compras no “Continente”, as saídas com os amigos e os jogos de computador.
Sempre que viajava, o pai deixava sentimentos ambivalentes naqueles que ficavam. Era a mãe, que se sentia incompleta e desequilibrada com a ausência do homem com quem vinha partilhando quase tudo nos últimos 18 anos. Era o filho mais velho, cujo pragmatismo, por vezes um pouco incanitante, o impelia a considerar que “o que tem que ser, tem muita força” e a desvalorizar os sentimentos piegas que decorrem de uma separação. Era a filha do meio, que tinha saudades do pai ainda ele não tinha partido. Era, finalmente, o filho mais novo que conseguia resumir as viagens do pai a uma excelente oportunidade para receber presentes.
Esta viagem não era muito diferente das outras. Havia os que não queriam resolutamente que ele partisse e os que, conformados com a partida, apenas desejavam que a viagem lhe corresse o melhor possível.
A hora chegara. As visitas tinham regressado a suas casas no meio de desejos sentidos de felicidades e de angústias próprias da separação.
Junto daquele que partia tinham ficado apenas os mais próximos e um homem vestido de preto que se propunha fornecer-lhe as últimas tácticas para a viagem.
De entre beijos, abraços e mãos dadas, ouviu de todos o que sempre ouvira antes da partida: “Boa viagem meu querido”, “Boa viagem pai”. Fechou os olhos e foi-se.


J. Buggs

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