30 novembro 2008

O Primeiro Domingo do Advento e o sentido da vida

Hoje é o primeiro Domingo do Advento, e eu não me esqueço da minha condição de católico.
Em Setembro de 2003, o meu chefe à altura, e que me dava o gosto de ser meu amigo, morria após uma doença que o levaria em meia dúzia de meses. Nesse Natal eu escrevia à viúva uma carta de que anexo parte.
O post de hoje é dedicado a todos aqueles que celebrarão o nascimento de Jesus marcados pela dor, pela ausência, pela saudade, pela tristeza, pela angústia. Nesta época do ano os risos soam mais alegres, mais espontâneos, mais volumosos. Mas, estou certo, as lágrimas terão um sabor mais amargo, e os rostos tristes revelarão uma escuridão interior. E é esse Natal que quero lembrar agora, porque é o Natal dos que sofrem.

***

Penso que será óbvio, para todos nós, que o Natal é uma época de sentimentos extremos. Fui ganhando a consciência da realidade à medida que ia perdendo a inocência da juventude, e quando me comecei a aperceber que por trás do brilho das luzes e da voragem generosa ou comercial dos presentes se escondiam existências desgostosas e percursos sombrios. A vida ensinou-me que a dúvida que tanto me assaltou –
porque será que alguém está triste nesta época que se quer de alegria? – tinha a resposta no olhar mais cuidado para dentro do nosso próximo. A leveza com que vivemos este período encadeia-nos o coração, impede-nos de perceber as mil e uma melancolias que invadem a alma de cada um dos que circulam perto de nós. O stress de ter tudo a horas tira-nos tempo para estender uma mão, oferecer uma palavra, partilhar um momento.
O Advento já começou – está mesmo prestes a terminar – e o Natal, essa grande festa dos Homens de boa vontade, está aí à porta. Desde há algumas semanas que me lembro de si, lhe imagino o estado de espírito, lhe adivinho a tristeza inevitável. O primeiro Natal vincado pela ausência é, seguramente, difícil. É uma parte do ano marcada pelas lembranças – demasiado marcada por quem nos faz falta. Reconheço tristemente que não consigo encontrar palavras ou pensamentos que apaguem de um modo eficaz essa sombra que se instala em nós.
No meu caso particular socorri-me dos amigos, da estafada declaração ‘a vida tem de continuar’ mas, também, de uma vela chamada esperança e que nunca se deve apagar. Nem sempre a esperança de uma vida melhor – ainda que seja um pensamento legítimo – mas a esperança de não perdermos o norte da nossa vida, essa espécie de farol que nos deve guiar nos momentos mais difíceis.
É por isso que não resisto à tentação do desafio, citando-lhe parte de um escrito (Viktor Frankl) que ouvi pela primeira vez quando partilhei uma acção de formação com o seu marido.

Precisamos de aprender e de ensinar às pessoas desesperadas que, em rigor, não interessa o que nós ainda temos a esperar da vida, mas sim exclusivamente o que a vida espera de nós .
Quando um Homem descobre que o seu destino lhe reservou um sofrimento, tem também que ver neste sofrimento uma tarefa sua, única e original. Mesmo diante do sofrimento, a pessoa precisa de ganhar a consciência de que ela é única e exclusiva em todo o universo, dentro deste destino sofrido. Ninguém a pode substituir no destino, e ninguém pode substituir a pessoa no sofrimento. Mas na maneira como ela própria suporta este sofrimento está também a possibilidade de uma realização única e singular.
O sentido da vida modifica-se sempre, mas nunca deixa de existir. Podemos descobrir este sentido na vida de três formas diferentes: criando um trabalho ou praticando um acto; experimentando alguma coisa ou encontrando alguém; pela atitude que tomamos em relação ao sofrimento inevitável.
Nunca nos devemos esquecer que também podemos encontrar sentido na vida quando nos confrontamos com uma situação sem esperança, quando enfrentamos uma fatalidade que não pode ser mudada. O que interessa, então, é dar testemunho do potencial especificamente humano no que ele tem de mais elevado e que consiste em transformar uma tragédia pessoal num triunfo, em converter o nosso sofrimento numa conquista humana. Quando já não somos capazes de mudar uma situação - podemos pensar numa doença incurável - somos desafiados a mudarmo-nos a nós próprios.

***

Adeus, até ao meu regresso...

JdB

2 comentários:

Anónimo disse...

É gratificante lê-lo!
Uma lição de vida!
Estou-lhe grato, com sinceridade.
fq

Anónimo disse...

Não conhecia este segundo texto que transcreve, mas conhecia o seu conteúdo.

A resposta a cada desafio, acontecimento, etapa, da nossa vida, depende de cada um.
Não deveríamos fugir, nem fazer de conta, mas aceitar esses factos irreversíveis e que nos transcendem, senti-los, aceita-los como nossos e transforma-los...

A frase :-porquê a mim ?, não faz sentido. Se foi a mim, é porque precisava de passar por "aquilo", (...) logo vou sentir tudo o que "aquilo" me traz, e tentar perceber o que vem junto, o que aprendo, mudo, transmuto, faço (...) com essa experiência.
A resposta Positiva, é a preferível, mas nem sempre estamos aptos a dá-la, vamos errando, e se aprendemos alguma coisa, aceitamos e corrigimos os erros.

A diferença está sempre na resposta, e de acordo com o grau de consciência e despertar, assim ela será .
A propósito, lembrei-me agora das umas palavras sábias que ouvi da boca de alguém que muito considero : "todos os dias nos são lançados dezenas de anzois no nosso caminho, cabe-nos ficar presos a eles ou não." ...

E essa resposta (de algo de fora para dentro ) passa sempre por um processo de dentro para fora, por isso diz no final do texto "somos desafiados a mudarmo-nos a nós próprios"

"Quem olha para fora, sonha. Quem olha para dentro, desperta." (C.Jung)

Obrigada pelo texto, e
aceite o meu abraço

a.

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