S. Miguel, Setembro 2006 |
Dizem as vozes sensatas que não deveremos voltar aos sítios onde fomos felizes. Não sei se isso significa, portanto, que devemos voltar - ou que não faz mal voltar - aos sítios onde fomos infelizes. Percebo a frase, mas não sei se concordo com ela.
Olhemos para o cinema, para o casal romântico Rick e Ilse (Casablanca, para os menos familiarizados): o que significa We''ll always have Paris? Significa que ambos foram fugazmente felizes em Paris, até que a doença de Laszlo a impele a ficar e ele a partir sozinho, numa noitada de chuva, correria e espanto. Significa isso que não faz sentido voltarem? E imaginemos um casal de namorados oriundos de Aguiar da Beira, cinéfilos mas pouco viajados, para quem Casablanca é o filme da sua vida de amantes, visto e revisto ao som de pipocas, afagos, atenção a ruídos estranhos. Também eles poderão dizer we'll always have paris, sendo que só eles sabem o que a frase significa verdadeiramente? E ao dizer a frase sorriem de forma cúmplice?
Viajo há alguns anos. Houve sítios onde fui sozinho e voltei acompanhado. Houve sítios onde fui sozinho, voltei acompanhado e tornei a voltar diferentemente acompanhado. Houve sítios que provocaram um impacto forte dentro de mim e, para me manter ao nível de uma certa neutralidade, referirei o Rio de Janeiro. Fui sozinho, na minha primeira viagem transatlântica, com 16 ou 17 anos. O impacto foi imenso, por motivos que serão óbvios. Rio de Janeiro em 1975 não é o Rio de Janeiro em 2015. Fui imensamente feliz, por motivos puramente adolescentes. Voltei lá com a família, numa fase de ressaca. Voltei a ser feliz - só que de forma diferente. Acontece isso com o Rio, como acontecerá com outras cidades - por vezes são apenas felicidades de ordem diferente. Talvez exceptue deste raciocínio o Zimbabwe, pelas características de que se revestiu.
À hora a que me lerem estarei em S. Miguel, nos Açores. Regresso à ilha passados quase nove anos. Fui pela primeira vez em condições especiais. Talvez por isso me tenha sabido tão bem o espaço, a lonjura, o silêncio, o verde harmonioso, a ideia de uma certo paraíso na terra. Ir aos Açores pode ser (não quer dizer que o seja, ou o seja sempre) mais do que uma viagem apenas turística. Pode ser uma viagem ao nosso interior, o encontro com uma certa paz. Regresso em condições diferentes. Como sentirei tudo? O que muda em nós que pode mudar a percepção que temos dos locais que visitamos?
Sejam felizes.
JdB
1 comentário:
Em tempo:
na frase We''ll always have Paris? o que me pergunto , aquilo em que eu cismo realmente, não é tanto a invocação de Paris como último recurso , pois o paraíso será sempre a última morada, mas sim e muito mais , saber se o plural possessivo usado, é uma referência aos dois amantes necessariamente em conjunto , enquanto casal indissolúvel, ou ao contrário, é menção a cada um de per si , por desfeita a anterior comunhão.Paris para um único ser formado por dois amantes, ou Paris para dois seres que já foram, dois ex . Quem é que tem afinal Paris, o casal ou cada um deles ?
Não é a mesma coisa...
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