Emily, francesa, tinha 5 anos quando lhe foi diagnosticada uma leucemia. Foi tratada (talvez transplante, já não sei bem) mas, aos 10 anos, surgiram complicações. Os dois ou três anos seguintes foram dramáticos, tendo sido dada como (quase) perdida. Foi submetida a um tratamento inovador e, poucos meses depois, estava na escola. Poucos anos depois subia a uma montanha com 3.000 metros, empunhando uma bandeira onde se podia ler: "a chacun son Everest".
Desde 2009, talvez (e a nível internacional, porque a nível nacional já levo mais tempo) que vou assistindo aos "everests" de muita gente: gente que sobe, gente que fraqueja, gente que parte na caminhada. Acho sempre - e repito-o muito, porque me esqueço - que estes "everests" me devem ficar na memória, para relativizar as minhas montanhas aparentemente tão grandes. Grande é o "everest" de Emily e o de muitas outras pessoas como ela; as nossas montanhas, por mais altas que nos pareçam, são sempre coisinhas poucas.
Ver gente a dançar em Praga (oncologistas pediátricos, investigadores, pais, membros de associações, sobreviventes - de todos os cantos da Europa) é o mesmo que ver gente a dançar na Quinta do Lago ou num casamento de gente rica de Lisboa: são as mulheres que mais dançam, que se agitam freneticamente até ao limite. Mas em todos - mulheres, mas também homens - há um denominador muito comum: a dança como manifestação primitiva de expulsão de demónios, de toxinas, de cansaços. Há gente que dança bem, há gente que dança sem ritmo ao som de uma música que não ouviria em casa. Talvez seja a reacção a um dia de trabalhos em que se fala de cancro em crianças, de taxas de sobrevivência, de remédios que tiram as dores e que não são dados universalmente nesta Europa dos direitos dos animais, das não ofensas ao Islão, das ideologias de género. Eu sei que isto é uma grande misturada, mas o estabelecimento é meu. E sim, dancei, com gente da minha idade - uma espanhola e uma holandesa.
Estar em Praga é voltar a um sítio bonito, que continua a encantar-me. Estar em Praga é conviver com tudo: com a gargalhada, com o encontro de amigos, com a gente que se conhece, com a estatística que ofende, com a quantidade de pessoas que, podendo embelezar cirurgicamente o corpo de mulheres já de si bonitas, optam por tratar o cancro em crianças, ou com pessoas que foram afectadas por isto - pais ou sobreviventes - e que fazem disto uma (quase) cruzada.
JdB
JdB
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