Para os ingleses, um dos cenários mais cinéfilos é a catedral gótica de influência normanda, situada no Sudoeste inglês perto do País de Gales – Gloucester. Erigida sobre um antigo templo cristão do Príncipe anglo-saxão Osric (séc.VII), começou a ser edificada pelo ano de 1300 e dedicada a S.Pedro e à Trindade Indivisa, embora estas evocações originais tenham sido eliminadas no reinado de Henrique VIII, que cortou relações com a Santa Sé.
Tudo naquele rendilhado de pedra mantém a nobreza e a majestade da arte medieval, além de um toque de mistério ou não fosse uma catedral gótica, ideal para dar brilho a sagas aventurosas.
Ocupando uma área portentosa, as naves luminosas e esguias coabitam com alas labirínticas, onde os entrançados embutidos nos tectos e nos recortes dos arcos e frisos ao longo das paredes formam uma teia gigantesca, que se estende por todo o espaço e amplia o jogo de sombras.
A célebre encruzilhada entre duas alas foi percorrida incansavelmente por Harry Potter – 1º, 2º e 6º filmes. |
A riqueza arquitectónica de Gloucester transborda de vitalidade. Até os dois principais túmulos prestam homenagem em tom festivo. Apesar de acumular muitas sepulturas, sendo a mais antiga a do príncipe Osric, não carrega o peso característica da arte funerária posterior à Renascença, quando o aguilhão da morte começou a preponderar. A generalidade dos espaços medievais não visa assinalar os mortos – embora muitos ali repousem – mas erguer-se como memória esplendorosa, em 3D, de vidas marcantes. Por isso, na catedral cinéfila só as maquinações dos vivos intimidam, como o cinema bem intuiu…
Robert Curthose (1054-1134), Duque da Normandia e filho mais velho de Guilherme o Conquistador. |
Rei Eduardo II (1284-1327), com longo reinado de 20 anos mas pouco poder, viu-se enfraquecido pelos grandes senhores feudais, acabando deposto no ano da sua morte. |
Pragmaticamente, as visitas guiadas já percorrem o circuito das cenas do herói de J.K.Rowling (pormenor biográfico: foi casada com um algarvio e viveu no Sul de Portugal, antes de se lançar na escrita) atraindo um público muito novo, que se delicia a tirar selfies nos recantos mais empolgantes da série. Os truques nos filmes criaram graffitis em sangue vivo, inundações colossais, golfadas de água a irromper de brechas recônditas, labaredas inesperadas e muitos outros malabarismos assustadores, que fixam os pequenos fãs ao grande ecrã. Na visita, descobrem finalmente os segredos de bastidores, que não beliscaram o monumento milenar, mesmo com recurso mínimo aos computadores. Uma verdadeira proeza.
Além de Harry Potter, também Sherlock Holmes explorou o soberbo cenário, assim como os realizadores de «Doctor Who», «Wolf Hall» e tantos outros. Consta que os habitantes de Gloucester já estão habituados a cruzar-se com vedetas de Hollywood e britânicas, a filmarem na catedral ou no porto fluvial da cidade – outra das suas especialidades cinéfilas da terra.
Benedict Cumberbatch como Sherlock e Martin Freeman no papel de Watson, na produção mais recente da BBC, lançada no Natal de 2015. |
Se dúvidas houvesse de que a Sétima Arte se alimenta abundantemente das outras seis mais ancestrais, a sua atracção pelos melhores monumentos e por boa música ajudam a explicar o fascínio do cinema. Ficou-lhe gravada no ADN esta acumulação virtuosa de (e saudavelmente ‘viciada’ em) expressões artísticas.
Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)
1 comentário:
Não conheço o País de Gales, mas decididamente tenho de lá ir... muitos vestígios de outras eras por metro quadrado...
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