12 outubro 2010

A Árvore da Música

Sempre odiei a chamada música clássica. Durava mais do que quatro minutos e não tinha ninguém a cantar em inglês e / ou a martelar uma guitarra. Não percebia onde estava o fascínio. Ainda para mais, tudo aquilo soava a gente morta, gravado na altura em que o mundo ainda era a preto e branco. Por outro lado, as músicas em inglês de quatro minutos que ouvia na Rádio Nostalgia só podiam ser tocadas por pessoas vivas e ainda aí para as curvas. Só mais tarde é que vim a saber que em 1997 já tinham morrido o Elvis Presley, o John Lennon e o Freddie Mercury.

Até que um dia, durante um zapping e a prestar pouca atenção ao que ia aparecendo, vi por acaso um filme sobre a vida do Beethoven. Não vou dizer que o filme era de segunda categoria, porque seria ofensivo para os outros que se incluem nessa classificação. Era de terceira para baixo. E, apesar do argumento ser mau e dos actores parecerem saídos das sobras de um casting para uma novela mexicana de hora de almoço, foi aí que mudei a minha opinião em relação à música clássica.

Iniciei então a minha exploração desse universo, começando pelas obras mais óbvias e mais fáceis (geralmente as que enchem CD's com nomes como 'Classical Music for People Who Hate Classical Music', 'Classical Chill Out' ou ainda 'Classical For Beginners'), e fui seguindo para o que me recomendavam ou ia descobrindo por conta própria. E nestes seis anos ouvi tudo o que me deram - sonatas, concertos para vários solistas, sinfonias, obras diversas - passando por vários compositores e por várias épocas.

Isto não fez de mim um entendido, mas sim um grande apreciador. Nunca me refiro a uma obra dizendo que é boa ou má, classificação que implica necessariamente conhecimento técnico / teórico, mas sim em relação ao meu gosto pessoal. Por isto mesmo é possível que o que vou dizer abaixo seja, para alguém minimamente entendido no assunto, um enorme disparate ou uma constatação básica de um facto mais do que conhecido. Mas aí vai...

Gosto de olhar para a evolução da música como uma árvore: tem as suas raízes, o seu princípio (há 100, 1000, 100000 anos?, deixo o número para os entendidos) e, ao longo do tempo, surgem ramificações que se entrelaçam entre si, umas mais outras menos, mas tudo vem de uma fonte comum, e cada 'andar' novo da árvore é moldado e tem um pouco dos 'andares' anteriores.

Quero com isto dizer que, ao longo do tempo, a música foi evoluindo, e a partir do que era conhecido na altura foram criados novos géneros, formas e estilos. Algumas dessas mutações são as ramificações de que falei acima, que crescem numa dada altura, mas eventualmente o crescimento pára sem dar origem a ramos novos. Por isso é possível ouvir em música moderna (ou semi - moderna) ecos muito mais antigos. E, no caso que vou referir, com 200 anos de diferença.

Alguns andamentos de sinfonias e concertos, na situação a que me refiro são do período romântico, ficam no ouvido devido à sua simplicidade e à repetição da sua melodia. Ouve-se uma vez, e é logo decorada. São facilmente assobiáveis. Basta ouvir os três primeiros minutos dos exemplos abaixo para perceber isto.



Esta simplicidade de melodia foi transportada para a música mais popularizada na segunda metade do século XX, especialmente rock e blues. Isto é facilmente observável pelas guitarras destes géneros - aqui o termo popularizou-se como riff. A linha da melodia é simples e repetitiva, criando o mesmo efeito que os dois andamentos acima. E, tal como estes, as músicas abaixo tornam-se facilmente assobiáveis.



Estes são apenas alguns exemplos que achei que ilustravam muito bem a ideia que queria transmitir. Podia ter referido muitas outras obras: o 1º andamento do concerto para violino em Mi Menor, de Mendelssohn, uma passagem do Lago dos Cisnes, de Tchaikovsky - isto nas obras pré-século XX. No pós-século XXI: Deep Purple - Smoke on the Water, The Rolling Stones - Satisfaction.

SdB (III)

7 comentários:

Anónimo disse...

Gosto particularmente da referência que faz ao Lago dos Cisnes. Obrigada SdB(III).

Ana LA disse...

Cada vez gosto mais de o ler.
Confesso que prefiro LED Zepplin, mas sempre que tentei estudar ao som desta banda, tramei-me. Exigia muito da minha atenção e exaltava a minha "invontade" de continuar a acumulação de conhecimentos inúteis. Confesso também que hoje prefiro estudar ao som da batuta de Karajan, não fala, não grita e não canta em inglês e, acima de tudo, deixa-me espaço para, agora sim, acumular e digerir coisas interessantes.
Please, volte sempre!

Anónimo disse...

Que texto tão giro, SdB (III). Uma forma muito refrescante de analisar a genealogia da música. E admito que muito verdadeira também. Até porque faz muito sentido. Fale-nos mais sobre música... obrigada. pcp

Philip disse...

Thanks, SdB, for an interesting post. Yes, different musical genres influence each other, and it would certainly be interesting to take a course to learn more profoundly about the evolution of music.
Regarding classical music's influence on RnB/rock/pop, I am sure there must be earlier examples but it seems to me that The Beatles were among the first artists, thanks in the beginning to their musical guru George Martin, to introduce classical instruments into their genre (Yesterday, Eleanor Rigby, For No One, She's Leaving Home, etc).
Then we had the wonderful Procul Harem's Whiter Shade Of Pale (baroque Bach) and symphonic rock of The Moody Blues, followed by the pretentious complex progressive rock of Yes and Emerson Lake & Palmer (Fanfare for the Common Man), and then the brilliant orchestral pop of Electric Light Orchestra (Eldorado Overture/Can't Get It Out Of My Head,Rockaria, Fire On High, Mission, the last part of Shangri-La...).
There have also been many songs which "sample" or plagiarise or 'rockify' classical pieces, for example Deodato's Also Sprach Zarathustra (Strauss), Eric Carmen's All By Myself (Rachmaninov), ManFred Mann's Earth Band's Joybringer (Holst's Planet Jupiter) and The Farm's All Together Now (Pachelbel Canon)...

Simplicity certainly makes any music, classical or popular, more accessible and memorable. I remember Lennon & McCartney saying that if the next day they could still remember and whistle a new tune/melody they knew they had a good basis for a song. Indeed McCartney was convinced for weeks after he woke from a dream with Yesterday in his head that he must have heard the tune somewhere before, because it was so simple and so memorable. And one of England's greatest classical composers Edward Elgar remarked that he knew immediately when he composed Land Of Hope & Glory/Pomp & Circumstance March No.1 that it was a tune that arrives only once in a lifetime, a "fine popular tune that will knock everybody flat".
Finally, I found some more or less interesting articles about classical/pop music:
http://nomuzak.co.uk/against_pop.html

http://www.experiencefestival.com/a/History_of_music_-_Popular_music/id/1473568

Best wishes, PO

Philip disse...

Thanks, SdB, for an interesting post. Yes, different musical genres influence each other, and it would certainly be interesting to take a course to learn more profoundly about the evolution of music.
Regarding classical music's influence on RnB/rock/pop, I am sure there must be earlier examples but it seems to me that The Beatles were among the first artists, thanks in the beginning to their musical guru George Martin, to introduce classical instruments into their genre (Yesterday, Eleanor Rigby, For No One, She's Leaving Home, etc).
Then we had the wonderful Procul Harem's Whiter Shade Of Pale (baroque Bach) and symphonic rock of The Moody Blues, followed by the pretentious complex progressive rock of Yes and Emerson Lake & Palmer (Fanfare for the Common Man), and then the brilliant orchestral pop of Electric Light Orchestra (Eldorado Overture/Can't Get It Out Of My Head,Rockaria, Fire On High, Mission, the last part of Shangri-La...).
There have also been many songs which "sample" or plagiarise or 'rockify' classical pieces, for example Deodato's Also Sprach Zarathustra (Strauss), Eric Carmen's All By Myself (Rachmaninov), ManFred Mann's Earth Band's Joybringer (Holst's Planet Jupiter) and The Farm's All Together Now (Pachelbel Canon)...

Simplicity certainly makes any music, classical or popular, more accessible and memorable. I remember Lennon & McCartney saying that if the next day they could still remember and whistle a new tune/melody they knew they had a good basis for a song. Indeed McCartney was convinced for weeks after he woke from a dream with Yesterday in his head that he must have heard the tune somewhere before, because it was so simple and so memorable. And one of England's greatest classical composers Edward Elgar remarked that he knew immediately when he composed Land Of Hope & Glory/Pomp & Circumstance March No.1 that it was a tune that arrives only once in a lifetime, a "fine popular tune that will knock everybody flat".
Finally, I found some more or less interesting articles about classical/pop music:
http://nomuzak.co.uk/against_pop.html

http://www.experiencefestival.com/a/History_of_music_-_Popular_music/id/1473568

Best wishes, PO

Segismundo disse...

Anonimo, Ana LA e pcp,

Obrigado pelos comentarios e pela vontade de continuar a ler. Sei que daqui a 15 dias tenho pelo menos 3 leitores! Nao esta nada mal...

PO,

Thank you for your comment and for all the other examples of classical influenced pop / rock / r'n'b songs. The more we think about It, the more we realise that XX century music was heavily influenced by music from previous centuries.

SdB (III)

Philip disse...

Hi SdB, the more I think about it the less surprised should be. It is only natural that a lover of music should want, at some point in their personal musical evolution, to explore other genres. You yourself had no appreciation of "classical" music but have learnt to embrace it. Me too. Pop becomes boring, monotonous, and as in other aspects of life we humans need to find new stimuli. Pop music is generally ephemeral, at least in terms of a commercial business. Artists always are trying to market themselves as different from the rest, either by attitude or clothing fashion and appearance or by finding a new sound. So it is not surprising that serious artists look everywhere for inspiration... PO

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