15 fevereiro 2011

Duas últimas

Corria o ano de 1975, talvez, e eu passava férias numa casa onde não havia luz eléctrica, tudo se fazendo, maioritariamente, ao cheiro do petróleo. Sempre que descrevia as características próprias daquele sítio, a pergunta era fatal: e o que fazem vocês o dia todo? A resposta, essa, proferia-a com a alegria simples de quem encontrou um paraíso setembrino: nada! E era isso, no fundo, que (também) tornava aqueles dias tão inesquecíveis. A não obrigação da televisão ou das noitadas, a tranquilidade de uma noite sem programa. As semanas corriam num remanso de relógio lento, na companhia de cigarros fumados às escondidas, jogos de pingue-pongue, idas à vila para ver televisão, ou a Badajoz para comprar caramelos solano e bisnagas de leite condensado.

É nesta altura, talvez, que conheço o disco a que este post se refere. Ouviamo-lo - eu e o meu anfitrião, parceiro de post neste blogue - num gira-discos de plástico, movido a pilhas, enquanto as conversas se desenrolavam com o mesmo vagar que o fumo do português suave sem filtro, de que ambos éramos fãs. De que falávamos? Provavelmente de amores perdidos e encontrados, dos primórdios de uma política onde militaríamos ambos, de uma casa de que nos despedíamos todos os anos, porque não sabíamos se regressaríamos no seguinte.

Revivalista, eu? De todo! Eram tempos felizes, apenas, marcados pela alegria das cartas que recebíamos, não pela tristeza das que o carteiro teimava em não trazer.

JdB

3 comentários:

Ana LA disse...

Bom dia JdB.
Bela lembrança. Eu era fã, mas confesso que não me lembro daquela capa de Batman adocicado. Teria repensado o meu gosto.
Felizmente videoclips havia muito poucos e a televisão em Madrid transmitia as Carmens e as Rossios da época que nos distraiam, acompanhadas pelas dentadas em pão bimbo, recheado de ramon York e manteiga vegetal.

JdC disse...

É pena que no sítio onde estou não consiga ouvir a música. Fico-me pois pelo texto e pela memória ténue desta incursão do Rick Wakeman a solo.
O contexto era exactamente aquele que descreveste. Os "long play" tocados nessas horas de remanço alentejano incluíam também David Bowie, Genesis, Magna Carta, John Denver e muitos outros.
Tenho saudades de tudo, mas principalmente do Português Suave sem filtro. Maldita União Europeia!!

Anónimo disse...

Carissimo JdC,
Apreciei o texto e a escolha musical de que, confesso, já me lembrava mal!
Esses anos foram soberbos e despreocupados, com convulsões políticas e tudo.
A propósito de cigarros, lembro-me de, por ter passado a fumar SG com filto, ser acusado de alta traição!
Um abraço,
fq

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