EVANGELHO – Lc 3,1-6
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
No décimo quinto ano do reinado do imperador Tibério,
quando Pôncio Pilatos era governador da Judeia,
Herodes tetrarca da Galileia,
seu irmão Filipe tetrarca da região da Itureia e Traconítide
e Lisânias tetrarca de Abilene,
no pontificado de Anás e Caifás,
foi dirigida a palavra de Deus
a João, filho de Zacarias, no deserto.
E ele percorreu toda a zona do rio Jordão,
pregando um baptismo de penitência
para a remissão dos pecados,
como está escrito no livro dos oráculos do profeta Isaías:
«Uma voz clama no deserto:
‘Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas.
Sejam alteados todos os vales
e abatidos os montes e as colinas;
endireitem-se os caminhos tortuosos
e aplanem-se as veredas escarpadas;
e toda a criatura verá a salvação de Deus’».
***
Deus supera todas as barreiras, das erguidas pelos poderosos às do meu passado tortuoso
Uma página solene (Lucas 3, 1-6), quase majestosa, dá este domingo, segundo do Advento, início à atividade pública de Jesus. Um longo elenco de reis e sacerdotes traçam o mapa do poder político e religioso do tempo, e depois, inesperadamente, a mudança de rumo, a reviravolta.
A Palavra de Deus voa para longe do templo e das grandes capitais, do sacerdócio e das câmaras do poder, e chega a um jovem, filho de sacerdote e amigo do deserto, do vento sem obstáculos, do silêncio vigilante, onde cada sussurro chega ao coração.
João ainda não tem 30 anos e já aprendeu que as únicas palavras verdadeiras são as que se tornam carne e sangue. Que não se tiram de um bolso, já prontas, mas das entranhas, que te fazem sofrer e rejubilar.
Eis que a Palavra de Deus vem sobre João, filho de Zacarias, no deserto. Não é o anunciador que leva o anúncio, é o anúncio que o leva, que o persegue, que o impele: e percorria toda a região do Jordão.
A Palavra de Deus está sempre em voo à procura de homens e mulheres, simples e verdadeiros, para criar inícios e processos novos. Endireitai, aplanai, tapai… Aquele jovem profeta algo selvático descreve uma paisagem áspera e difícil, que tem os traços duros e violentos da história: toda a violência, toda a exclusão e injustiça são montes a abater.
A abater é também a nossa geografia interior: um mapa de feridas nunca curadas, de abandonos sofridos ou infligidos, os medos, as solidões, o desamor… Há trabalho a fazer, um trabalho enorme: aplanar e tapar, para se ser simples e linear. E se eu nunca for uma auto-estrada, não importa, serei uma pequena vereda ao sol.
Evangelho que conforta: mesmo que os poderosos do mundo ergam barreiras, cortinas de mentiras, muros nas fronteiras, Deus encontra o caminho para chegar até mim e pousar-me a mão no ombro, a palavra no colo, nada o detém.
Quem conta verdadeiramente na história? Quem mora num palácio? Herodes será recordado apenas porque tentou matar aquele Menino; Pilatos porque o condenou. Conta verdadeiramente quem se deixa habitar pelo sonho de Deus, pela sua Palavra.
A última linha do Evangelho é belíssima: cada ser humano verá a salvação. Cada ser humano? Sim, exatamente isto. Deus quer que todos sejam salvos, e não se deterá diante de ravinas ou montanhas, nem sequer perante a tortuosidade do meu passado ou dos cacos da minha vida.
Uma das frases mais impressionantes do Concílio Vaticano II afirma: «Já que por todos morreu Cristo (32) e a vocação última de todos os homens é realmente uma só, a saber, a divina, devemos manter que o Espírito Santo a todos dá a possibilidade de se associarem a este mistério pascal por um modo só de Deus conhecido» (Gaudium et spes, 22).
Cristo alcança todo o ser humano, todos os seres humanos, e o amor é a sua estrada. E não há nada genuinamente humano que não chegue ao coração de Deus.
Ermes Ronchi
In Avvenire
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado em 08.12.2018