Um renque colorido de lâmpadas no tecto; posters e recortes de revistas a enfeitar paredes brancas; uma nódoa persistente de óleo no chão que a vontade não venceu; meia dúzia de cadeiras displicentes espalhadas pelo local; uma música que sai de um gira-discos porque alguém puxou um braço de agulha para trás e o assentou sobre um vinil que roda a 33 rpm – ou 45, conforme. Chego-me a ti e pergunto-te se queres dançar. Os meus olhos fogem-te de nervos e ansiedade mas estou certo (há no amor o dom de uma certeza, sabes? Foi uma escritora que o disse, e quem escreve assim não mente, apenas pinta o mundo com as letras com que o vê) de que irás sorrir-me de volta, naquela cumplicidade inocente e ainda incompreensível. Claro que sim, respondeste, como quem se questiona se haverá mais alguma coisa a fazer que tenha sentido nos minutos mais próximos. Nós os dois numa garagem, como se mais nada houvesse, como se tudo se esgotasse numa rapariga que cantava we were so close, there was no room. Um cabelo comprido castanho, apartado ao meio e tombado sobre uns ombros largos; duas almas juntas na promessa de um beijo; olhos fechados, cegos para a finitude das coisas; respirações compassadas de quem vive por igual; uma música que pára porque alguém levanta um braço de agulha de um vinil que roda a 33 rpm – ou 45, conforme. Dançámos tão juntos que me deixaste marcas na alma. E é também por isso que te voltarei a convidar para dançar, nesta ou noutra garagem, com outras luzes coloridas, outras cadeiras displicentes, outra nódoa persistente que a vontade não venceu.
As melhores viagens são, por vezes, aquelas em que partimos ontem e regressamos muitos anos antes
16 novembro 2008
Músicas dos tempos que correm
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3 comentários:
Parabéns Mestre, a sua escrita está cada vez mais requintada.
Beijinhos
Lindo, João, desceu-te o santo!
Textos dos tempos que correm,
apuram-se e refinam-se a cada novo "exercício" criativo,
é deixar fluir...
abraço
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