lembras-te?
lembras-te do dia em que fintei a segurança, naquele jeito gingão e latino que herdei, talvez, da bisavó brasileira, para ir aos bastidores, no final do primeiro espectáculo teu que vi, para te apertar a mão, enquanto tu e a tua banda despiam, literalmente, os fatos que haviam envergado, durante a vossa actuação? fumavas um cigarro, ficaste admirado, mas deixaste-me entrar no teu camarim, templo - ou lá o que era..
lembras-te de um dia de meu aniversário, em que, findo o jantar familiar, numa tasquinha do nosso bairro alto, arrastei a família para o teatro são luiz, só para te ver e lhes mostrar porque razão falava tantas vezes de ti? cantava o grande carlos do carmo, quando entrámos; depois a ana moura; pouco mais tarde entraste tu, de mãos nos bolsos e esse ar displicente com que te defendes do que cantas. homenageavam o 'zé da guiné', figura mítica do bairro alto dos anos 80, que lutava contra a pobreza, a doença e o esquecimento - miserável trindade..
lembras-te de quando comprei bilhetes para dois dias consecutivos do teu espectáculo, outra vez no belíssimo teatro são luiz, porque, para mim, uma vez nunca foi medida para nada, quanto mais quando a vontade é desmedida?
lembras-te de, momentos antes de um espectáculo teu, na aula magna, nos termos cruzado, algures por aquelas bandas - tu empunhando um cabide com o fato com que irias actuar; eu, caminhando e falando de ti a uma querida amiga - e de me teres cumprimentado com um "boa noite"? as pessoas, outros passantes de ocasião, repararam e comentaram. quem seria eu, para merecer a tua saudação?
lembras-te da "pequena" actuação, em directo e com direito a uma pequena conversa com o público, para uma rádio de província, algures numa vila dos arredores de lisboa? eu sentado, por lá, com uma companhia circunstancial, sem perceber que "o fado do adeus" que cantavas era já também o meu próprio fado, anúncio de tempestades por vir?
lembras-te das viagens de quase 300 km para cada lado, em que eu, sózinho e perdido nos meus pensamentos de chumbo, levava os teus discos (tinhas 3 editados, por esses dias) e ouvia-os inteirinhos, compulsivamente, enquanto me ardia o coração?
lembras-te de cantares, num certo verão incendiado, nas ruínas do convento do carmo, para uma plateia que, por cima desse ar de agosto, olhava directamente as estrelas? e de eu pensar para comigo que há momentos perfeitos, que nunca mais esqueceremos?
lembras-te de eu, enquanto jantava com um par de muito queridos amigos, algures por alfama, ter começado uma discussão (quase séria, quase a sério) com o empregado de mesa que teimava em desvalorizar-te, quando comparado com a, para ele incomparável, "senhora dona amália", e de eu, ofendido, retorquir com voz grossa - para deleite dos meus amigos que assistiam estupefactos a uma cena improvável?
lembras-te, camané?
eu lembro-me.
lembras-te do dia em que fintei a segurança, naquele jeito gingão e latino que herdei, talvez, da bisavó brasileira, para ir aos bastidores, no final do primeiro espectáculo teu que vi, para te apertar a mão, enquanto tu e a tua banda despiam, literalmente, os fatos que haviam envergado, durante a vossa actuação? fumavas um cigarro, ficaste admirado, mas deixaste-me entrar no teu camarim, templo - ou lá o que era..
lembras-te de um dia de meu aniversário, em que, findo o jantar familiar, numa tasquinha do nosso bairro alto, arrastei a família para o teatro são luiz, só para te ver e lhes mostrar porque razão falava tantas vezes de ti? cantava o grande carlos do carmo, quando entrámos; depois a ana moura; pouco mais tarde entraste tu, de mãos nos bolsos e esse ar displicente com que te defendes do que cantas. homenageavam o 'zé da guiné', figura mítica do bairro alto dos anos 80, que lutava contra a pobreza, a doença e o esquecimento - miserável trindade..
lembras-te de quando comprei bilhetes para dois dias consecutivos do teu espectáculo, outra vez no belíssimo teatro são luiz, porque, para mim, uma vez nunca foi medida para nada, quanto mais quando a vontade é desmedida?
lembras-te de, momentos antes de um espectáculo teu, na aula magna, nos termos cruzado, algures por aquelas bandas - tu empunhando um cabide com o fato com que irias actuar; eu, caminhando e falando de ti a uma querida amiga - e de me teres cumprimentado com um "boa noite"? as pessoas, outros passantes de ocasião, repararam e comentaram. quem seria eu, para merecer a tua saudação?
lembras-te da "pequena" actuação, em directo e com direito a uma pequena conversa com o público, para uma rádio de província, algures numa vila dos arredores de lisboa? eu sentado, por lá, com uma companhia circunstancial, sem perceber que "o fado do adeus" que cantavas era já também o meu próprio fado, anúncio de tempestades por vir?
lembras-te das viagens de quase 300 km para cada lado, em que eu, sózinho e perdido nos meus pensamentos de chumbo, levava os teus discos (tinhas 3 editados, por esses dias) e ouvia-os inteirinhos, compulsivamente, enquanto me ardia o coração?
lembras-te de cantares, num certo verão incendiado, nas ruínas do convento do carmo, para uma plateia que, por cima desse ar de agosto, olhava directamente as estrelas? e de eu pensar para comigo que há momentos perfeitos, que nunca mais esqueceremos?
lembras-te de eu, enquanto jantava com um par de muito queridos amigos, algures por alfama, ter começado uma discussão (quase séria, quase a sério) com o empregado de mesa que teimava em desvalorizar-te, quando comparado com a, para ele incomparável, "senhora dona amália", e de eu, ofendido, retorquir com voz grossa - para deleite dos meus amigos que assistiam estupefactos a uma cena improvável?
lembras-te, camané?
eu lembro-me.
gi
1 comentário:
Gostei dessa sua declaração de amor, da forma arrebatada e algo nostálgica como revisitou esses momentos perfeitos que não esqueceu, da paixão como falou desta grande voz do fado, deste sentir e viver tão português.
Quando se gosta, quando se ama, uma vez sabe a pouco, "nunca foi medida para nada"...
um abraço,
a
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