Sou de extremidades frias. Tenho os pés e as mãos longe da barriga e suponho que seja esse afastamento o principal culpado de semelhante tendência para arrefecer pelas pontas, já que a minha circulação sanguínea é, tanto quanto sei, soberba, e que o meu brilhantismo, infelizmente, não tem o calibre necessário para ser responsável pelo desvio de caudal circulatório que justifique tamanho fenómeno refrigerativo nas mais afastadas fronteiras corpóreas. Não me incomodo com nada. Nem quando a sensibilidade dos dedos dos pés, já de si reduzida, se deixa substituir por uma sensação bizarra, como se me estivessem a doer os pés de outra pessoa, nem sequer quando as mãos começam a ficar gradualmente mais lentas e inúteis, exigindo atenção e mimo. Hoje, enquanto vou ignorando os pés de não-sei-quem que me vão doendo do outro lado da cama, vou fazendo o gosto às mãos, à velocidade que a temperatura vai permitindo, e vou empilhando frases compridas, cheias de vírgulas e desinteresses. Não me incomodo com nada.
Em algum momento da vida o inesperado torna-se esperado, o inimaginável real e o inaceitável torna-se, pela força das circunstâncias, aceitável.
Uma neblina intransponível figura o horizonte humano, abate-se a escuridão e o ser humano, enfraquecido, deixa que a sua esperança seja arrastada pelos ventos cortantes, sabe lá ele para onde. A sua habitual posição de lutador, de herói, vacila, ele retrai-se, baixa o olhar e deixa que os seus joelhos enfraqueçam até o derrubarem pelo chão. E assim permanece, deixando que as inúmeras e sucessivas imagens se apoderem da sua mente. Ele teme, teme tanto e é tão legítimo. O fim, seja ele de um capítulo ou de uma história, assusta-o. A noção de ponto final e de parágrafo dá ao nosso (sempre) herói uma perspectiva dura da vida já que não poderá reviver o passado no presente e no futuro. Cada capítulo é um capítulo.
E é perdido nestes pensamentos que o nosso ser humano se mantém ainda abatido sobre a terra, empregando todas as suas forças nas pálpebras de maneira a impossibilitar a abertura dos olhos. Ele deseja ser cego, acredita que a ausência de visão será certamente melhor do que aquela que os seus olhos lhe proporcionam. Domado pelo medo, sim, porque um herói também teme, ele coloca as mãos sobre a face, cerra os dedos, garantindo que nem um raio da vida real trespassa aquela camada. E nesta posição defensiva permanece por mais uns momentos.
No entanto, o seu coração, inferiorizado até ao momento por todo aquele medo e angústia, reage. Devagar, impõe-se sobre a mente, deixando que as emoções prevaleçam sobre a razão. E o nosso lutador deixa as mãos caírem; timidamente abre os olhos, encara a realidade e surpreende-se. Aos olhos do coração, o céu estava azul brilhante, apenas se sentia uma brisa acariciante. Mas ele via, no horizonte, um cenário escuro, sombrio, aterrorizador. Fechou de novo os olhos e jurou que, daí em diante, poria sempre os sentimentos à frente da razão, faria prevalecer o amor aos vícios.
Abriu os olhos, reergueu-se e seguiu caminho para um futuro longo....
Quarta-feira, dia 24 de Novembro de 2010. Apesar de nesse dia dispor de carro próprio para ir trabalhar (normalmente vou de transportes públicos), a necessidade e imperatividade de chegar a horas, obrigou-me a acordar 45 minutos mais cedo que o habitual e assim, evitar a o transito na A5 provocado pela vasta quantidade de pessoas que foram forçadas a deslocarem-se por meios próprios para o emprego .Não houve crise alguma. A folga de 3/4 de hora foram suficientes para chegar à hora devida. Acabou por ser, em larga medida, um dia como os outros. No entanto, sobra-me uma questão. Não sei se pertenço aos três milhões de portugueses “ envolvidos “ na greve, ou aos não-sei-quantos portugueses que aderiram à greve. Visto que a segunda hipótese é irreal, dado que trabalho no sector privado, que é movido a trabalho e não a megafones e gritos guevaristas, resta-me a primeira. Contudo, caramba! Só por um ajuste horário e uma alteração pontual de meio de transporte poderá afirmar-se que estive envolvido na greve? Não creio. A palavra “ envolvido “, ao meu juízo, insinua um propósito de liberdade de escolha. Eu não escolhi fazer greve.
Hoje é o primeiro domingo do Advento, o tempo de preparação para o Natal. No Domingo passado, o Evangelho de S.Mateus, tão ricamente comentado pelo meu querido colega JdB, parecia dar-nos a entender que se mudássemos à ultima da hora, se nos arrependêssemos à hora da morte, Deus nos amaria e salvaria de igual modo. Ora, de facto, uma leitura tirada do seu contexto ou do enquadramento que o Evangelista pretende dar, pode ser de difícil interpretação ou mesmo de interpretação errónea. Por isso, o Evangelho de hoje, como que “numa cena dos próximos episódios” vem dizer-nos que devemos estar preparados e vigilantes a toda a hora, porque a qualquer momento podemos encontrar-nos com Jesus e não o vermos. Não se trata, obviamente, de um encontro físico, algo paranormal ou miraculoso, mas sim o encontro com Jesus no Outro (os pobres, os aflitos, os que sofre de solidão, os perseguidos; os nossos familiares mais chegados, os amigos, os colegas de trabalho). Já tentaram realmente ver Jesus no Outro ? É tão difícil. Conseguir ultrapassar todas as barreiras pessoais, sociais e preconceituosas, ver para além do aspecto físico, para além dos preconceitos, perdoar e esquecer o mal que o outro nos fez e vê-lo, unicamente, como nosso irmão em Cristo. “O caminho faz-se caminhando”, dizia o grande poeta castelhano António Machado. E eu acrescento a vida faz-se vivendo. E também a nossa vida de cristãos faz-se vivendo o dia a dia, atento às pequenas coisas, atento aos outros, porque Cristo está nos outros, tal como está em mim.
Domingo Se Fores à Missa …………..Está atento !
Maf
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Como aconteceu nos dias de Noé, assim sucederá na vinda do Filho do homem. Nos dias que precederam o dilúvio, comiam e bebiam, casavam e davam em casamento, até ao dia em que Noé entrou na arca; e não deram por nada, até que veio o dilúvio, que a todos levou. Assim será também na vinda do Filho do homem. Então, de dois que estiverem no campo, um será tomado e outro deixado; de duas mulheres que estiverem a moer com a mó, uma será tomada e outra deixada. Portanto, vigiai, porque não sabeis em que dia virá o vosso Senhor. Compreendei isto: se o dono da casa soubesse a que horas da noite viria o ladrão, estaria vigilante e não deixaria arrombar a sua casa. Por isso, estai vós também preparados, porque na hora em que menos pensais, virá o Filho do homem.
Resposta à pergunta de há duas semanas: Amadora - Porcalhota Montijo -Aldeia Galega Pergunta da semana: Um escritor português escreveu um conto que começa assim: Adão, pai dos homens, foi criado no dia 28 de Outubro às duas horas da tarde. Como se chama o escritor e como se chama o conto? O fadista Alfredo Marceneiro estaria a pensar em Berlusconi quando cantou vive com muitas amigas aquele de quem vos falo? Os filhos ilegítimos também descendem dos antepassados? Quem estiver proibido, pelos médicos, de comer sal, também estará proibido de receber salário? Portugal precisa de dois submarinos para quê? Só se for para um ficar de reserva. Uma cantora portuguesa canta fazendo linguagem gestual; percebo. Editou um disco; não percebo. Descartes parece que adivinhou o que iria acontecer a Suu Kyi, dissidente birmanesa, quando disse penso, logo exílio.
O mundo está a mudar. Talvez mais rapidamente do que imaginamos ou queremos. Há uma nova ordem que está a emergir, sinto-o, pressinto-o. E mesmo que Portugal ainda se mantenha neste status quo intolerável por mais uns anos, o mundo, por junto, está em convulsão. Novos valores, uma nova forma de estar e uma nova consciência colectiva estão a irromper por entre as nossas mentes entorpecidas pelo dinheiro, pela ambição, pelo lucro e luxo desproporcionados, pelo esmagamento dos mais fracos e desprotegidos. Agora, diz-me quem me conhece… Quem és tu para falar sobre política, economia, sociedade ou o que quer que seja? Raramente lês os jornais! E quando o fazes, é sobretudo a secção da Cultura. É bem verdade! Mas quando os leio, ou quando vejo certos programas na televisão, apercebo-me de que há algo de diferente no ar: doações milionárias a serem feitas por bilionários; um número incontável de ONG’s dedicadas aos sectores mais frágeis da sociedade (nem tanto cá, mas às toneladas espalhadas pelo mundo); particulares, alguns meus conhecidos, que se dedicam a fazer o bem de uma forma militante; jovens para quem o sucesso profissional não faz grande sentido e com vontade de ajudar o mundo; artistas que adoptam crianças (mesmo que seja uma moda, vale a pena); vigílias de oração pelas mais variadas causas; a multiplicação dos debates de ideias, muitos transmitidos pela televisão, que, quanto mais não seja, servem para fazer-nos reflectir e sair do nosso umbigo; peditórios em prol de tudo e mais alguma coisa; intelectuais a manifestarem-se contra a situação vigente; gente endurecida e desencantada a converter-se (e outros tantos a afastarem-se, é verdade); programas na televisão a ensinarem a sermos poupados e ecológicos; greves que, em muitos casos, têm justa causa (pessoalmente, não fora a situação tremendamente débil da economia portuguesa, acho que devíamos fazer greve até derrubar este governo – e depois convidar um gentleman, com pulso e espírito de serviço, para nos liderar); organizações para a defesa do meio ambiente e das espécies em vias de extinção ou ameaçadas…
É claro que podem argumentar que as economias emergentes ainda vão provocar muitos danos neste nosso mundo já tão maltratado. Pois vão. E que esta tomada de consciência está sobretudo a acontecer nas economias há muito desafogadas, que se aperceberam dos seus erros e onde a massa crítica é maior. É verdade. Mas cada coisa a seu tempo. Os timings divinos não são os nossos. O mundo, em meu entender, é uma espécie de gigantesco puzzle com apenas algumas partes preenchidas. Há uns bocadinhos de céu, há uns cantos já feitos, umas árvores que encaixam …. mas imensos espaços em aberto. É preciso “elevarmo-nos” enquanto seres humanos para conseguirmos preencher as partes que faltam. No fim dos tempos, o puzzle estará preenchido … digo eu ….
O importante é não se ser passivo, é não se ser indiferente, como bem diz o Papa Bento XVI. Porque o Bem não vem de fora para dentro, antes brota do coração e ilumina a realidade. Se cada um de nós fizer o seu papel individualmente, não tenho uma dúvida que o "efeito dominó" será poderosíssimo. Mas tudo isto na maior simplicidade, sem apostolados irritantes e impositivos. Tudo pelo exemplo, pela serenidade, pela tolerância, pelo diálogo firme e convicto.
Chamem-me lírica ou o que quiserem. Acredito intrinsecamente nisto tudo. Não vale a pena intelectualizar a simplicidade. Isso acaba por ser uma fuga, um não saber, ou não querer, lidar com a realidade. Um acto de vaidade, em última análise. Acredito que é pelo Amor que vamos lá. E o Amor não é uma entidade abstracta, fora de nós, que de vez em quando nos envolve no seu abraço doce e nos faz sentir muito felizes e contentes. O Amor é também uma batalha. Contra os nossos lados “lunares” e contra os aspectos mais sombrios da sociedade.
Cito, uma vez mais, Santo Agostinho: Ama e faz o que quiseres (já o devo ter citado aí umas 3 vezes desde que escrevo para este blogue!).
E agora a música. Talvez A música, A MINHA música.
Já alguma vez viu um filho seu passar fome, sem que você pudesse fazer algo?
Creio que nenhum de nós alguma vez passou por nenhuma destas experiências.
Mas elas acontecem. Todos os dias. A muitas, muitas pessoas. Outras pessoas.
Isto não se passa num país longínquo qualquer, com imagens que nos chegam via CNN ou National Geographic. Não. Isto acontece no nosso Portugal. Aqui. Mesmo ao nosso lado...
Lamentavelmente, o número de pessoas que passam por estas experiências - tão estranhas a todos nós - é cada vez maior, e tem vindo a aumentar de uma forma alarmante desde que a crise se agravou no nosso país.
No próximo Sábado e Domingo (27 e 28), o Banco Alimentar Contra a Fome irá dar-nos, mais uma vez, a oportunidade de podermos ajudar algumas destas pessoas.
Como mera sugestão, que tal irmos ao supermercado e comprarmos ATUM e AZEITE (segundo a Isabel Jonet, o que mais falta faz), num valor semelhante ao que gastaríamos a jantar com a família num restaurante chique?
Em épocas de crise, devemos cortar nos gastos, mas aumentar nas doações....
Música. Fujoao tipo de música que costumo postar. Hoje sai algo mais animado, com um ritmo sul-americano de fazer suar as unhas.
Encontro. Almoçámos frente a um bom bife que, naquele dia, era a única certeza que tínhamos – para além da amizade que nos une. Falámos de mudanças radicais de vida tendo como fundo motivador a saúde que devemos a nós próprios e aos outros. Quando se falou em largar vícios – aqueles que são socialmente aceitáveis – fugimos dos conceitos da comida que sabe como se tivéssemos o palato do Adrià, da calçada que se sobe com a alegria de um Obikwelu, do dinheiro que se poupa com a satisfação de um Scrooge. Falámos de coisas muito simples - do sentimento libertador que advém de vencer uma adição. Essa liberdade – que quem estava à minha frente associou àquela que Deus nos dá – é uma motivação extraordinária. Não sei se será motivação ou recompensa. Mas vai dar ao mesmo...
Televisão (I). Oiço nos telejornais da TVI que uma das novelas da estação venceu um prémio internacional, aparentemente equivalente a um Oscar. É sempre meritório por se tratar de uma produção nacional. Vejo a entrega de prémios - um grupo de profissionais rejubila com o galardão, saltando e dando gritinhos. Destaca-se, pela sobriedade, uma das actrizes cujo nome não recordo, que se mantém sossegada perante a alegria dos colegas. Percebo, afinal, que a sobriedade não é mais do que a tarefa ingrata de tapar uns seios assaz desnudos. Talvez mais do que ingratidão possamos falar de impossibilidade, dada a escassez de tecido no local em questão. Exuberâncias...
Televisão (II). Quem me conhece sabe que sou bastante anglófilo, fazendo deste tema um debate interessante com o meu querido amigo ATM, mais voltado para as coisinhas de França. Quem me conhece sabe também que gosto do Jamie Oliver, um chef inglês que prima pela evidente falta de higiene e pelo jeito para cozinhar de forma simples. Vi-o ontem e hoje num périplo por Itália, a verdadeira capital da cozinha saborosa. Orgulhei-me da sua capacidade para falar a língua local com um sotaque de fazer inveja aos poliglotas: agradeceu profusamente, repetindo grazie mille à exaustão, mas também se dirigiu de forma calorosa aos locais, pronunciando um hombre e señorita com a generosidade dos grandes impérios.
Televisão (III). Sou fã de uma série chamada Uma família muito moderna (Modern Family). Passa na Fox Life e faz-me rir sozinho em casa, o que é a maior prova (digo eu...) da sua qualidade. Não perca, numa televisão próxima de si.
Política. Sou só eu, ou já algum dos meus fiéis leitores deu por si a ter pena do Manuel Alegre, pela pobreza do que diz, por aquilo que me parece uma quantidade enorme de clichés por segundo? Quando o oiço prefiro esquecer-me do Manuel Alegre político e lembrar-me do outro Manuel Alegre, o do Meu amor é marinheiro. Depois, já conformado, ocorre-me o pensamento cujo autor me foge: sei que a poesia faz bem, mas não sei a quê...
Enquanto a maioria das pessoas tem sorte se tiver um cliché que as caracterize na perfeição, para o protagonista desta história existem três ou quatro frases-feitas que lhe assentam como uma luva. Onde quer que fosse, entrava mudo e saía calado. Não tugia nem mugia, e tudo o que lhe aconteceu na vida começou e acabou sem ai nem ui. Nunca ninguém lhe ouviu uma queixa, um protesto ou uma frase mais exaltada. Mas também nunca disse um elogio, uma palavra simpática a um amigo ou promessas eternas a um amor de juventude. Na verdade, nunca ninguém o ouviu dizer fosse o que fosse.
Ao contrário da maioria dos bebés, nasceu sem os choros e gritos habituais, e esse silêncio inicial manteve-o até à morte. Os pais fizeram todos os exames, testes e análises possíveis. Levaram-no a médicos, médiuns e psicólogos. Ninguém descobriu qualquer problema. Só restava uma hipótese: o silêncio crónico era opcional. Não falava porque não queria.
Ninguém sabe se foi o nome que lhe deu o conteúdo ou ele que deu sentido ao seu nome. A única certeza é que Carlos Calado era mudo.
Mas essa sua característica não o impediu de ter uma vida escolar normal. Aprendeu as letras e os números. A escrever e a fazer contas. Tão bem ou melhor, já que era mais calado do que os colegas de turma. O maior problema foi com a leitura. Como não lia alto era difícil perceber se o sabia fazer ou não. Os seus professores não se preocuparam muito com isso. 'Nunca há de ganhar a vida como orador', pensavam eles.
A sua mudez também não o impediu de formar família. Conheceu uma mulher que trabalhava como telefonista numa empresa movimentada, e cujo maior desejo era o de, após o trabalho, voltar para casa e ter à espera alguém que não quisesse conversar. Era o casamento perfeito. E viveram neste arranjo ideal até ao dia em que ela fez uma descoberta inesperada.
Quando a telefonista se preparava para se deitar, já o Carlos estava naquele estado intermédio de vigília, fez uma pergunta alto para si própria. E, em vez de ouvir apenas o seu pensamento como resposta, escuta uma voz entaramelada atrás de si. Faz outra pergunta e acontece o mesmo. Era o Carlos que, no seu sono, respondia inconscientemente às perguntas que ela fazia de si para si. Uma pergunta atirada para o ar dava direito a uma resposta meio adormecida.
A partir dessa descoberta, todas as noites passou a fazer o mesmo. Fingia arrumações e ocupações e, quando Carlos estava no estado sonolento de vigília, começavam as perguntas. Foi com isto que começaram a surgir as curvas num caminho que, até esse ponto, tinha sido feito suavemente em linha recta.
Começou pela voz que nunca ninguém tinha ouvido. Era aguda e esganiçada, incomodativa. E acabou no conteúdo das respostas. Descobriu coisas que não queria, percebeu que muitas ideias que tinha sobre ele estavam erradas. O Carlos mudo, com quem partilhava o silêncio durante o jantar, era diferente do Carlos que falava durante o sono. E este facto foi o suficiente para que ela decidisse pôr um ponto final na relação.
Decidiu sair de casa e acabar tudo. Quando lhe comunicou a decisão, o Carlos perguntou, com a ajuda de um lápis e de um papel, 'porquê?'. E a telefonista limitou-se a responder-lhe 'pelas coisas que me disseste'.
Há prémios tão certeiros, que se tornam marcos luminosos e quase intemporais dos bons trabalhos realizados num qualquer campo do saber.
Assim é o Melhor Vídeo Criativo do Youtube, em 2007, a premiar a divulgação de 500 anos da pintura ocidental, que desliza ao som de uma Sarabande de Bach(1). Uma combinação espectacular, da autoria do norte-americano, Philip Scott Johnson. O tema é maximamente estético (digo eu), anunciado por um títulosimples e directo «WOMEN IN ART». Só por isso, uma aposta ganhadora.
Começa com um ícone russo, do século XII. Daí salta para o Renascimento. Depois avança, suavemente, até ao terceiro quartel do séc. XX, num fading de imagensmaravilhosamente fluído, que se vai transfigurando em 90 rostos inspiradores. Um soberbo desfile de musas que, ao longo dos séculos, dezenas de pintores (e apenas duas a três pintoras) imortalizaram na tela. Vale a pena lembrar alguns, para se antecipar a qualidade da selecção de Johnson, que reúne Novgorod, Leonardo, Titian, Botticelli, Raphael, Dürer, El Greco, Rubens, Fantin-Latour, Corot, Renoir, Manet, Gauguin, Klimt (por acaso, numa imagem pouco conhecida e que não faz plena justiça à sua genialidade ímpar), Matisse, Magritte, Modigliano, Dali ou Picasso, a fechar a colecção com várias obras.
A propósito de musas, contava Arpad Szenes e Helena Vieira da Silva(2)um episódio passado com Henri Matisse e revelador da importância da cor na pintura. O pintor francês terá sido abordado por um daqueles discípulos cansativamente zelosos, mas de pouca sensibilidade, que lhe teria perguntado: «De que cor, Mestre, é o chapéu dessa senhora?». Referia-se a uma tela do período fauve, com um rosto feminino afilado e vestido preto sóbrio, a realçar um leque colorido e um chapéu em tons espampanantes. Resposta desencorajante mas clarificadora do mestre: «É preto, evidentemente!»
Femme au chapeau, 1905, Museu da Moda, S.Francisco, EUA
As próprias tonalidades imprevisíveis do fundo já indiciam uma concepção cromática muito desligada da representação figurativa da realidade, que explicam a reacção do pintor.
Ao aprofundar a relevância da paleta de tintas na arte pictórica, Malraux comentava a célebre tela de Vieira da Silva La Bibliothèque rouge (uma das muitas bibliotecas que pintou), observando: «Este quadro é vermelho,mas para se tornar vermelho tem de conter todas as cores.»
E Arpad como que desvenda o segredo guardado nos ateliers: «A Vieirapintou La Bibliothèque rouge em pequenas pinceladas de várias cores, as quais gravitam em torno umas das outras e se transformam em luz vermelha.»
Vieira completa: «Existem sete cores apenas, mas tantos cambiantes»
La Bibliothèque, 1948-1949
Bibliothèque en feu, 1970-1974
Vale a pena ler o testamento originalíssimo de Vieira da Silva sobre o simbolismo dos tons:
«Deixo aos meus amigos Um azul ceráleo para voar bem alto um azul cobalto para a felicidade um azul ultramarino para estimular o espírito um vermelhão para que o sangue circule alegremente um verde musgo para acalmar os nervos um amarelo de ouro: Riqueza um violeta cobalto para o devaneio uma garança porque deixa ouvir o violoncelo um amarelo bário: ficção científica, brilho, esplendor um ocre amarelo para aceitar a terra um verde veronese para a memória da Primavera um índigo para que o espírito se ajuste à tempestade um laranja para treinar a vista de um limoeiro ao longe um amarelo limão para a graça um branco puro: Pureza terra de Siena natural: a transmutação do ouro um negro sumptuoso para ver Ticiano uma terra de sombra natural para aceitar melhor a melancolia negra uma terra de Siena queimada para o sentimento da durabilidade.»
A questão da cor é central na pintura, como o demonstra o diferendo entre Matisse e o discípulo equivocado. Porque tem menos a ver com a exuberância cromática de um feltro de plumas e bem mais com a relação entre a realidade e a arte! É, por isso, fracturante aquela disparidade de mundividências. Uma distância nada fácil de transpor pela lógica, mas que se esfuma em face do Belo, como intuía Dostoievski: «A beleza salvará o mundo».
Diria que se inscreve na mesma senda a visita guiada por Johnson a grandes colecções de Museus míticos, como o Louvre. Pelo menos, é um livre trânsito para aceder a alguns corredores, sem restrições geográficas ou horárias nem canseiras burocráticas. Ou simplesmente uma maneira de começar bem a semana.
Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas, numa Segunda-feira)
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(1) Suite No. 1, BWV 1007 de Bach em Sol Maior - Sarabande, executada por Yo-Yo Ma.
(2) Alusão à entrevista de Anne Philipe ao casal pintor, reportada em «O Fulgor da luz: conversas com Maria Helena Vieira da Silva e Arpad Szenes», Edições Rolim.
Hoje é Domingo, e eu não esqueço a minha condição de católico.
Coube-me em sorte, nesta divisão quinzenal com a minha amiga MAF (que ela vence como se eu fosse um indigente destas coisinhas da religião...), um dos evangelhos de que mais gosto, e que talvez oiçamos com particular atenção por alturas da Páscoa. É um trecho que, além de me comover, tem um efeito que talvez outros sintam, mas que tenho dificuldade em explicar por palavras - o reforço da minha Fé.
Para muitos, este evangelho é um mistério - no que a expressão tem de mais corriqueiro. Então basta o arrependimento no último instante e já está? Paraíso connosco? E a justiça com os que se portaram bem a vida toda? Basta um último esforçozinho e é a porta grande que nos garante a eternidade, ao lado dos impolutos de sempre? Onde está, então, a equidade?
Abraçar este texto é abraçar a certeza de que a justiça divina não se rege pelos nossos critérios humanos de recompensas / castigos.
Abraçar este texto é abraçar a certeza de uma verdade reconfortante, que se radica em algo em que não vemos mas em que acreditamos. Em algo que veremos, porque acreditamos.
Abraçar este texto é abraçar a certeza de que ambos os ladrões são filhos de um Deus que olha para eles por igual.
Abraçar este texto é abraçar a certeza de que o Céu somos nós que o construímos, que o inferno só existe nos nossos corações.
Abraçar este texto é abraçar a certeza de um Deus que não é senão Amor.
Bom Domingo para quem me lê.
JdB
EVANGELHO – Lc 23,35-43
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
Naquele tempo,
os chefes dos judeus zombavam de Jesus, dizendo:
«Salvou os outros: salve-Se a Si mesmo,
se é o Messias de Deus, o Eleito».
Também os soldados troçavam d’Ele;
aproximando-se para Lhe oferecerem vinagre, diziam:
«Se és o Rei dos judeus, salva-Te a Ti mesmo».
Por cima d’Ele havia um letreiro:
«Este é o Rei dos judeus».
Entretanto, um dos malfeitores que tinham sido crucificados
insultava-O, dizendo:
«Não és Tu o Messias?
Salva-Te a Ti mesmo e a nós também».
Mas o outro, tomando a palavra, repreendeu-o:
«Não temes a Deus,
tu que sofres o mesmo suplício?
Quanto a nós, fez-se justiça,
pois recebemos o castigo das nossas más acções.
Mas Ele nada praticou de condenável».
E acrescentou:
«Jesus, lembra-Te de Mim, quando vieres com a tua realeza».
Jesus respondeu-lhe:
«Em verdade te digo: Hoje estarás comigo no Paraíso».
Uma reportagem de Macau mostra o "eng." Sócrates em calções e camisola a correr. O Doutor Salazar não corria, usava camisola interior, ceroulas e botas, mas governava bem. Sócrates terá "corpore sano" mas o que se lhe pede é "mens sana".
Benfica, Braga e Sporting: está a vir ao de cima que estão por baixo.
Auto-estima: diz-se de quem trata bem os automóveis.
O novo gosto - Mau
Nunca tive curiosidade em ir ver a escultura do Cutileiro que está ao cimo do Parque Eduardo VII, que representa uma homenagem ao 25 de Abril e a que já chamam o pirilau,dado o seu formato; para mim,
é um amontoado de pedras que sobejaram de alguma obra.
No entanto sou capaz de adivinhar o que Cutileiro disse quando começaram os comentários desfavoráveis: já cá tenho o meu, vão todos para o pirilau.
Penso que o Dr. Cavaco Silva é Católico e, como tal, devia ter beijado a mão a Sua Santidade; ser Católico é mais importante que ser Presidente da República ou que o Protocolo do Estado. Não se é só Católico, é-se Católico, Apostólico, Romano. Se é Apostólico deve dar testemunho, ainda que tenha de arrostar com críticas. Os Reis de Espanha beijaram a mão ao Papa; os Príncipes das Astúrias também.
Sou Monárquico mas tenho pena que o Presidente da República seja tão pequenino.
talvez a imortalidade também seja isto: fechar um livro, embriagado ainda pelas palavras-bisturi, e sentir os braços tremer, a pele arrepiar-se, o sangue a carburar em silêncio e fúria.
a transfusão de sangue entre autores e leitores não é, em certas tardes, bonita de se ver. mas, como junto a tantas camas de hospital, há operações simplesmente necessárias.
nunca pensei aproximar médicos e poetas, num arremedo de poema. mas a verdade é que uns e outros têm, à sua maneira, o dom da vida.
faltam aspas, no verso anterior, claro, mas não é o meu melhor dote exercer a pontuação mais exacta.
os médicos juram defender a vida "hasta la muerte", discutindo acesamente a morte consentida - basta ler jornais banais para o sabermos.
já os poetas não pensam nisso, aposto. mas deviam. também eles prolongam certas vidas, para além da última oportunidade.
sem juramento ético, alegam o quê estes miseráveis?
a grande irmandade do desespero não aceita desistências.
"Caros audiophiles, last night I was knocked out by a fantastic concert at the Royal Albert Hall by Paolo Conte. It was one of those events where you wish all your friends were also present.
Before, I was not familiar with his oeuvre, I knew only his name. But now I need to tell the world. I had understood that he was the Italian Leonard Cohen - poet, singer-songwriter, gravel voice - and this seems somewhat true, although I do not speak or understand Italian. But Paolo Conte inhabits a different more expansive musical world, not acoustic folk, but jazz swing and late night smokey bars and latin tango and french chanson and romantic classicism.
I am told that his CDs are wonderful but that his real reputation is live performance. On the evidence of last night this must be true. He appears on stage, almost apologetically, like an eccentric uncle. reminding me of Victor Borge. He acknowledges his audience but does not speak except to highlight the brilliance of his musicians. In fact he does not speak to the audience throughout the concert, almost as if he is playing for his own pleasure. Yet this is part of his charm, and we listen more attentively. And even though I understand few of his words, I follow his facial expressions and bodily movements and can see the humour in his eyes. He is idiosyncratic and playful with panache.
And of course his character is reflected in the music. I could not have enjoyed the evening so much if he was not accompanied by such a talented band of musicians, most of whom are multi-instrumentalists - one moment playing a clarinet, the next moment an accordian, one moment a saxophone the next a marimba, first a guitar then a piano. And I cannot forget his amazing drummer/percussionist. Or his violinist who sometimes played like a sad romantic street-corner musician and then suddenly demented like Stephane Grappelli at the Hot Club of Paris.
The musical arrangements incorporate jazz, swing, latin, and sometimes the rhythms of a carnival or a gipsy or circus band, sometimes all in one song. Surprising and uplifting. Another time he is playing what sounds like a ballad of love and then deflates the scene with a few notes on a kazoo (like the sound we made as children using a comb and paper).
Paolo Conte seems to take his music seriously, but not too seriously. I think he must enjoy life immensely.
If you are not already familiar with Paolo Conte, I suggest that you discover more on the internet. I can tell you also that he will be performing next May 2011 at CCB in Lisbon and I urge you to get tickets NOW. You will leave with a smile on your face and in your heart. I hope to be there too,
But for now, I have selected a few videos to give a flavour of his different styles and his wonderful musicians. Sadly I cannot find any with his (new) violinist, so you must go to his concert!
And if any of you reading this article is familiar with Paolo Conte's poetic lyrics, I would be happy to read your comments (in Portuguese or in English).
Sotto le stelle del Jazz:
Sparring Partner:
Via con Me (It's Wonderful):
Elegia:
Avevo una passione per la musica I had a passion for music Di ruggineRust Nerastra tinta a caldo di caligine Blackish color hot haze Metropoli Metropolis Le tentazioni andavano e venivano The temptations came and went Cosa farò di me? What will I do with me?
Guidavo nella notte ferma immobile I was driving in the still fim night Friabile Fragile Venivo da una valle dove annuvola I came from a valley of cloud Nell'umido Humid Sentivo sulle spalle un bel solletico I felt quite a tickle on my shoulder Tu cosa vuoi da me? What do you want from me?
Lasciando alla mia infanzia Leaving my childhood Ogni ingenuità sensibile Each ingenuity sensitive L'amore è uno stregone un fuoco Love is a fire wizard Isterico magnifico Hysterical magnificent Carezza di una mano che semplifica Caress of a hand that simplifies Cosa sarà di me? What will become of me?
L'abbraccio adulto in un silenzio The adult in a silent embrace Scenico visibile Visible scene L'incendio è la stagione The fire season Delle tenebre bellissime Beautiful darkness Avevi fatto in aria un incantesimo You had made a spell in the air Tu cosa sei per me... What are you for me ...
Telefonema. 6ªfeira jantava com amigos. Casa nova e cheia, com um ruído de fundo feito de conversas soltas, próprias de quem inicia um fim de semana fagueiro sem previsão de borrasca. Toca o telefone. Retiro-me para um canto da sala, poupando incómodos próprio e alheio. Do lado de lá do éter, alguém por quem nutro admiração e amizade especiais descreve-me a situação: uma intervenção cirúrgica, uma análise e uma acção em função de... Voltado para uma janela, tendo pela frente uma noite mansa, uma piscina iluminada e uma cascata pujante, vou ouvindo, respondendo e oferecendo: é preciso alguma coisa? Amanhã? Domingo? Sempre? Tento oferecer uma voz confiante e com a firmeza de um ponto final a quem me telefona com umas reticências e um ponto de interrogação. Tento mostrar, na impessoalidade de um telemóvel com ruído de gente animada por trás, que a minha amizade é tão grande como aquela que levou alguém a partilhar o sufoco numa 6ªfeira, jantava eu com amigos.
Blogues. Não sou vasto frequentador de blogues. Tenho uma lista relativamente desactualizada do lado direito deste espaço. Interesso-me pouco por blogues de politica, visito regularmente alguns outros com cujos donos me cruzei ou de quem sou amigo. Conheci a Luísa num jantar de bloguistas, mas já a seguia no Nocturno. Sugiro que a visitem no Beira-Tejo, um espaço que prima pelo bom gosto dos textos e pela qualidade das fotografias. Antes de a conhecer adivinhava-lhe uma máquina fotográfica xpto. Enxovalhou-me, revelando que tem um equipamento vulgar de lineu. A mestria está no olhar, mais do que na técnica. Envergonhado, quis cantar como o fado: desculpa, mãezinha, ser tão pouco.
Histórias. Cumprem-se, em Janeiro próximo, quatro anos de mudança radical na minha vida profissional. A maior parte do meu tempo de trabalho é passada hoje em dia em casa, tentando gerir o trânsito entre o quarto e o escritório, duas assoalhadas intervaladas por um "coto" de corredor e uma parede de alvenaria. Vivo feliz, suportado nas minhas rotinas, nas minhas disciplinas, habitante felizardo de um Monte Estoril que é uma aldeia - no que isso tem de bom. Há algumas desvantagens, uma das quais partilho: a ausência de contacto profissional humano retira-me (também) as ideias para histórias mais leves. Às vezes olho para o que escrevo e lembro-me da frase que alguém disse ao seu próprio filho: tenho medo de que te estejas a tornar num grande maçador...
Livros. Com um atraso de algumas dezenas de anos, comecei a ler o Guerra e Paz. Quatro volumes quatro, como se diria em linguagem taurina. Perante o riso escarninho de alguns dos meus leitores por esta falha cultural tão abjecta, direi em minha defesa: aguardei todos estes anos por uma tradução directa do russo para a nossa língua pátria. Chega como argumento? Intercalarei com livros que gente generosa me oferta, pelo que levarei o último volume para o lar de terceira idade - aquele que os meus descendentes me escolherem, e que assistirá à minha incontinência, assim como ao fio de saliva que escorrerá pela comissura dos lábios.
Música. Gosto de violoncelo. É talvez o instrumento musical com o som mais triste que conheço, mesmo considerando o som triste do oboé, nas palavras do Eça. Fechem os olhos, oiçam parte do 2º andamento do concerto de Dvorak e elogiem o meu bom gosto - por convicção ou amabilidade. Não preciso de mais nada...
Por norma, estico-me devagar, sobretudo porque ao comprido o sono se apressa, e aguardo, num sossego mudo, que a noite me desça também sobre os olhos. Tenho tido saudades tuas. O Outono tem o condão de espicaçar a lembrança do teu corpo enroscado no meu, num novelo de calor. Pode ser que seja do frio, meio irmão da solidão, ou pode ser só mariquice, de qualquer forma, a tua ausência deixa-me suficientemente inquieto para rebolar uns minutos inconformados. Pensava que podia armar-me em homem e adormecer logo tudo de uma vez, te-lo-ia feito, noutro tempo, antes de te saber a outra metade da minha noite, mas agora já não consigo. Tenho tido saudades tuas.
Num recente relatório do PNUD 2010 foram conhecidos os actuais níveis de desenvolvimento humano de 135 países.
Ao ler e observar o relatório, a primeira coisa que empolou o meu pensamento foi, não o ordenamento classificativo do documento (diga-se a verdade, em nada surpreendeu), mas o facto de todos as declarações da extrema esquerda, adeptas de estados-papão que em tudo interferem e tudo consomem, estarem completamente deslocadas da realidade. Declarações essas que tentam incutir nas populações a ideia de que o estado deveria ser dono e patrono de todos, que a todos pode providenciar os diversos serviços e todos pode assistir socorrendo-se de um abundante poço sem limite que, existindo, estaria na posse de meia-dúzia de capitalistas e especuladores.
Veja-se o caso dos três primeiros classificados da lista: Noruega, Austrália e Nova Zelândia. O que têm em comum? Regime monárquico. Segundo o sindicalismo ortodoxo e o marxismo utópico, a monarquia é um regime assente em direitos de nascimento para uns e opressão e exploração para outros. Na verdade, o relatório das nações unidas demonstra que a humanização dos povos não está conectada com Reis ou Presidentes. Está associado à democracia representativa, ao respeito pelos direitos humanos, à liberdade de escolha e à livre iniciativa. Encarando a Noruega como um caso à parte, que além de um sustentável Estado-providência dispõe de uma, até hoje, inesgotável extracção e produção de petróleo do Mar do Norte, Austrália e Nova Zelândia, não se podendo recorrer de nenhum recurso mineral de particular relevância, são Estados liberais, amplamente democráticos, em que a liberdade de escolha e o respeito pela propriedade privada são direitos inabaláveis.
O último da lista é o Zimbabwe. É bom recordar os elogios de que foi alvo, nos anos 80, Robert Mugabe pela vaga de nacionalizações e expropriações que desencadeou. Em 2010 verifica-se que essa política conduziu a antiga Rodésia à cauda do mundo relativamente ao Índice de Desenvolvimento Humano e a uma inflação de 250.000.000% nos últimos 4 anos. Para se ter a noção: recentemente foi injectada na economia a nova nota de 1 trilião de dólar do Zimbabwe que, ao câmbio actual, corresponde a uns míseros 20 euros.
Continuando a deambulação pelo documento, salta à vista a classificação das antigas repúblicas soviéticas. De todos os países de leste que lograram a independência no processo de 1989/1991, os únicos que apresentam resultados descendentes e insatisfatórios são: Federação Russa, Ucrânia e Bielorussia.
Federação Russa: depois de uma aparente abertura e democratização desencadeada a meias por Gorbatchev e Boris Iéltsin, foi à 10 anos tomada por um ditador e opressor chamado Vladimir Putin.
Ucrânia: Enquanto Putin mandar no Kremlin e detiver o poder de fechar a torneira de gás ao povo ucraniano, será muito complicado eleger um governo democrático de matriz ocidental em Kiev.
Bielorussia: desde 1994 governada sob o cunho ditatorial de Alexander Lukashenko.
Destaque para os três países bálticos que obtiveram um verdadeiro milagre de crescimento económico e humano.
Nota: não seria intelectualmente honesto ignorar o impressionante crescimento que se deu na China. Apesar de estar a anos-luz da democracia e do pleno respeito pelos direitos humanos, desde as reformas de Deng Xiaoping, centenas de milhões de chineses passaram da extrema pobreza para a classe média consumidora.
“Haverá choro e ranger de dentes ... tudo será destruído”.Este não é o tipo de discurso que esperamos ouvir da boca de Jesus. Nem é o tipo de mensagem que queremos ouvir para nós próprios.Nós queremos ouvir coisas boas, queremos que nos digam que não há qualquer problema, que tudo vai correr bem, que não vamos sofrer, que não vamos passar fome nem sede, que a nossa família vai ser muito feliz. Queremos ouvir que o mundo não vai acabar, que os nossos amigos e familiares vão viver para sempre. Queremos ouvir que a natureza é perfeita e que não há terramotos nem outras catástrofes naturais. Queremos ouvir que a guerra acabou e o ser humano aprendeu a viver em paz.Ao invés, Jesus vem dizer-nos que tudo isto irá acontecer e que, ainda, iremos ser perseguidos e ostracizados.Mas o pior de tudo ainda está para vir. É que, perante tais calamidades, Jesus pede-nos que fiquemos calados e que confiemos n’Ele totalmente, pois Ele advogará em nossa defesa.Livra !
Mas que grande prova de confiança nos é pedida. Não sei se a minha fé alguma vez chegará a atingir este nível. Confesso que não me estou a ver, calada e quietinha, enquanto me injuriam ou me maltratam. Mesmo sabendo que a minha alma só Deus a pode salvar, não tenho santidade suficiente para uma entrega desta natureza.
E isso fez-me pensar e equacionar até que ponto a minha fé é frágil. Até que ponto é que a minha fé é um puro exercício mental, uma série de conceitos e pensamentos a que chamo fé ? Uma série de acções, símbolos e rituais que são repetidos vezes sem conta, em nome de uma fé que, afinal, pode nem sequer existir ? Até que ponto a minha fé não é senão fruto da minha imaginação ? Jesus Christ .....isto é por demais assustador. Deixo a questão em aberto !
Domingo Se Fores à Missa .......... Equaciona a tua fé !
Maf
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
Naquele tempo, comentavam alguns que o templo estava ornado com belas pedras e piedosas ofertas. Jesus disse-lhes: «Dias virão em que, de tudo o que estais a ver, não ficará pedra sobre pedra: tudo será destruído». Eles perguntaram-Lhe: «Mestre, quando sucederá isto? Que sinal haverá de que está para acontecer?». Jesus respondeu: «Tende cuidado; não vos deixeis enganar, pois muitos virão em meu nome e dirão: ‘Sou eu’; e ainda: ‘O tempo está próximo’. Não os sigais. Quando ouvirdes falar de guerras e revoltas, não vos alarmeis: é preciso que estas coisas aconteçam primeiro, mas não será logo o fim». Disse-lhes ainda: «Há-de erguer-se povo contra povo e reino contra reino. Haverá grandes terramotos e, em diversos lugares, fomes e epidemias. Haverá fenómenos espantosos e grandes sinais no céu. Mas antes de tudo isto, deitar-vos-ão as mãos e hão-de perseguir-vos, entregando-vos às sinagogas e às prisões, conduzindo-vos à presença de reis e governadores, por causa do meu nome. Assim tereis ocasião de dar testemunho. Tende presente em vossos corações que não deveis preparar a vossa defesa. Eu vos darei língua e sabedoria a que nenhum dos vossos adversários poderá resistir ou contradizer. Sereis entregues até pelos vossos pais, irmãos, parentes e amigos. Causarão a morte a alguns de vós e todos vos odiarão por causa do meu nome; mas nenhum cabelo da vossa cabeça se perderá. Pela vossa perseverança salvareis as vossas almas». Palavra da salvação.
Resposta à pergunta da semana anterior Os Estados Unidos da América compõe-de 50 estados um dos quais se chama Washington, cuja capital é Olympia. (agradeço a ML a colaboração; já aprendeu os meus truques). Equilibrar compõe-se de equi (igual) e libra (balança) pelo que dizer os pratos da balança estão equilibrados afigura-se-me um pleonasmo. Basta dizer os pratos da balança estão equi. É possivel haver alguém que se saiba quem é o pai e não se saiba quem é a mãe? É. Adão era filho de mãe incógnita. As médicos não passam receitas; passam despesas. O fadista Alfredo Marceneiro fazia lavagem de dinheiro Pois é. Todas as notas que ganhava eram por ele lavadas, penduradas na corda da roupa e, quando estavam secas, punha-lhes água de colónia. Fala-se muito na retoma; não sei o que é. Bordalo Pinheiro criou uma figura que usa os dois braços para sublinhar TOMA. Quantos braços serão precisos para a retoma? Já alguém reparou nos anglicismos que estão no fado e no folclore português? Licor Bailey - Bailaste, bailaste, bailaste, bailei. Monday (2ª feira) - Mandei a saudade embora. Ice (gelo) - Ai se os meus olhos falassem... I (eu) - Ai Mouraria... Pergunta da semana Antes de se chamarem Amadora e Montijo, como se chamavam estas cidades.
A propósito da grande novidade introduzida este ano na programação da nova temporada Gulbenkian, resolvi escolher esta aria do L’Elisir d’Amore, do Donizetti. A propósito da novidade e porque adoro ópera, bem entendido.
Excessiva, exagerada, dramática, elitista e, claro, extremamente cara, a ópera é, para mim, o apogeu, tantas vezes sublime, do extraordinário casamento das artes musicais, do teatro e da cenografia, enquadradas por um virtuosismo vocal, às vezes quase surreal, que não deixa indiferente quem as presencia e ouve.
Talvez por isso mesmo, e à semelhança de outros países europeus, a Gulbenkian resolveu incluir algumas óperas na sua programação para o ano 2010/2011. Este ano é possível assistir, no Grande Auditório da Av. de Berna, à transmissão em directo, a partir do Metropolitan de Nova Iorque, de um conjunto de óperas que começam já no próximo sábado com o Dom Pasquale do Donizetti, passando pela Traviata do Verdi em Abril do próximo ano, com algum Wagner, e outros, à mistura.
Os bilhetes são baratíssimos e a ideia excelente. Assistir numa mega tela - ou seja, "quase lá" - à chegada das pessoas, ao frenesim que antecipa os grandes eventos, o presenciar o afinamento dos instrumentos musicais, o movimento da câmara e os grandes planos da sala de espectáculos e de senhoras e senhores impecavelmente vestidos ou, antes pelo contrário, de jovens totalmente baldas mas profundamente apaixonados por uma arte que não é do seu tempo, é, a meu ver, algo de verdadeiramente estimulante.
E é também o sentirmo-nos enquadrados por um ambiente cosmopolita, de verdadeiro luxo intelectual e artístico, numa ilusória sensação de pertença a um mundo ao qual só temos acesso quando viajamos. Lamentavelmente (ou não), estamos longe, muito longe, deste nível de cultura, desta oferta do que há de melhor no mundo a nível artístico. Para mim, que gosto de cultura, isto é mais ou menos heaven. Mas don’t take me wrong! Não quero com isso dizer mal do meu país, tão fustigado pela comunicação social nos últimos tempos, tão maltratado pelos nossos governantes e tantas vezes por nós próprios. Basta ler os jornais, revistas, assistir a determinados programas na RTP2 ou ler a Time Out Lisboa e Porto, para nos apercebermos que o panorama das artes e da cultura em Portugal está cada vez melhor. E que os prémios se vão acumulando. E que a nossa visibilidade lá fora é cada vez maior. E que os nossos criadores se têm desdobrado em obra feita, alimentados por referências nacionais e influências estrangeiras, agora que vivemos num mundo cada vez mais global. Por isso não me interpretem mal! Adoro o meu país – então da nossa arquitectura nem se fala (a minha preferida de todas as que conheço) -, o Rui Veloso, o Rodrigo Leão, os fadistas de outros tempos (talvez à excepção da Kátia Guerreiro), a nossa língua, os nossos Miguel Torga, Eça de Queiroz ou Fernando Pessoa, a nossa poesia (nomeadamente a do gi!), as nossas livrarias antigas, a moda do José António Tenente, o programa Bombordo, a efervescência do Chiado, a beleza da Ribeira, as noites nos Clérigos, as árvores do Porto, o romantismo de Sintra, a luz de Portugal (ouro no Sul, prateado no Centro, verde e fria no Norte), o vento atlântico, a nossa magnanimidade, o facto de termos coroado Nossa Senhora como Rainha de Portugal, enfim… não parava de dizer bem do nosso país. Por isso, termino já, já. Espero que gostem da minha escolha desta semana.
Acreditar. Como tive oportunidade de referir, passei parte significativa do fim de semana passado num encontro de gente ligada a esta coisa do cancro infantil: Pais, jovens adultos que passaram pela doença, voluntários, profissionais.Olhei à volta e contei quatro Pais que perderam filhos – quase tantos como os presentes que viveram a felicidade da cura. Tão angustiante como isso é ter olhado para uma das mães e imaginar que há fortes possibilidades de vir a engrossar esta terrível estatística. Mesmo assim fez questão de estar presente, de colaborar, de alertar, de propor melhorias de que beneficiarão talvez outros.Olhámos sobretudo para a frente: como estar mais próximo, como respeitar os que querem fechar uma porta e, mesmo assim, lançar-lhes o desafio do serviço, sabendo que irão reviver o drama. Na Acreditar encontrei, como muitos outros, o sentido para a minha vida. Só espero estar à altura.
Ruído. Parte da minha vida profissional obriga-me a duas viagens semanais de comboio entre o Estoril e o Cais do Sodré e regresso.A volta, pela hora de almoço, é terrível. Música alta, conversas de telemóvel partilhadas pela carruagem, diálogos sem qualquer noção de pudor pelas vidas próprias. Quando alguém me liga percebe imediatamente onde estou: estás no comboio?Encolho-me, ponha a mão em concha e reduzo os decibéis ao nível do milagre da audição. Conservador como sou, faço uma sugestão: substituam as horas da educação sexual obrigatória por tempos de educação cívica. É óbvio que não sabemos que vai ministrar esses temas, mas sempre é melhor falar-se de ruído incomodativo do que ensinar aos jovens como se põe um preservativo sem perder a sensualidade de um vão de escada.
Futebol. Contra o Guimarães, anteontem, o Sporting passou de uma vitória de 2 - 0 para uma derrota por 2 - 3. Em pouco mais de dez minutos, se a memória não me atraiçoa. Contra a frase dos fãs só eu sei porque não fico em casa, só me ocorre gritar, verde de raiva: até eu sei porque fico em casa...
Dias de hoje. Alguém dizia que um pessimista via em cada oportunidade uma dificuldade e que o optimista via a inversa. Gostava de imaginar, do alto de toda a minha ingenuidade (sempre pouco optimista), que os tempos difíceis que se adivinham serão uma oportunidade para rever modelos de vida, para prestar mais atenção ao próximo, para aproveitamento de sinergias (no caso das instituições de solidariedade social, por exemplo), para diminuir um consumismo desenfreado e estéril. Cresci num tempo em que não se falava de dinheiro. Mesmo sabendo que havia mesadas diferentes, elas não eram factor diferenciador. Talvez se possa, de alguma forma, regressar a essa espécie de pureza. Sob risco de nada termos aprendido.
Música. Quem não tiver dez minutos para fechar os olhos e ter um pensamento elevado - ou mesmo fugidio - que se desvie da espuma dos dias pode ir andando que eu já lá vou ter. Só têm de esperar dez minutos, ok?