31 janeiro 2014

Colar de Pérolas (7)



Dela não se podia dizer que passaria pelo mundo em vão. Tinha sete anos (na verdade, tinha seis anos e muito, quase sete..), quando decidira que, em crescendo, partiria estrada fora e daria a volta ao mundo em linha recta. Queria ver o mundo, subir serras, descer desfiladeiros, conhecer praias recônditas, saudar estranhos, abraçar animais. Aos 27 (na verdade, aos vinte e seis e muito, quase vinte e sete..), já vira o mundo e em linha recta. Fechou-se, então, em casa e, sozinha com o que do mundo trouxe na mochila, gravou um disco. Chamavam-lhe Zula, por todo o lado, mas, na verdade, ela só aceitava que lhe chamassem "sister". Há raparigas assim. É fugir delas ou amá-las para sempre.

gi.

30 janeiro 2014

Concurso de Escrita Criativa

Eis o desafio desta semana: Um homem, distraído, entra no apartamento errado à hora errada.
Desenvolva, usando não mais de 400 palavras.

Abaixo a minha contribuição

***

Roberto empurrou a porta de casa, vagamente espantado por descortiná-la entreaberta.
Homem dado a hábitos, seguiu as suas rotinas. Viu tudo, observou tudo, como sempre fazia quando entrava no 3º esquerdo onde morava, mesmo que visse a repetição, excepto numa madeixa milimetricamente desalinhada no cabelo moreno de Anabela, a sua companheira dos últimos três anos.
Só parte do cérebro de Roberto era absorto. O seu olhar peregrino devia-se, não a uma distracção do olhar que não se prende a nada, mas a um desejo absurdo de constância e imobilidade. A sua atenção residia num anseio de procurar a desconformidade da vida plasmada numa moldura fora do sítio, num quadro de feira vagamente desenquadrado do paralelismo arquitectónico. Em tudo o resto, Roberto era distraído – esquecia-se das horas, da uniformidade das meias, da estética mínima da roupa, das reuniões que preparam futuros ou analisam passados.
Como sempre – e a repetição reforça a importância das coisas – Roberto viu tudo, observou tudo: o desgraçado Coração de Jesus, a vela de cor abaunilhada, uma fotografia de Praga, outra de Benidorm. Na cozinha, a fruteira em porcelana concêntrica, de três andares, o crochet tridimensional a tapar o fogão, o quadro com o rol de afazeres – marcar pedicura, trocar sanita, lentilhas, sopa de rabo de boi. Viu ainda o piano vertical, uma bola de basquete encostada a um louceiro, uns cortinados de cassa agitando-se na mansidão do fim de tarde.
Mudou sequencialmente de sentidos: visão – olfacto – audição. Cheirou-lhe a caril de galinha, a pão esquecido na torradeira, a ambientador automático que espirra a cada três minutos. Ao longe, mas suficientemente perto, ouviu risadas, uma masculina e uma feminina, entrecortadas de frases sensuais: deixa, não te mexas, amo-te tanto, está quase, isso isso, agora, ai que bom.  
Todo este processo – o divino, a cozinha, os aromas, as frases – demorou quinze segundos. Roberto permaneceu aparentemente impassível, a não ser um aumento quase imperceptível do pestanejar dos olhos. Viu, cheirou, ouviu. Era ateu, detestava caril, a sanita estava irrepreensível, o companheiro de Anabela era ele. Retomou o processo e disse alto, porque era distraído e olvidava que falava só para si:
- a fotografia da mamã? Onde está a fotografia da mamã?
Só então percebeu o equívoco, porque saíra do elevador e invertera o sentido da curva. Aquele – o apartamento da bola de basquete, da fruteira, do crochet – era o direito.
A ausência da fotografia da mamã fixara-lhe o raciocínio.

JdB

29 janeiro 2014

Diário de uma astróloga – [70] – 29 de Janeiro de 2014

Símbolos, nomeadamente símbolos sabeus

Os símbolos são instrumentos poderosos. São chaves que abrem as portas do nosso universo mental e emocional. Através da imaginação levam-nos mais longe no nosso caminho ou abrem novos caminhos quando tocam pontos até agora inertes da nossa psique.

A astrologia é na sua presente forma é uma linguagem simbólica. Usamos símbolos geométricos para designar signos e planetas. Usamos imagens que contem a essência do significado do signo… E assim foi durante muitos séculos.

O americano Marc Edmund Jones (1888 – 1980) teve uma grande importância na evolução dos símbolos astrológicos. Escritor prolífico, na primeira parte da sua longa vida vendeu inúmeros guiões para a indústria cinematográfica, depois estudou teologia e foi ordenado pastor protestante. Mais tarde tirou um doutoramento em filosofia na Universidade de Columbia. Mas a maior marca que deixou foi como astrólogo e estudante de disciplinas esotéricas. 

Em 1925, em São Diego, na Califórnia, Marc Edmund Jones preparou 360 pequenos cartões relativos a cada grau do zodíaco. Numa tarde, depois de baralhar esses cartões, extraiu um de cada vez e uma médium, Elsie Wheeler, descreveu em algumas palavras os símbolos que visionava. Marc Edmund Jones registou essas palavras nos seus cartões e chamou ao conjunto destas visões “Símbolos Sabeus”. Acreditava que Elsie canalizou a “matriz primitiva da mente” dos alquimistas sabeus da antiga Mesopotâmia / Suméria. 

Marc Edmund Jones era um homem instruído, sério e só quase 30 anos depois em 1953 publicou o conjunto dos símbolos sabeus já muito trabalhados e utilizados pelos seus numerosos alunos. Como astrólogo lutou para livrar a astrologia de aspectos fatalistas e preditivos e deixou trabalhos notáveis noutras áreas da astrologia.


Confesso que na minha prática diária de astrologia pouco utilizo os símbolos sabeis, ao contrário de outros ensinamentos de Marc Edmund Jones. Tenho colegas, como Sónia Beth  http://soniabeth.blogspot.pt/ que os utilizam diariamente. Mas de vez em quando, talvez respondendo a um chamamento da matriz primitiva da mente, consulto o livro. Na página 281 o símbolo para o grau 11 de Aquário é:


A próxima Lua Nova de 30 de Janeiro é nesse grau de Aquário, e a delineação da carta da Lua Nova usando os símbolos astrológicos habituais encaixa perfeitamente na visão da médium Elsie Wheeler. Ui! Mais uma sacudidela na minha aproximação cartesiana da astrologia.



A conjunção Sol/Lua (Lua Nova) está num ângulo potenciador com Úrano, o planeta que rege o signo de Aquário. Úrano, por sua vez, está em quadratura com Júpiter em Caranguejo e com Plutão / Vénus em Capricórnio. Resumindo a delineação: esta carta fala de inspiração, de mudança e profunda realização do papel que cada um de nos pode ter neste mundo. Essa realização só pode vir se nos afastarmos e nos recolhermos, donde a referencia ao tête – à – tête. Estávamos perto de Hollywood e em pleno anos 20, o que explica o uso deste francesismo. Mas de uma forma actual, o texto explicativo de Marc Edmund Jones adverte que o grau 11 de Aquário pode ser vivido de forma positiva com “idealismo entusiástico e desejo incansável de servir os outros” ou de forma negativa como total auto-obsessão. 

Desejo a todos uma excelente Lua Nova vivida da forma mais positiva, porque o mundo bem precisa de mudança inspirada por ideais altruístas e igualitários. Temos que enfrentar medos e reivindicar o poder que perdemos.

Se por acaso estes símbolos não se encaixam com a sua maneira de ver o mundo, tem alternativa. Na Lua Nova de Aquário celebra-se sempre o Ano Novo Chinês. O dia 31 de Janeiro (data da lua nova na China) dá início ao ano do cavalo de madeira que simboliza força, perseverança, pureza e lealdade. Com estas quatro características também se pode fazer muito!

Luiza Azancot

28 janeiro 2014

Da classificação dos defeitos


Volto ao tema dos feitios, ainda agradecido por alguns valiosos comentários publicados num post mais abaixo. Não sei se fui totalmente claro no que escrevi, mas também não é relevante. Mais vale ser comentado pela discórdia ou pela menor limpidez de raciocínio e, com isso, aprender com os outros.

Somos detentores de defeitos. Uns mais incómodos para o próximo, outros mais incómodos para o próprio. Os que são profundamente judaico-cristãos olham para os pecados mortais e, vendo-os dentro de si com uma frequência menos correcta, apressam-se à confissão - ou ao lamento, porque o sacramento, agora chamado reconciliação, já teve dias melhores. E pensarão que são orgulhosos, vaidosos, com um gosto pela luxuria ou pela preguiça, etc.

Se tivéssemos de classificar os nossos defeitos, como o faríamos? No pódio estariam os que mais incomodam o próximo, ou que mais nos incomodam a nós? Ou uns confundem-se com os outros? E haverá defeitos socialmente mais aceites do que outros? Qual o peso relativo entre eles? Entre a preguiça e a avareza? Ou entre o guloso (de gula) e o rancoroso? Que peso tem o orgulho, a inveja, o desejo exacerbado de controlo? E como equacionamos as características que, não sendo classificados obviamente como defeito, poderão incomodar o próximo - um certo frio do corpo ou do espírito, a susceptibilidade, o furor opinativo ou de secretismo, a ausência de intimidade que afasta, a surdez ao conselho ou à crítica, o comodismo travestido de lei de conservação da energia? Há alguma vantagem nesta classificação interna? E devemos despromover estas características, arrumando-as na gaveta dos defeitos?

Para que serve este texto que, depreende-se, decorre de um pensamento? Em bom rigor não sei, mas estou certo de ter esgotado o stock de pontos de interrogação. Ocorreu-me quando ontem, por volta das 7.45 e já no regresso da passeata, me confrontei com o nascer do sol.  Dei por mim a pensar nisso - no que sou, que peso dou aos defeitos que se agarram a mim por fatalidade ou falta de vontade para os tirar. Tem algum interesse pensar nisso? Pois não sei. Mal não faz - e eu não tenho facebook onde verter os parcos e erráticos pensamentos de que ainda sou capaz.

JdB 

27 janeiro 2014

Duas últimas

Cruzei-me com Dick Farney há muitos anos, quando as minhas noites radiofónicas venciam as manhãs mentalmente frescas. Não havia ainda CD's e no meu quarto, o pick-up, como se chamava na altura, não fazia parte dos activos. Também nunca fui rapaz de comprar discos, pelo que me restava uma telefonia que, deitada na horizontal e apoiada na pega rebatível, dava um ar de tecnologia futurista. 

Um dia mais tarde quis comprar um disco do cantor brasileiro. Não foi fácil, que o país de então rejeitava estas pérolas musicais como uma tripa humana rejeita uma couve estragada. Amizades fortes foram encontrar um CD perdido numa loja de Tomar. Afaguei o CD como quem tem nas mãos uma preciosidade antiga e rara. É assim que eu sou, apegado a estranhezas, fã de algum kitsch, radiante com aquilo que aos outros provoca espanto.

Deixo-vos com Dick Farney, nesta segunda-feira de começo de semana. Se gostarem oiçam mais. Se não gostarem oiçam mais, porque o gosto educa-se, por vezes pela insistência. E façam o favor de ser felizes.

JdB



26 janeiro 2014

III Domingo do Tempo Comum

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
Quando Jesus ouviu dizer
que João Baptista fora preso,
retirou-Se para a Galileia.
Deixou Nazaré e foi habitar em Cafarnaum,
terra à beira-mar, no território de Zabulão e Neftali.
Assim se cumpria o que o profeta Isaías anunciara, ao dizer:
«Terra de Zabulão e terra de Neftali,
estrada do mar, além do Jordão, Galileia dos gentios:
o povo que vivia nas trevas viu uma grande luz;
para aqueles que habitavam na sombria região da morte,
uma luz se levantou».
Desde então, Jesus começou a pregar:
«Arrependei-vos, porque o reino de Deus está próximo».
Caminhando ao longo do mar da Galileia,
viu dois irmãos:
Simão, chamado Pedro, e seu irmão André,
que lançavam as redes ao mar, pois eram pescadores.
Disse-lhes Jesus: «Vinde e segui-Me
e farei de vós pescadores de homens».
Eles deixaram logo as redes e seguiram-n’O.
Um pouco mais adiante, viu outros dois irmãos:
Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João,
que estavam no barco, na companhia de seu pai Zebedeu,
a consertar as redes.
Jesus chamou-os
e eles, deixando o barco e o pai, seguiram-n’O.
Depois começou a percorrer toda a Galileia,
ensinando nas sinagogas,
proclamando o Evangelho do reino
e curando todas as doenças e enfermidades entre o povo.



***


As nossas “Galileias” onde se encontram?

É importante, é fundamental lembrar que neste dia de domingo, de uma maneira tangível e sensível, experimentamos a presença do Ressuscitado entre nós. Mas, depois, há todos os outros dias da semana! A “Galileia dos Gentios”, que está sempre à nossa espera, pode ser qualquer terra, cidade, vila e aldeia do nosso país. Os prédios do nosso bairro podem ser autênticas “Galileias dos Gentios” pode ser o nosso local de trabalho, qualquer ambiente, as escolas, os hospitais, etc.
Há muita gente à nossa volta, mesmo nos andares mais próximos do nosso, que vive nas trevas…porquye vive triste ou porque vive sozinha e isolada; vive sem sentido, desencorajada, às vezes porque está desempregada. É preciso que essas pessoas entrevejam a luz.
O que nos é pedido, em primeiro lugar, é que nos façamos próximos, presentes; não é para fazer discursos, muito menos sermões. É para estar ali, junto do outro, como sinal dessa luz e companhia do Ressuscitado.
Ser cristão é viver à maneira de Jesus Cristo. Por isso, temos de repetir na nossa vida esta decisão de Jesus que deixou Nazaré para habitar em Cafarnaum. Nós somos católicos praticantes também e sobretudo, diria, quando daí partimos para a “Galileia dos Gentios”, como Jesus, para que aconteça o que vem a seguir: “O povo que vivia nas trevas viu uma grande luz”!


D. Manuel Clemente (2013), O Evangelho e a vida. Cascais: Lucerna, 149-150

25 janeiro 2014

Pensamentos impensados

Farmacopeia
Há um novo remédio para as aftas, chama-se AFTA CHEIVE.
 
Socorro
O kit de primeiros socorros da Palestina inclui uma faixa de gaze.
 
Novas tecnologias
Para bom atendedor meia mensagem basta.
 
Latinório
O Comando Metropolitano de Lisboa tem como lema "res non verba", o que em tradução livre significa a polícia arreia, não dialoga.
 
Descobertas
Os media desenterraram a palavra incontornável e usam-na a torto e a direito.
A única coisa incontornável é o universo.
 
Pin-ups
Quando vir uma cigana daquelas de encher o olho, não se esqueça da máxima que diz um olho na bunda e outro no cigano, pois o homem pode não gostar do olhar.

SdB (I) 

24 janeiro 2014

Dos aviões

6ª feira passada, faz hoje uma semana. De Bicesse ao aeroporto, ainda não eram dez da manhã, a viagem demorou uma hora e trinta. Era o temporal, as batidas na A5, o granizo na Buraca, a neve em Benfica, a chuva e o piso molhado. O vôo da Easyjet para o Funchal era às 11.30h, a porta fechava às 11 horas. Como chegámos ao terminal 2 pelas 11.15h, a probabilidade de embarque era baixa. Mesmo assim conseguimos, que tudo estava atrasado.

Voo quase cheio. Íamos numa fiada de três bancos, ocupando a janela e o meio. Ao lado, junto ao corredor, uma rapariga magra e sossegada, o que augurava menos aperto. Mesmo assim estranhei que, havendo a duas filas uma fiada idêntica só ocupada por um passageiro, não sugerisse mudar de local. Ela não perdia e nós ganhávamos. Mas não manifestou vontade, apesar de eu sugerir a hipótese num tom de voz suficientemente alto.

Chegámos ao céu do Funchal. Poços de ar, vento, vento, vento. Fizemos uma primeira aproximação, borregada devido ao vendaval. Informação do chefe de cabine e do piloto de que o vento soprava a uma velocidade superior ao valor limite estipulado por lei para aterragens, pelo que aguardaríamos dez minutos antes de tentar de novo. 

É nessa altura que o passageiro atrás de nós pede que façamos chegar ao comandante uma folha de papel, tipo saco de talheres amarrotado. Nele estava escrito CANÁRIA (sic) e umas letras indecifráveis abaixo. Isto é - o cavalheiro, que aparentemente era um piloto, fazia chegar ao comandante de uma companhia de aviação que opera na UE um papelinho a sugerir rotas alternativas. Questiono-me o que imaginaria este passageiro. Que no cockpit a alegria da tripulação fosse imensa, porque a ninguém tinha ocorrido as Canárias? Que ele fosse chamado para tentar também, como quem está na Feira Popular?

Nova tentativa, novo falhanço. O passageiro atrás inquiria pelo papelinho, certo de que a solução do voo estaria ali, naquela singela mas tocante mensagem. Fomos informados então de que regressaríamos a Lisboa. 

30 minutos depois recolhia-se o lixo. À hospedeira, simpática e com um friso de dentes metalizados que me estendia um saco, disse amavelmente que tudo ia para o lixo, até a viagem. Ela sorriu, e disse-me esta frase enigmática: veja pelo lado positivo...  A mim, que sou um pessimista ferrenho e convicto, só me ocorreu perguntar (o que fiz): e qual é esse lado positivo, pois perdi (até que a substitua) uma viagem que tinha planeado não vislumbrando nada em troca? Sinto que ela suspirou brevemente, que o metalizado dos dentes se oxidou um tudo nada. Sei que olhou para mim e seguiu, vencida pelo esmagamento de uma pergunta à qual nem o optimismo mais feroz salva.

Restos da refeição no regresso a Lisboa. O letreiro augura um ano novo saudável, mas a chapata (é assim que se escreve?) era mais dura e seca que sola de sapato. Como diria uma passageira divertida: fly easyjet - it's easy to come back...


JdB   

23 janeiro 2014

Concurso de Escrita Criativa

Uma mulher está, literalmente, pendurada num penhasco, a muitos metros de altitude.

Escreva, usando não mais de 400 palavras, o que está ela a pensar.

Eis a minha contribuição:

Caio ou não caio?
Grito ou reservo as forças até que alguém venha salvar-me? Onde estarão os miúdos? E será que o Manel se lembra que a minha mãe faz anos? Tenho de dizer à Otília para fazer a sopa de nabiças. E se eu cair? E se eu morrer? Será que há Deus, ou até isso foi inventado pelas freiras? Sonhos que sonhei/onde estão... Que irritação, esta música da Simone no ouvido. E Deus? E os bombeiros? É preciso pagar o gás e o ballet da Joana.
Será que caio mesmo?
Se cair morro ou salvo-me? Será que o silicone dos peitos aguenta?  De certeza que o seguro não cobre isto, forreta como o Manel é... E a cabra da Marília, que se fez a ele, a achar que eu não via? Não posso esquecer-me de mandar arear as pratas, estão um nojo. Não é para me gabar, mas o vestido de ontem ficava a matar-me... Bastava olhar para a cara invejosa das mulheres. Horas que vivi/quem as tem. Ai a Simone que não me sai da cabeça...
Estou quase a cair!
Espero que não esteja ninguém lá em baixo. Pendurada e com uma saia larga é um festival para gente menos séria. E há cada vez menos gente educada. Não que eu tenha umas pernas feias... Esqueci-me de por a novela a gravar. E o preço da alcatra? Que horror, está tudo pela hora da morte... Tenho de telefonar à minha mãe! E ao canalizador e à costureira. A Joana precisa de comprar soutiens novos e o Francisco de ir ao barbeiro. Talvez na 4ªfeira, embora haja a ginástica e o voluntariado... E almoço com a Carmo.
Ai que caio! Ai que caio!
Que horror, e a gordura da Antónia? Não admira que o Carlos a tenha trocado pela secretária de peitos grandes sempre a subir e a descer. Possidónia! Vai ver como eles ficam depois de dar de mamar. Lixívia, courgettes, papel higiénico. De que serve ter coração/e não ter o amor de ninguém... Desodorizante, vinho tinto, esfregões. A Carlota faz anos amanhã e eu sem ideias para presentes. Que geba que é a mulher do Cavaco. O Passos Coelho está quase careca. E pasta de dentes. Se a cortiça se vender troco de carro. Vivo de saudades, amor/a vida perdeu fulgor... E se ninguém me vier buscar? Ah! Marcar depilação e dentista.
Socorro! Não quero cair!

JdB

22 janeiro 2014

Colar de pérolas (6)



Os discos de vinil estavam por todo o lado. A "van", a cair aos pedaços, tinha por certo mais rodelas de música que muitas das pequenas discotecas de província que se habituara a visitar, religiosamente, aos domingos de manhã. Não havia na carrinha discos de "space-rock", nem de "dub", nem de "dancehall", nem de "grime", nem de "house". Na verdade, o disco mais recente era de antes dele ter nascido. Na matrícula, duas palavras: "no destruction" e um perfil autocolante de Jack Kerouac, rindo-se a bom rir. Há coisas e pessoas assim - nascem velhas, para uns; nascem clássicas, para outros.

gi. 

21 janeiro 2014

Dos feitios

Fotografia de JMAC, o homem de Azeitão
O feitio de cada um de nós pode ser um karma. Eu explico: muitas características que temos acompanham-nos desde a nascença, porque as herdámos dos nossos antepassados mais próximos - é o orgulho, a teimosia, a avareza, a forma como gerimos as amizades, a maior ou menor susceptibilidade a críticas, a vontade de fazer a paz ou o sorriso com que vivemos permanentemente. Outras características decorrem das circunstâncias em que vivemos - lares mais ou menos felizes, famílias conflituosas, infâncias sem amor ou atenção, Pais superprotectores ou ausentes, gregariedades inexistentes. 

Assim sendo, e assumindo que o parágrafo acima está correcto, muito pouco do que somos é, verdadeiramente, uma escolha nossa. Isto é, não fomos a uma espécie de supermercado e, frente a um escaparate onde existem qualidades e defeitos, escolhemos ser generosos, amáveis de carácter, com intuitos pacificadores e desdenhámos ser potencialmente adictos, avaros, com iras fáceis.

De uma forma muito simplista, porque sempre podemos mudar alguma coisa, somos o que nascemos e o que as circunstâncias fizeram de nós. Às vezes penso que é mais fácil culpar a genética e os anos em que a nossa personalidade se molda do que justificar defeitos óbvios: 

não, não sou avaro, sou apenas muito poupado

é claro que não sou orgulhoso, já ouviste falar de dignidade?  

eu nao fervo em pouca água, tu é que implicas muito...

não ligo aos amigos? Disparate! Tenho é muito respeito pelo espaço deles...

Olhar o outro (numa visão mais conjugal ou mais geral) é vislumbrar um pacote que também se herdou ou se deixou construir, por incapacidade do contrário. A menos que se assumam - orgulhosa e cegamente - os defeitos como qualidades que mais ninguém vislumbra, mais vale responsabilizar os respectivos antepassados e as circunstâncias próprias. Isto não implica fatalismo, mas isenção de uma responsabilidade que nem sempre é do indivíduo. Mais vale investir conjuntamente as energias em perceber o que dentro de cada um funciona mal, para que possa funcionar melhor. Tout comprendre c'est tour pardonner, diria Tolstoy, mas da sua quota-parte de acção introspectiva ninguém se deve escusar. 

Quando olhamos para cima e culpamos a genética por alguns infortúnios, não esquecer também de olhar para baixo, para aqueles que nos olharão. Filho és, pai serás...

JdB   
   

20 janeiro 2014

Vai um gin do Peter’s?

Na Gulbenkian, até 26 de Janeiro, está uma exposição sobre um dos ex-libris da arte portuguesa – o azulejo(1).  Como observa o texto introdutório da mostra, haverá quase um excesso de familiaridade e risco de banalização por parte dos portugueses face a este material artístico tão comum no seu horizonte. Daí que são, sobretudo, os estrangeiros a associar Portugal à azulejaria, reconhecendo-lhe o valor e a raridade.

As origens desta arte não podiam ser mais honrosas, nos magníficos revestimentos dos palácios persas. A sua rápida disseminação por todo o mundo islâmico, com especial apetência por padrões simétricos, sem a figuração humana, chegou à Península Ibérica através da presença árabe, oriunda do Norte de África. Em Portugal, incorporou-se na arquitectura local, encontrando estilos próprios com ligeiras adaptações regionais. As facilidades de fabrico oferecidas pela Revolução Industrial deram um novo impulso a esta arte, surgindo obras de autor em toda a Europa e Médio Oriente, muito apreciadas pela Arte Nova e pelo modernismo do século XX. Nela se evidenciam as correlações e permutas culturais entre o Oriente e Ocidente, merecendo bem o título cunhado pela Fundação: «O Brilho das Cidades. A Rota do Azulejo».

Em inglês, assumiu uma designação ainda mais sugestiva: «The splendour of the Cities». Basta ver (em Berlim) o esplendor do legado da Babilónia para se esbarrar com um dos expoentes do revestimento cerâmico de exterior, num azul de uma beleza indizível. Muito para lá das possibilidades da palavra, deslumbra e comove.


Porta de Ishtar, no Museu Pergamon de Berlim. Legado mesopotâmico da cidade da Babilónia, erigida no reinado de Nabucodonosor II. Chegou a ser uma das Sete Maravilhas da Antiguidade. 

Arqueiros babilónios, no Pergamon de Berlim.
Há réplicas persas na exposição, com colorido em pior estado de conservação.  



Mais do que determo-nos no descritivo desta expressão artística, valerá a pena passear por entre as mais de 200 peças(2) reunidas na Gulbenkian, com pena de não as conseguir nomear todas. Por isso, será apenas um aperitivo, como calha a um gin. Aliás, nem todas as imagens aqui postadas constam da exposição, embora sejam expressivas do que lá figura e do contributo do azulejo para o brilho das cidades.

Os quadrados cerâmicos vidrados consagraram-se como arte maior nos grandes murais dos magníficos monumentos persas e mesopotâmios (séc. VI a.C.), de reflexos e cromatismo fulgurantes, muito ao gosto dos impérios orientais. A par da Pérsia, também o Egipto e a Assíria da Antiguidade recorreram a este material, pois além de embelezar os edifícios de referência, conferia-lhes maior durabilidade.

Inspirando-se na exuberância dos padrões têxteis, a preferência muçulmana pela simetria geométrica e o horror ao vazio encontrou no revestimento cerâmico (lajes, azulejos, mosaicos) um recurso arquitectónico especialmente versátil, que depois foi enriquecido com a luminosidade do ouro.

Templos no Uzbequistão

Em Portugal, a herança árabe conformou-se ao gosto harmonioso dos azulejos de repetição lusitanos, com alternância de um par de cores, modelos enxaquetados e de pontas de diamantes, entre outros, emoldurados por cercaduras de contraste, de uma beleza muito sofisticada, precisamente pela sua extrema simplicidade. A partir do século XVI, com o manuelino, a azulejaria aumentou ligeiramente a paleta de tons e tomou formas mais arrojadas, aplicadas em figuras de convite e figuras recortadas, lambris profusamente coloridos, pórticos gigantes, contornos de arcos, frisos de remate ou painéis de grandes composições, que transformaram pequenos espaços em jóias esplendorosas:


Interior da Igreja de S.Sebastião da Pedreira (perto do Corte Inglês)

Capela do Mosteiro de S.Vicente de Fora, hoje sede do Patriarcado.

As culturas onde as inscrições e a simbologia gráfica ocuparam lugar de relevo, souberam plasmar as suas mensagens no azulejo. Assim foi com os versículos do Corão nas Mesqfuitas muçulmanas ou os painéis de cenas religiosas nos mosteiros cristãos ou as marcas de afirmação de poder e demarcação de território, nomeadamente através da heráldica, nos espaços públicos e privados peninsulares. Na Gulbenkian, as salas ilustrativas deste tipo de aplicação têm títulos eloquentes: «Paredes que falam», «Arquitecturas escritas», «O poder da imagem» e até a «Doutrinação» para aludir à sua disseminação em pavimentos, paredes, tectos, colunas e abóbadas, tabuletas e sinalética urbana, cercaduras e telas ornamentais.

Durante o Renascimento italiano, os painéis ao gosto romano marcaram a nova tendência, inspirando-se nos achados de Pompeia e Herculano, a representar cenas mitológicas, paisagens ficcionadas e composições florais.

O progresso tecnológico do século XIX relançou o gosto pela azulejaria, favorecendo as obras de autor que proliferaram por toda a Europa, da Alemanha a Itália, passando por França, Bélgica, Espanha, Grã-Bretanha, além de Portugal.

Rãs e nenúfares de Rafael Bordalo Pinheiro, 1904.
Produção da Fábrica de Faianças das Caldas da Rainha.

Adaptando-se ao espírito do tempo, implantaram-se em jardins, entradas de sedes de empresas e instituições oficiais, fachadas de prédios, escadarias, baixos-relevo e tudo o mais que pudesse decorar os espaços. 


Na exposição: obra de Max Laeuger, Alemanha, 1908-1909.

Gaudí no seu melhor, em Barcelona.

De tal modo a azulejaria portuguesa abrange um património incontível num local único, que se poderia tomar o país – continente e ilhas – por um circuito expositivo de escala nacional. Na Gulbenkian, a pequena mostra lusa dialoga com peças turcas do núcleo Iznik da Fundação, vestígios da Antiguidade, obras sírias, egípcias, holandesas, tunisinas, italianas e de outras nacionalidades já referidas. Novidade é vê-las juntas, facilitando a descoberta das inúmeras afinidades entre dois blocos civilizacionais de convivência nem sempre pacífica, onde Portugal soube ser um elo de ligação incontornável, ao longo dos séculos. O azulejo é disso prova!

Maria Zarco
(a  preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)
_____________
 (1) http://www.gulbenkian.pt/Institucional/pt/Agenda/Exposicoes/Exposicao?a=4411
 (2) «Os temas propostos serão o mito da cerâmica dourada, as conquistas da geometria, a importância da heráldica, o peso da cultura figurativa clássica, o valor da mitologia cristã, a mimese ou a estilização da Natureza, o reflexo dos géneros da grande pintura europeia, a influência dos tecidos e a representação da utopia e do quotidiano.

Entre as instituições internacionais que cederam obras para esta mostra estão o Museu do Louvre, o Museu dOrsay, o Museu de Artes Decorativas, o Museu do Quay Branly e o Centro Pompidou, (Paris), o Museu Nacional de Cerâmica (Sèvres), o Museu Nacional da Renascença (Écouen). Também (há) peças do Instituto Valência de Don Juan (Madrid), o Museu de Belas Artes (Sevilha), o Museu do Design de Barcelona, e o Museu Nacional de Cerâmica González Martí, (Valência). De Bruxelas estão representados os Museus Reais de Arte e de História, e da Holanda o Museu Municipal da Haia e o Museu Boijmans-van Beuningen, em Roterdão. Além das peças do Museu Gulbenkian, (estão) incluídas obras de outros museus portugueses (...) bem como (de) colecções particulares (…).» (in Rev. Lusofonia)


Detalhe de um painel nas escadarias da av.Infante Santo – Lisboa, anos 50.

19 janeiro 2014

II Domingo do Tempo Comum

EVANGELHO Jo 1, 29-34
«Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo»


@ Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João

Naquele tempo,
João Baptista viu Jesus, que vinha ao seu encontro,
e exclamou:
«Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo.
Era d’Ele que eu dizia:
‘Depois de mim virá um homem,
que passou à minha frente, porque existia antes de mim’.
Eu não O conhecia,
mas para Ele Se manifestar a Israel
é que eu vim baptizar em água».
João deu mais este testemunho:
«Eu vi o Espírito Santo
descer do Céu como uma pomba e repousar sobre Ele.
Eu não O conhecia,
mas quem me enviou a baptizar em água é que me disse:
‘Aquele sobre quem vires o Espírito Santo descer e repousar
é que baptiza no Espírito Santo’.
Ora, eu vi e dou testemunho de que Ele é o Filho de Deus».


***

Esta passagem do Evangelho traz-nos um conjunto de reflexões complementares sobre o Baptismo do Senhor. Aqui, João Baptista dá um testemunho. É João que vê; é João que repara. Entre tantos que se aproximam dele no Jordão, que chamava à penitência e à preparação para a vinda daquele que tiraria o pecado do mundo, João repara naquele que sobre o qual desce o Espírito de Deus; João “vê aquele” e reconhece-O como o Cristo, isto é, como o Ungido, o Messias, e depois dá testemunho d’Ele.

Nós, baptizados, e especialmente nós, crismados, sejamos no mundo aqueles que podem ser assinalados, aqueles que podem ser indicados, aqueles que podem ser testemunhados como portadores do Evangelho. É disto mesmo que nós precisamos agora: que na Igreja actual, nos cristãos e nas cristãs de hoje, se possa assinalar, indicar e testemunhar a continuação do Evangelho.

Nós participamos na Eucaristia para que aconteça com todos nós, que ali estamos, o que aconteceu com Jesus no Jordão. Para que Jesus ao dar-nos a sua vida sejamos imagens perfeitas de Cristo, Filho de Deus. Não menos que isso: imagens perfeitas!


D. Manuel Clemente (2013), O Evangelho e a vida. Cascais: Lucerna, 144-145

18 janeiro 2014

Pensamentos impensados

Venda de garagem
A viúva de Saramago vai vender pontos e vírgulas do espólio do escritor e que não foram utilizados.
 
Contrafeitos
Por que não há-de haver deputados "marca banca" ou genéricos?
Não se sabia a que partido pertenciam e ficavam mais barato ao País.
 
Informática
Backup será rabo empinado?
 
Branco mais branco não há
O branqueamento mais mediático foi feito por Michael Johnson.
 
Sentença
... foram condenados a penas de 4 anos de prisão.
- Apenas?
- Sim, a penas de prisão.
 
Cremes de beleza
Cremes para as 24 horas do dia: de noite, de dia, da alvorada das rugas e do crepúsculo da vida.
 
Do grande Millor Fernandes
Se uma imagem vale mais do que mil palavras, então diga isto com uma imagem.

SdB (I)

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