24 agosto 2008

O exercício do poder


Hoje é Domingo, e não esqueço a minha condição de Católico.

Leitura do Livro de Isaías
Eis o que diz o Senhor a Chebna, administrador do palácio:
«Vou expulsar-te do teu cargo, remover-te-ei do teu posto.
E nesse mesmo dia chamarei o meu servo Eliacim, filho de Elcias.
Hei-de revesti-lo com a tua túnica,hei-de pôr-lhe à cintura a tua faixa,
entregar-lhe nas mãos os teus poderes.
E ele será um pai para os habitantes de Jerusalém e para a casa de Judá.
Porei aos seus ombros a chave da casa de David:
há-de abrir, sem que ninguém possa fechar;
há-de fechar, sem que ninguém possa abrir.
Fixá-lo-ei como uma estaca em lugar firme
e ele será um trono de glória para a casa de seu pai».

Fui buscar à liturgia de hoje a primeira leitura, porque ela nos fala de poder: a sua lógica e sentido. Não resisto a contar um pequeníssimo diálogo que travei com os meus filhos, não tinham eles ainda a noção exacta da nossa realidade laboral:

- o pai pode despedir alguém?
- graças a Deus não...
- então não tem poder nenhum...

A partir de uma certa altura da minha vida profissional o exercício do poder (no seu sentido neutro) passou a ser uma constante no meu dia-a-dia: gestão de pessoas, tomadas de decisão com algumas implicações, possibilidade de influenciar os caminhos de uma organização, numa encruzilhada escolher a melhor via, etc.

Tudo isso faz parte, para já, do meu passado, e o meu poder resume-se, hoje em dia, à gestão da minha vida pessoal e profissional, esta na sua expressão mais simples - patrão de mim mesmo.
Não deixo, no entanto, de olhar para trás, para 20 anos numa grande empresa, e questionar que tipo de chefe fui, o que me motivou, que olhar tive eu sobre as pessoas que dependiam hierarquicamente de mim.

Reconheço hoje a extrema dificuldade - como tudo na vida - em encontrar um equilíbrio profissional saudável entre a compreensão e a tolerância, e o cumprimento de objectivos cada vez mais ambiciosos que desumanizam, tantas vezes, as relações laborais, mesmo que o lema "os empregados são o nosso melhor activo" encime a secretária do presidente e faça parte dos seus discursos habituais.

Acredito que os católicos não têm o monopólio da ética e do bom relacionamento hierárquico. Mas estou convicto, ainda que ingenuamente, que temos uma responsabilidade acrescida, porque nos revemos numa mensagem e numa doutrina que nos obriga a atentar no próximo. Para nós, o uso do poder tem outros contornos, outros desafios, que se tornam mais evidentes e distintivos quando as relações se deterioram. O que marca a diferença entre um bom e um mau chefe é, muitas vezes, a forma como olha para os outros.

Exercer-se uma chefia tem muitas parecenças com o exercício da paternidade. Não me posso esquecer, por isso, da expressão bonita que ouvi de uma senhora, mãe de toxicodependentes, aplicada à recusa em dar aos filhos o dinheiro que os aliviaria, mas que os destruiria: o amor firme.

1 comentário:

Anónimo disse...

Obrigada por continuar a pensar em voz alta e a extravasar o que lhe vai na alma.
Muito depende dos "óculos no coração"...

Cito Mário de Andrade para reforçar a sua meditação:
"(...) quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir dos seus tropeções, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge da sua mortalidade, defende a dignidade dos marginalizados, e deseja tão
somente andar ao lado do Bem.
Caminhar perto de coisas e pessoas verdadeiras, desfrutar desse amor
absolutamente sem fraudes, nunca será perda de tempo.
O essencial faz a vida valer a pena."

Beijinhos expectantes de novas crónicas de viagem.

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