À medida que vou conversando com amigos sobre esta minha viagem para o Zimbabué, encontro em muitos – conhecedores ou não da minha circunstância – uma saudável inveja. Porque é a experiência humana, porque é a aventura possível, porque é África – continente que talvez represente, para os portugueses, a definição de céu como limite. Lá tudo é grande, tudo tem cheiro, pôr-do-sol, cor, vastidão. Dessa ilimitação me falava um amigo com quem partilho viagens de solidariedade social. Espartilhado em Portugal, o nacional encontra o desafogo (no sentido que cada um dos meus leitores lhe quiser dar) no continente africano. Não conheço ninguém que tenha detestado África – nem sequer que lhe tenha votado uma indiferença genuína.
A sorte esteve do meu lado ao oferecer-me a hipótese desta estadia. Como disse em post antigo, une-me ao embaixador uma amizade com quase 40 anos. Afastados durante algum tempo por ocorrências próprias da vida, reaproximámo-nos, retomando a conversa fluída e íntima como se a tivéssemos interrompido por alturas do telejornal. Ter-lhe-ia pedido uma estadia semelhante caso estivesse em Madrid, em Helsínquia ou no Cairo. Vou por quem me será anfitrião, como vou pela vontade da partida e, por isso, qualquer destino seria bom.
Ir para o Zimbabué dois meses equivalerá, pouco mais ou menos, a um estado intermédio entre uma permanência igual no Círculo Polar Árctico e numa capital ligeiramente inferior ao padrão europeu. Há que pensar na roupa, no dinheiro, na fracção de vida profissional que não abandonarei, nas formas de comunicação com os meus interlocutores afectivos, no modo de gerir saudades em dois meses de afastamento longínquo. Graças à técnica moderna estarei contactável 24 horas por dia, com direito a comunicação telefónica grátis com opção de imagem. Estar lá é, em termos tecnológicos, estar aqui.
Das várias conversas que vou tendo com o embaixador, fico a saber da necessidade de levar artigos básicos de higiene – sabonete, pasta de dentes, champô, etc. – mercadoria localmente cara e de raridade inusitada; os cartões de crédito ou débito não têm utilidade, pelo que os remeterei a um cofre; são precisos dólares, porque não há (ou não havia) papel para imprimir notas, e muita coisa ficará em conta se for paga com o dinheiro do imperialismo americano; é preciso pedir um visto que custa 84€, duas fotografias, e uma espera de 40 minutos sob o olhar fotograficamente benevolente do Sr. Mugabe, e a afadigação de duas funcionárias consulares, pouco habituadas, estou certo, a agitação administrativa.
Ir ao Zimbabué é mais do que ir a África. É estar num país à beira de qualquer coisa e que não vive uma guerra civil, segundo um politólogo, porque a oposição não tem armas; é conhecer uma nação sem dinheiro e na qual o câmbio local para o euro se faz com a ajuda de calculadoras com muitos dígitos; é percorrer uma cidade onde as lojas distribuem nas montras, com uma precisão de régua, o nada que têm em stock; é conhecer uma região que faz de animais repelentes um manjar de sobrevivente. Será um contraste interessante com a Europa que, mesmo com a crise actual, respira um conforto burguês.
Retenho, do texto e das conversas, palavras que me parecem reveladoras – a vastidão, a miséria, os contrastes, a beleza, os cheiros, a aventura. São apenas alguns dos factores que me fazem partir para o Zimbabué no próximo dia 4 de Agosto e regressar dois meses depois.
A sorte esteve do meu lado ao oferecer-me a hipótese desta estadia. Como disse em post antigo, une-me ao embaixador uma amizade com quase 40 anos. Afastados durante algum tempo por ocorrências próprias da vida, reaproximámo-nos, retomando a conversa fluída e íntima como se a tivéssemos interrompido por alturas do telejornal. Ter-lhe-ia pedido uma estadia semelhante caso estivesse em Madrid, em Helsínquia ou no Cairo. Vou por quem me será anfitrião, como vou pela vontade da partida e, por isso, qualquer destino seria bom.
Ir para o Zimbabué dois meses equivalerá, pouco mais ou menos, a um estado intermédio entre uma permanência igual no Círculo Polar Árctico e numa capital ligeiramente inferior ao padrão europeu. Há que pensar na roupa, no dinheiro, na fracção de vida profissional que não abandonarei, nas formas de comunicação com os meus interlocutores afectivos, no modo de gerir saudades em dois meses de afastamento longínquo. Graças à técnica moderna estarei contactável 24 horas por dia, com direito a comunicação telefónica grátis com opção de imagem. Estar lá é, em termos tecnológicos, estar aqui.
Das várias conversas que vou tendo com o embaixador, fico a saber da necessidade de levar artigos básicos de higiene – sabonete, pasta de dentes, champô, etc. – mercadoria localmente cara e de raridade inusitada; os cartões de crédito ou débito não têm utilidade, pelo que os remeterei a um cofre; são precisos dólares, porque não há (ou não havia) papel para imprimir notas, e muita coisa ficará em conta se for paga com o dinheiro do imperialismo americano; é preciso pedir um visto que custa 84€, duas fotografias, e uma espera de 40 minutos sob o olhar fotograficamente benevolente do Sr. Mugabe, e a afadigação de duas funcionárias consulares, pouco habituadas, estou certo, a agitação administrativa.
Ir ao Zimbabué é mais do que ir a África. É estar num país à beira de qualquer coisa e que não vive uma guerra civil, segundo um politólogo, porque a oposição não tem armas; é conhecer uma nação sem dinheiro e na qual o câmbio local para o euro se faz com a ajuda de calculadoras com muitos dígitos; é percorrer uma cidade onde as lojas distribuem nas montras, com uma precisão de régua, o nada que têm em stock; é conhecer uma região que faz de animais repelentes um manjar de sobrevivente. Será um contraste interessante com a Europa que, mesmo com a crise actual, respira um conforto burguês.
Retenho, do texto e das conversas, palavras que me parecem reveladoras – a vastidão, a miséria, os contrastes, a beleza, os cheiros, a aventura. São apenas alguns dos factores que me fazem partir para o Zimbabué no próximo dia 4 de Agosto e regressar dois meses depois.
Adeus, até ao meu regresso.
PS: retiro o título que encima este texto de um livro de José da Camara Leme, chamado "Chegar é já em si bastante"
4 comentários:
Confesso-me uma das invejosas (saudáveis)... a experiência é uma aventura apaixonante, até por todas essas condicionantes. Espero que a viva com toda a intensidade que África merece, e que se deixe absorver por ela! A minha maior curiosidade está em saber como vai regressar de lá...
Espero que com um coeficiente de esbeltez mais correcto, pelo menos. Virei um homenzinho, como se costumava dizer.
E quando o bastante é demasiado e o suficiente miserável? Sabe, amigo JB, eu sou daquelas a quem as palavras há muito deixaram de enganar. Por causa delas ia-me matando. Vc vai partir e vai chegar e nada disso lhe vai bastar. A retórica e a filosofia são lindas, mais ainda a estética e a religião, mas para certos demónios intranquilos como eu, e como tanta gente, NADA É EM SI BASTANTE. E muito menos nós. Resta-nos a Literatura, claro.
Não sei como responder ao seu comentário, Anónimo. Talvez saiba, cada vez menos, o que é bastante, o que está em excesso, o que nos falta para nos cumprirmos. Mas não deixo de procurar, sabendo que, como disso Thoreau, talvez marche ao som de outro tambor.
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