As pessoas queriam contar cidades visitadas, aeroportos pisados, escalas feitas, recorde de fusos horários, continentes conhecidos, mares banhados. Queriam reduzir as viagens dele a uma contabilidade, a uma tabela com várias linhas e colunas, a um somatório de parcelas. Mas ele - sem que envolvesse na resposta uma modéstia falsa - alegava simplesmente: o meu mundo.
Havia, no seu círculo de amigos, quem juntasse coisas várias ligadas ao turismo: postais ilustrados, cinzeiros subtraídos a quartos de hotel, bases de copos em bares locais, artesanato alegórico. Ele coleccionava anéis que enfiava naturalmente nos dedos das mãos, sem critério de importância evidente ou de estética cuidada. Olhava para eles, não como uma peça de joalharia ou de cultura local, mas como o sinal evidente de uma qualquer emoção. Tinha um anel do Perú, oferta de uma criança que viajara longa e inesperadamente no seu colo, encostando uma cabeça cansada a um ombro dorido; tinha ainda outro, dado por uma estudante japonesa com quem passara uma noite vagarosa, intervalando ensinamentos sobre posições impossíveis e rituais do chá; tinha os dedos cheios de anéis, todos eles com uma história gravada no interior, que só ele conhecia, mas que o marcara de alguma forma.
Um dia, entraram-lhe em casa e roubaram-lhos todos. Sem gritos, sem violência, com uma mansidão que espantaria qualquer mortal. Quando olhou para as mãos sentiu um vazio, mas recusou liminarmente pensar que se iam os anéis mas que ficariam os dedos. Não se tratava de comparar propriedade valiosa com integridade física. Respirou fundo, olhou para as mãos e saíu para a rua, como se nada se tivesse passado. Com o polegar e o indicador ajeitou o anel da criança peruana, rodou o que tinha sido oferta da rapariga nipónica. Já não compunha aros de metal, de madeira ou de marfim, mas marcas do tempo, manchas brancas e perfeitas em dedos tisnados pelo sol e vincadas pelo trabalho manual.
Encontrei-o ontem, quando passeava no centro de Harare; tenho ideia de o ter visto a beber vodka numa esplanada de Moscovo; estou certo que me cruzei com ele a ouvir tangos em Buenos Aires; posso garantir, mesmo, que o vi a negociar tapetes no grande bazar de Istambul. Quando regressar tomarei atenção, talvez faça parte dos habituais do paredão.
Escrevo uma história que contei ontem, quando o sol se punha no silêncio de África. No fim, quem me escutou, sorriu e disse: Bonita metáfora. Mas para quê? Não corria uma aragem, mas o frio que vem diariamente com a noite já se tinha instalado. Devolvi o sorriso e respondi:
- Não é metáfora. Estou mesmo a falar de anéis.
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