Cataratas do Niagara, Canadá, Outubro de 2014 |
Emma Woodhouse, handsome, clever, and rich, with
a comfortable home and happy disposition, seemed to unite some of the best
blessings of existence; and had lived nearly twenty-one years in the world with
very little to distress or vex her.
É assim que começa
o romance Emma, de Jane Austen. De alguma forma seria assim – obviamente com
outros adjectivos que completassem o quadro – que descreveríamos muitos dos
nossos amigos: egoísta, generoso, atento, irascível, avaro, orgulhoso, simples,
discreto, corajoso, divertido, inteligente.
Obviamente que
só poderemos classificar os nossos amigos desta forma depois de os termos
vistos em acção. Quando eles nos chegam ao contacto são uma folha em branco –
ou uma folha semi-preenchida por terceiros. Nada sabemos deles e aceitarmos o
que deles nos dizem está numa dimensão de confiança, ou de credulidade, sempre
afectada por uma expectativa. Afinal, cada um vê o que vê, o que para si é
importante ou tem mais impacto. Ser-se generoso requer demonstração, a entrega
de uma certa evidência; classificar alguém de irascível só é justo se o
tivermos visto exercer a sua irascibilidade; só se é corajoso em face de uma
situação de risco. Não sabemos o que somos até agirmos.
Imaginemos,
então, que nos era pedido para descrevermos um amigo muito próximo. Mas, em vez
de usarmos adjectivos – orgulhoso, vaidoso, culto, egocêntrico – estávamos
obrigados a referenciar situações. Isto é, não dizer que fulano é generoso, mas
que fulano, num determinado dia, prescindiu do seu almoço para dar o dinheiro
aos pobres. Não dizer que fulano é inteligente, mas que numa determinada
situação – ou continuidade de situações – consegue discernir, encontrar
ligações, ver mais além.
Há diferença na
abordagem? Há seguramente. Qual é a diferença? Não tenho bem a certeza. Mas
fico com a sensação de que é mais justo – ainda que potencialmente mais
maçador. Obriga-nos a um exercício de memória que é uma retribuição nos casos
positivos: não falar das virtudes com um ar vago mas identificá-las, e ser isso que caracteriza uma pessoa. Nos casos
negativos a coisa fia mais fina, e não sei o que dizer... A vida das pessoas é
muito mais do que aquilo que elas são. É também, ou sobretudo, o que elas
fizeram.
Acabo o texto
sem saber se gastei 400 palavras em disparates. Acontece que é tarde, estou a
caminho de um jantar (escrevo na 3ªf de noite), estou cansado e deixei o
moleskine onde assento ideias na faculdade. Tenham paciência, ou dirijam-se a
outro estabelecimento.
JdB
1 comentário:
Ainda mais difícil e não menos probatório da respectiva natureza, será enunciar alguém por aquilo que ele não fez em determinada situação concreta, o "non facere" .
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