Um filme salvo pela qualidade histórica do
argumento é «LABIRINTO DE MENTIRAS»(1) cujo título alemão
é bem mais sugestivo: Labirinto de
silêncios. Não que faltem mentiras. Mas é sobretudo a falta por omissão que
impera. Muito interpelativo a rever e julgar erros, embora correndo o risco de
se entrincheirar numa lógica justiceira onde dificilmente há lugar ao perdão e
à reabilitação.
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A
loucura de uma investigação aos milhões de documentos
cuidadosamente
escritos e arquivados pelo Reich.
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A trama baseia-se em factos verídicos, despoletados
em 1958, praticamente uma década depois do fim da II Guerra. O processo de mudança
irrompe quando a nova geração alemã, que só presenciara o conflito na primeira
infância, começa a invadir o mercado de trabalho e introduz uma perspectiva
diferente da história, sem perceber nem aceitar a colaboração da maioria dos seus
compatriotas com o regime nazi. No pós-guerra, volta a não perceber o silêncio opaco
sobre esse passado recente, em que apenas houvera oportunidade de julgar as cúpulas
do Reich: menos de 50 pessoas. Onde estariam todos os outros? Só Auschwitz tivera
8000 guardas prisionais, responsáveis por atrocidades indizíveis. Faria sentido
a sociedade reintegrá-los acriticamente e isentá-los de julgamento?
Assinado por um realizador italiano, também
co-autor do argumento, a película começa por fazer desfilar personagens
relevantes para o enredo, deixando claro o seu carácter indelével, que
orientará as suas atitudes e acções posteriores. Assim, vemos junto ao
gradeamento de uma escola um artista de olhar triste, a arrasta-se com a paleta
de tintas. Preparando-se para fumar um cigarro, quase colapsa ao reconhecer um
indivíduo, muito hirto e solícito, que lhe oferece lume.
Em 1958, à semelhança daquele indivíduo (agora
professor primário), toda a cidade de Frankfurt transborda de aprumo, com uma
organização bem oleada, a funcionar primorosamente como um relógio de cuco. Revelador da capacidade de reconstrução recorde da
Alemanha Ocidental. Mal se adivinharia que aquele país estivera 10 anos antes no
epicentro de uma guerra tremenda, de onde saíra derrotado e em ruínas. À parte
do mérito da reconstrução fulgurante, o ambiente pacato e descomprometido da
sociedade – a saborear a moda das scooters coloridas e dos vestidos de tule em tons
primaveris e estampados florais – não parecia coadunar-se com a cumplicidade da
maioria daqueles cidadãos com um regime cruel e belicista.
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Johann com a namorada
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Os tempos correm depressa e o filme foca os animados
anos 50, na sede da Procuradoria de Frankfurt, onde juristas de elite andam atarefados
com milhares de processos sobre todos os crimes, excepto os da II Guerra. Tabu
absoluto. Mas nada melhor para desestabilizar o status quo do que um novato
ambicioso e cheio de brio – Johann Radmann – confinado a dossiers insignificantes, à base
de infracções às regras de trânsito. Claro que sonha em emancipar-se de
minudências e assumir casos importantes, de vida ou de morte. Percebemos na sua
aparição em tribunal, no início da película, que partilha o rigor germânico, q.b.
inflexível, apesar do olhar afectuoso e eivado de idealismo. Que até confirmou
ter, embora com boa dose de intransigência e imaturidade. Cabe-lhe ser o
protagonista desta narrativa, povoada de típicas ilusões e decepções.
A acção inicia-se, depois, com uma peripécia
em volta do tal professor alemão que fora reconhecido por um sobrevivente de
Auschwitz (o tal a quem o ex-SS se aprontara a acender o cigarro) e que ninguém
na Procuradoria estava disposto a investigar. O caso é levado aos Procuradores
por um jornalista exaltado, de aspecto subversivo e justiceiro, algo anarca,
que todos se habituaram a ignorar. Excepto Johann, que aproveita aquela
oportunidade de ouro para se lançar numa mega investigação, sem imaginar que
iria relembrar a página mais negra da história da Alemanha.
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O
jornalista reivindicativo a irromper pela Procuradoria com o sobrevivente de
Auschwitz, seu amigo. No friso de trás, à esquerda: Johann ao lado da
secretária hiper competente e bondosa
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Como é apanágio dos filmes históricos, também
aqui se presta a devida homenagem a quem ousou alterar as mentalidades alemãs
do pós-guerra, contra ventos e marés.
Soma ainda a vantagem de revisitar o passado para dele tentar extrair lições, forçando
os implicados na tragédia do III Reich a assumir responsabilidades pelos seus
actos. Redundando num processo de auto-conhecimento e de auto-avaliação, acaba
por expor as fraquezas e os pontos fortes de um povo, contrapondo duas épocas
próximas e aparentemente opostas, entre a ofensiva de 1939-45 e a tranquilidade
próspera de 1958. Dois tempos assentes na notável eficiência germânica. Umas máquinas… de efeitos perversos quando postas
ao serviço da guerra.
Na investigação por sua conta, com o
voluntarismo próprio da pouca idade, o novato do «Labirinto de Mentiras» é logo
torpedeado pelos colegas e, em seguida, pelo oficial americano que guarda os
arquivos nazis e nem acredita que um alemão quer mesmo reagitar o fantasma do
conflito e da culpabilidade dos cidadãos, hoje tornados anónimos. Mas nada faz
vacilar o jovem jurista, nem mesmo o erro de, involuntariamente, ter passado
informações internas ao tal jornalista agitador e ousado. O certo é que o Procurador-Geral
percebe a verve do seu jovem colaborador e dá-lhe carta branca para vasculhar
um passado tão difícil quanto humilhante, que beliscará gente VIP,
arriscando-se a abrir fraturas numa sociedade recém reerguida das cinzas.
À medida que as descobertas de Johann avançam,
também as pessoas se revelam… A quantidade de esqueletos descobertos no armário é assustadora. Fará impressão a
muitos reencontrar os antigos algozes pacatamente reinseridos na sociedade, a trabalhar
em escolas, escritórios, no pequeno comércio ou em lugares de destaque na
administração pública.
No desenho variado das personagens ressalta o
carácter sólido e íntegro da funcionária mais subalterna da Procuradoria – a
secretária maternal que acorre a todos os dossiers, sempre diligente e eficaz.
Firme como uma rocha, possui a sobriedade dos povos do Norte da Europa. Uma das
suas saídas emblemáticas é o repúdio silencioso, mas inequívoco, à despedida de
Johann, quando este se cansa da investigação labiríntica que lhe fora confiada
e resolve ir ganhar principescamente para o outro
lado da trincheira, num escritório de advogados de defesa, cheio de êxito.
Felizmente que o idealismo do imberbe procurador se choca, de imediato, com o
mercantilismo amoral de uma indústria
de defesa, especializada em contornar as leis segundo os interesses dos
clientes, sem escrúpulos. Nada poderia ferir mais o lema herdado do pai, que adoptou
como mantra: Veritas.
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Com a secretária fantástica.
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Ainda assim, a incursão de Johann ao lado
menos escrupuloso da justiça fora menos movida pelo dinheiro do que pelo
desânimo face à avalanche de revelações sobre os seguidores de Hitler, a incluir
o seu mentor e herói: o pai, igualmente jurista! Não bastava o desgosto de o
saber perdido em combate, prisioneiro de Estaline em parte incerta, para agora
lhe descobrir uma faceta sombria, que nunca imaginara.
Numa investigação dolorosa a todos os
títulos, a infligir-lhes desgostos pessoais grandes, Johann amadurece muito,
percebendo o risco de se arvorar em juiz puro à caça de cadastrados
não-assumidos. À medida que desvenda e consegue levar a tribunal os
torcionários de Auschwitz, aprende a matizar a realidade, a reconhecer
atenuantes e a ter a coragem de evoluir de “nãos” proferidos com o orgulho dos
que se tomam por impolutos, para o “sim” mais humilde e solidário com a frágil
condição humana. No fundo, ganha realismo. É disso prova a humildade com que
acabou por anuir ao pedido do pintor judeu e, não só se prontifica a ir ao
Campo de Concentração proferir a oração hebraica pelas filhas pequeninas ali
mortas, como aceita a companhia do jornalista, também ele ex-funcionário do
Campo, recrutado à força, aos 17 anos!
De facto, Veritas revela-se um mantra
extraordinário, ultrapassando os limites do ecrã. Profundamente transfigurador.
Ideal para nos humanizar, à medida que nos vamos imbuindo dessa luminosidade impregnada
de Amor, que constitui a trama da vida, marcada com o selo de veritas.
Paradoxal? Utópico? Só na aparência.
Maria
Zarco
(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2
semanas)
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(1) FICHA TÉCNICA
Título original:
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Im Labyrinth des Schweigens
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Título traduzido em Portugal:
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Labirinto de Mentiras
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Realização:
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Giulio Ricciarelli
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Argumento:
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Produzido por:
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Duração:
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122 min.
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Ano:
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2014
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País:
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Alemanha
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Elenco:
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Alexander Fehling (como Johann)
André Szymanski (o jornalista)
Friederike Becht (namorada de
Johann)
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Trailer oficial:
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www.youtube.com/watch?v=yZtY0LBbvak
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