As melhores viagens são, por vezes, aquelas em que partimos ontem e regressamos muitos anos antes
31 maio 2019
30 maio 2019
Crónicas de Praga (III) - ou Duas Últimas
Tudo tem a sua ocasião própria, e há tempo para todo propósito debaixo do céu.
Há tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou;
tempo de matar, e tempo de curar; tempo de derribar, e tempo de edificar;
tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de prantear, e tempo de dançar;
tempo de espalhar pedras, e tempo de ajuntar pedras; tempo de abraçar, e tempo de abster-se de abraçar;
tempo de buscar, e tempo de perder; tempo de guardar, e tempo de deitar fora;
tempo de rasgar, e tempo de coser; tempo de estar calado, e tempo de falar;
tempo de amar, e tempo de odiar; tempo de guerra, e tempo de paz.
(Livro do Eclesiastes)
***
Uma jovem sobrevivente da Bulgária faz uma apresentação a meias com a mãe. A apresentação é emotiva, ambas choram, talvez haja quem chore também na assistência. Uma das últimas frases da rapariga é esta (e cito de cor): even if your wings are broken, you can always fly with your heart. Comovi-me - e tive companhia de muita gente.
O que tem esta intervenção a ver com o excerto do livro do Eclesiastes? Tem tudo a ver, se o texto for pronunciado na primeira pessoa do singular; se o texto for lido de mim para mim, pensando no meu tempo e no tempo que eu tenho para cada propósito.
Como disse há uns dias, as minhas primeiras experiências de conferências semelhantes àquela em que participei na semana passada assentavam muito em histórias semelhantes à da jovem búlgara. Sonhos, desejos, fragilidades, dificuldades, vitórias. Como o tempo tornei-me talvez mais duro, menos sensível, e queria ter mais informação sobre o progresso dos tratamentos, sobre os medicamentos disponíveis, sobre a tecnologia. Os momentos mais sensíveis eram os que envolviam a fragilidade humana: podiam ser a de uma mãe que mantinha relações sexuais com o marido uma vez por semana em nome de um certo "espírito de equipa", como podiam ser a de uma médica sueca que não estava preparada para dizer a um adolescente que ele ia morrer.
Hoje, fruto da posição a que ascendi dentro da confederação, tenho (porque quero e porque devo) uma visão mais global do mundo, das assimetrias, do fosso, da necessidade de não nos fecharmos numa Europa rica e com taxas de sobrevivência boas e esquecer África, onde vinga a inversa. Talvez por isso, e porque sinto que uma das minhas tarefas (missão talvez seja exagerado) será (re)unificar esta organização mundial, percebo que por vezes volto atrás, ao tempo de chorar, ou de edificar, ou de falar. Quando me toca esse tempo, toca-me a frase da jovem búlgara, sobrevivente de um cancro.
Deixo-vos com o Livro do Eclesiastes, cantado pelos Byrds.
Deixo-vos com o Livro do Eclesiastes, cantado pelos Byrds.
JdB
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29 maio 2019
Textos dos dias que correm
O desaparecimento de Deus
«Devemos ao bem-estar opulento e ao orgulho da técnica se a fé em Deus vai desaparecendo. Multiplicámos o ruído e enchemos tudo de nós mesmos. Depois disso, admiramo-nos se o Senhor não se manifesta?»
Talvez algumas vezes a tentação tenha atravessado também o coração dos crentes: eles erguem o olhar para o céu, muitas vezes a poluição redu-lo a um manto cinzento, privado de luz e de estrelas, apenas capaz de te fazer suspeitar do vórtice de satélites militares, prontos a espiar-te. O olho de Deus já não está lá.
Já não se é capaz de dizer com o profeta Isaías: “O Senhor senta-se sobre a cúpula do mundo, de onde os habitantes parecem gafanhotos” (40,22). Nem se espera que «o Senhor do céu se incline sobre os homens para ver se existe um sábio, se há alguém que procure Deus» (Salmo 14,2).
Fica-se então convencido de que estamos sozinhos, sem testemunhas, e por isso autorizados a fazer aquilo que se quer, sem hesitações e sem temor de Deus. As palavras de Andrei Sinjavski (1925-1997), escritor do dissenso russo, emigrante em França, acertam no alvo.
Ele fala de um bem-estar opulento, uma técnica cada vez mais incontrolável na sua presumida omnipotência, um ruído ensurdecedor que impede toda a interioridade, um acumular de coisas que procura adormecer os frémitos da consciência.
Desta maneira, como podemos pretender ouvir os passos de um Deus que percorre os nossos caminhos sem campanhas publicitárias, porque a sua voz fala aos corações?
Os antigos latinos diziam que os deuses têm os pés envolvidos em lã, e portanto silenciosos. É por isso que Deus nos parece ausente, quando na verdade está junto de nós, invisível só porque nós olhamos para outra coisa, mudo só porque estamos com os auscultadores do ruído exterior.
P. (Card.) Gianfranco Ravasi
In Avvenire
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado pelo SNPC em 27.05.2019
«Devemos ao bem-estar opulento e ao orgulho da técnica se a fé em Deus vai desaparecendo. Multiplicámos o ruído e enchemos tudo de nós mesmos. Depois disso, admiramo-nos se o Senhor não se manifesta?»
Talvez algumas vezes a tentação tenha atravessado também o coração dos crentes: eles erguem o olhar para o céu, muitas vezes a poluição redu-lo a um manto cinzento, privado de luz e de estrelas, apenas capaz de te fazer suspeitar do vórtice de satélites militares, prontos a espiar-te. O olho de Deus já não está lá.
Já não se é capaz de dizer com o profeta Isaías: “O Senhor senta-se sobre a cúpula do mundo, de onde os habitantes parecem gafanhotos” (40,22). Nem se espera que «o Senhor do céu se incline sobre os homens para ver se existe um sábio, se há alguém que procure Deus» (Salmo 14,2).
Fica-se então convencido de que estamos sozinhos, sem testemunhas, e por isso autorizados a fazer aquilo que se quer, sem hesitações e sem temor de Deus. As palavras de Andrei Sinjavski (1925-1997), escritor do dissenso russo, emigrante em França, acertam no alvo.
Ele fala de um bem-estar opulento, uma técnica cada vez mais incontrolável na sua presumida omnipotência, um ruído ensurdecedor que impede toda a interioridade, um acumular de coisas que procura adormecer os frémitos da consciência.
Desta maneira, como podemos pretender ouvir os passos de um Deus que percorre os nossos caminhos sem campanhas publicitárias, porque a sua voz fala aos corações?
Os antigos latinos diziam que os deuses têm os pés envolvidos em lã, e portanto silenciosos. É por isso que Deus nos parece ausente, quando na verdade está junto de nós, invisível só porque nós olhamos para outra coisa, mudo só porque estamos com os auscultadores do ruído exterior.
P. (Card.) Gianfranco Ravasi
In Avvenire
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado pelo SNPC em 27.05.2019
28 maio 2019
Aborto - a certeza e a dúvida
O tema interessa-me, porque põe em confronto, dentro de mim, a certeza da convicção e a dúvida da convicção. Explicando melhor: sou contra o aborto; mas serei contra o aborto se a gravidez decorrer de violação ou incesto? E se responder que sim, fá-lo-ia com a mesma convicção caso fosse a minha filha, a minha mulher, a minha irmã ou alguém muito próximo?
Seguem, abaixo dois artigos importantes: o primeiro, intitulado Aborto em Legítima Defesa, escrito por Henrique Raposo no site da Renascença. O segundo, intitulado Alabama, Henrique Raposo e Legítima Defesa, publicado no blogue Actualidade Religiosa, foi escrito por Filipe d'Avillez. Vale a pena ler um e outro.
(Clicando nos dois textos tem-se acesso aos artigos integrais.)
JdB
***
Aborto em legítima defesa (por Henrique Raposo)
Sou contra o aborto. A legalização do aborto a pedido é um projecto político e legal que eu quero destruir, e estou certo de que a roda da história, que gira sobre o eixo do Evangelho, acabará por mudar o status quo. Todavia, só Deus é absoluto. Mesmo nesta questão do aborto, há zonas cinzentas e dúbias que arredondam a perfeição euclidiana desta causa. Na cidade dos homens, a moral não é uma linha recta, é uma linha às ondas como no “Grito” de Edvard Munch. Posto isto, importa ser claro: o que se está a passar nos EUA (Alabama) não faz sentido.
Impedir um aborto nos casos de violação e incesto é impor um mal sobre outro mal. É como impedir a legítima defesa num caso de homicídio. Um homicídio é sempre um mal, mas uma pessoa tem o direito de matar em caso de legítima defesa. Uma pessoa que mata para se defender fica sempre com essa cicatriz na alma, porque matar é sempre um mal. No entanto, matar é nestes casos o mal menor. Para serem coerentes com a sua visão absoluta e "perfeita" da vida, os políticos do Alabama que dizem que uma mulher não pode abortar em caso de violação também têm de defender que uma pessoa não tem o direito a matar em caso de legítima defesa (sim, podem rir à vontade: este é o Alabama das armas e da pena de morte).
(continua)
***
Alabama, Henrique Raposo e Legítima Defesa (por Filipe d'Avillez)
Causou alguma polémica um artigo de opinião publicado na Renascença por Henrique Raposo na passada semana, sobre a lei que recentemente proibiu o aborto, quase por completo, no Estado do Alabama, nos Estados Unidos.
Argumenta o Henrique que embora seja contra o aborto e a sua legalização, acha indispensável que haja exceções para casos de violação e de incesto, invocando para isto a noção de legítima defesa.
Gosto de ler os artigos do Henrique e penso que não estou só em admirar a forma honesta como ele tem descrito a caminhada religiosa e ideológica que tem feito ao longo dos últimos anos. Mas neste caso penso que comete alguns erros básicos de raciocínio, que devem ser confrontados.
Para começar, a analogia é muito fraca. Permitir o aborto por “legítima defesa” apenas faria sentido se considerássemos que o feto gerado é um agressor. Sem dúvida que existe um agressor em todos os casos de violação, e na maior parte dos casos de incesto, mas não é o bebé.
A questão do aborto é fraturante, e as discussões sobre ele tendem a tornar-se conversas de surdos. Mas na verdade o assunto é muito mais simples do que muitas vezes pensamos. O nascituro ou é um ser humano com dignidade e direitos, ou não é. Se acreditamos que é – e parece-me que o Henrique assim pensa – então basta pensarmos se o que propomos faria sentido se ele já fosse nascido. O Henrique aceitaria que uma mãe matasse, ou mandasse matar o seu filho recém-nascido, ou de dois anos, por ser parecido com o pai, violador? Claro que não.
Se, pelo contrário, acreditamos que o feto não é merecedor de qualquer direito e não tem dignidade humana, então é descartável.
(continua)
27 maio 2019
Crónicas de Praga (II)
Praga, Maio de 2019 |
5ª feira de manhã: médicos, sobreviventes de cancro pediátrico, Pais, discutem fertilidade: o que deve dizer-se, quando deve dizer-se e a quem. Não é uma informação de passagem, meramente logística. Para alguns doentes - 13, 14, 15 anos - é um projecto de vida que pode estar em risco. Não falamos de sobrevivência apenas, mas da possibilidade de, sobrevivendo-se, ser-se pai, mãe, criar-se uma família, um projecto. Num certo sentido, falar-se com um pai ou com um adolescente sobre isto é, também, dar a cura como (quase) garantida. Não se fala de fertilidade a quem tem uma prognóstico muito reservado, com probabilidade muito reduzida de sobrevivência.
5ª feira de tarde: o CEO de uma empresa sueca fala de avatares, e põe em cima da mesa um "dispositivo" que, visto de longe, pouco diferente é de uma máquina de moer café. Ligam a máquina e estabelece-se um diálogo com a máquina, que responde a perguntas. O objectivo? Depois de milhões investidos em investigação, criar uma tecnologia que faça companhia a crianças doentes e muito isoladas, ou a crianças que, em casa usam a interface para estarem "presentes" numa sala de aula.
Praga, Maio de 2019 |
Duas sessões muito técnicas, muito voltadas para o futuro. Fala-se em avatares, em crio-preservação, em custos de tecnologia, em conservação de tecidos. Depois, entre estas duas sessões, o regresso a um certo passado: Rússia, Ucrânia, Geórgia e Roménia falam das suas realidades: as dificuldades, as faltas de dinheiro para o básico - nomeadamente para ter um professor num hospital. Quando dei por mim recuava dez anos, para uma altura em que as apresentações destes congressos eram, sobretudo, as dificuldades de implementação.
Algo dentro de mim se comoveu: não com este choque entre o futuro quase risonho e um presente muito lutado, mas por perceber que somos várias europas, que o fosso que separa umas e outros é ainda grande, o que torna a nossa missão mais desafiante. Somos, Childhood Cancer International (divisão europeia), uma realidade dupla: estamos na cabeça do pelotão em termos de defesa dos interesses de doentes, de trabalho conjunto entre oncologistas pediátricos e organizações de pais / sobreviventes; mas também nos constituímos como o carro vassoura que, na cauda do pelotão, ampara, incentiva e não deixa que ninguém fique para trás ou desista.
Nenhuma criança devia morrer de cancro - um lema que usamos muito. Será um sonho? Como diria o poeta da Arrábida, pelo sonho é que vamos.
JdB
26 maio 2019
VI Domingo da Páscoa
EVANGELHO – Jo 14,23-29
Naquele tempo,
disse Jesus aos seus discípulos:
«Quem Me ama guardará a minha palavra e meu Pai o amará;
Nós viremos a ele
e faremos nele a nossa morada.
Quem Me não ama não guarda a minha palavra. Ora a palavra que ouvis não é minha,
mas do Pai que Me enviou.
Disse-vos estas coisas, estando ainda convosco. Mas o Paráclito, o Espírito Santo,
que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas
e vos recordará tudo o que Eu vos disse. Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz. Não vo-la dou como a dá o mundo.
Não se perturbe nem se intimide o vosso coração. Ouvistes o que Eu vos disse:
Vou partir, mas voltarei para junto de vós.
Se Me amásseis,
ficaríeis contentes por Eu ir para o Pai, porque o Pai é maior do que Eu.
Disse-vo-lo agora, antes de acontecer,
para que, quando acontecer, acrediteis».
Naquele tempo,
disse Jesus aos seus discípulos:
«Quem Me ama guardará a minha palavra e meu Pai o amará;
Nós viremos a ele
e faremos nele a nossa morada.
Quem Me não ama não guarda a minha palavra. Ora a palavra que ouvis não é minha,
mas do Pai que Me enviou.
Disse-vos estas coisas, estando ainda convosco. Mas o Paráclito, o Espírito Santo,
que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas
e vos recordará tudo o que Eu vos disse. Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz. Não vo-la dou como a dá o mundo.
Não se perturbe nem se intimide o vosso coração. Ouvistes o que Eu vos disse:
Vou partir, mas voltarei para junto de vós.
Se Me amásseis,
ficaríeis contentes por Eu ir para o Pai, porque o Pai é maior do que Eu.
Disse-vo-lo agora, antes de acontecer,
para que, quando acontecer, acrediteis».
25 maio 2019
Poemas dos dias que correm
A criança que fui chora na estrada.
I
A criança que fui chora na estrada.
Deixei-a ali quando vim ser quem sou;
Mas hoje, vendo que o que sou é nada,
Quero ir buscar quem fui onde ficou.
Ah, como hei-de encontrá-lo? Quem errou
A vinda tem a regressão errada.
Já não sei de onde vim nem onde estou.
De o não saber, minha alma está parada.
Se ao menos atingir neste lugar
Um alto monte, de onde possa enfim
O que esqueci, olhando-o, relembrar,
Na ausência, ao menos, saberei de mim,
E, ao ver-me tal qual fui ao longe, achar
Em mim um pouco de quando era assim.
II
Dia a dia mudamos para quem
Amanhã não veremos. Hora a hora
Nosso diverso e sucessivo alguém
Desce uma vasta escadaria agora.
E uma multidão que desce, sem
Que um saiba de outros. Vejo-os meus e fora.
Ah, que horrorosa semelhança têm!
São um múltiplo mesmo que se ignora.
Olho-os. Nenhum sou eu, a todos sendo.
E a multidão engrossa, alheia a ver-me,
Sem que eu perceba de onde vai crescendo.
Sinto-os a todos dentro em mim mover-me,
E, inúmero, prolixo, vou descendo
Até passar por todos e perder-me.
III
Meu Deus! Meu Deus! Quem sou, que desconheço
O que sinto que sou? Quem quero ser
Mora, distante, onde meu ser esqueço,
Parte, remoto, para me não ter.
22-9-1933
Novas Poesias Inéditas. Fernando Pessoa. (Direcção, recolha e notas de Maria do Rosário Marques Sabino e Adelaide Maria Monteiro Sereno.) Lisboa: Ática, 1973 (4ª ed. 1993). - 90.
I
A criança que fui chora na estrada.
Deixei-a ali quando vim ser quem sou;
Mas hoje, vendo que o que sou é nada,
Quero ir buscar quem fui onde ficou.
Ah, como hei-de encontrá-lo? Quem errou
A vinda tem a regressão errada.
Já não sei de onde vim nem onde estou.
De o não saber, minha alma está parada.
Se ao menos atingir neste lugar
Um alto monte, de onde possa enfim
O que esqueci, olhando-o, relembrar,
Na ausência, ao menos, saberei de mim,
E, ao ver-me tal qual fui ao longe, achar
Em mim um pouco de quando era assim.
II
Dia a dia mudamos para quem
Amanhã não veremos. Hora a hora
Nosso diverso e sucessivo alguém
Desce uma vasta escadaria agora.
E uma multidão que desce, sem
Que um saiba de outros. Vejo-os meus e fora.
Ah, que horrorosa semelhança têm!
São um múltiplo mesmo que se ignora.
Olho-os. Nenhum sou eu, a todos sendo.
E a multidão engrossa, alheia a ver-me,
Sem que eu perceba de onde vai crescendo.
Sinto-os a todos dentro em mim mover-me,
E, inúmero, prolixo, vou descendo
Até passar por todos e perder-me.
III
Meu Deus! Meu Deus! Quem sou, que desconheço
O que sinto que sou? Quem quero ser
Mora, distante, onde meu ser esqueço,
Parte, remoto, para me não ter.
22-9-1933
Novas Poesias Inéditas. Fernando Pessoa. (Direcção, recolha e notas de Maria do Rosário Marques Sabino e Adelaide Maria Monteiro Sereno.) Lisboa: Ática, 1973 (4ª ed. 1993). - 90.
24 maio 2019
Textos dos dias que correm
No pântano
«Sentava-se à beira-mar, como uma figura anciã e patética que grita qualquer coisa a uma flotilha de jovens que deslizavam no fatal pântano do mundo: os recursos que diminuem, as liberdades que desaparecem, os anúncios publicitários sem escrúpulos que se adaptam a uma insensata cultura popular feita de música e cerveja, e de jovens mulheres de magreza e forma física impossíveis.»
A impressão desencorajada de um educador ancião que tenta, em vão, comunicar alguns valores aos jovens, que, em vez disso, são atraídos pela música, cerveja e namoradas, todos nós, adultos, pais, professores ou sacerdotes, a experimentamos de alguma maneira.
Representa-a com amargura um dos mais conhecidos escritores americanos contemporâneos, John Updike, falecido em 2009, no seu romance de título emblemático “O terrorista”.
A tentação de sentir-se totalmente inútil e até ridículo, é sustentada por outra consideração pessimista do escritor sobre a história, vista como «uma máquina que tritura perpetuamente a humanidade, dela fazendo pó».
É verdade que muitas vezes para o qual os jovens deslizam, feito de álcool, droga, sexo, vazio ensurdecedor, é uma realidade que aperta o coração e faz extinguir dos lábios as palavras de advertência e sensatez.
No entanto, não se deve ceder à resignação por duas razões. A primeira liga-se ao facto de que, como dizia Pascal, «o homem supera infinitamente o homem», e pode, portanto, ter sempre em si uma centelha de salvação, uma semente de redenção, uma secreta capacidade de não sucumbir.
O outro motivo de esperança está também na multidão de jovens que se dedica ao voluntariado, que tem em si uma forte carga de paixão, de criatividade e de vida: são muitas vezes eles que infundem confiança e esperança a nós, adultos e anciãos.
P. (Card.) Gianfranco Ravasi
In Avvenire
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado pelo SNPC em 22.05.2019
«Sentava-se à beira-mar, como uma figura anciã e patética que grita qualquer coisa a uma flotilha de jovens que deslizavam no fatal pântano do mundo: os recursos que diminuem, as liberdades que desaparecem, os anúncios publicitários sem escrúpulos que se adaptam a uma insensata cultura popular feita de música e cerveja, e de jovens mulheres de magreza e forma física impossíveis.»
A impressão desencorajada de um educador ancião que tenta, em vão, comunicar alguns valores aos jovens, que, em vez disso, são atraídos pela música, cerveja e namoradas, todos nós, adultos, pais, professores ou sacerdotes, a experimentamos de alguma maneira.
Representa-a com amargura um dos mais conhecidos escritores americanos contemporâneos, John Updike, falecido em 2009, no seu romance de título emblemático “O terrorista”.
A tentação de sentir-se totalmente inútil e até ridículo, é sustentada por outra consideração pessimista do escritor sobre a história, vista como «uma máquina que tritura perpetuamente a humanidade, dela fazendo pó».
É verdade que muitas vezes para o qual os jovens deslizam, feito de álcool, droga, sexo, vazio ensurdecedor, é uma realidade que aperta o coração e faz extinguir dos lábios as palavras de advertência e sensatez.
No entanto, não se deve ceder à resignação por duas razões. A primeira liga-se ao facto de que, como dizia Pascal, «o homem supera infinitamente o homem», e pode, portanto, ter sempre em si uma centelha de salvação, uma semente de redenção, uma secreta capacidade de não sucumbir.
O outro motivo de esperança está também na multidão de jovens que se dedica ao voluntariado, que tem em si uma forte carga de paixão, de criatividade e de vida: são muitas vezes eles que infundem confiança e esperança a nós, adultos e anciãos.
P. (Card.) Gianfranco Ravasi
In Avvenire
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado pelo SNPC em 22.05.2019
23 maio 2019
Crónicas de Praga
Emily, francesa, tinha 5 anos quando lhe foi diagnosticada uma leucemia. Foi tratada (talvez transplante, já não sei bem) mas, aos 10 anos, surgiram complicações. Os dois ou três anos seguintes foram dramáticos, tendo sido dada como (quase) perdida. Foi submetida a um tratamento inovador e, poucos meses depois, estava na escola. Poucos anos depois subia a uma montanha com 3.000 metros, empunhando uma bandeira onde se podia ler: "a chacun son Everest".
Desde 2009, talvez (e a nível internacional, porque a nível nacional já levo mais tempo) que vou assistindo aos "everests" de muita gente: gente que sobe, gente que fraqueja, gente que parte na caminhada. Acho sempre - e repito-o muito, porque me esqueço - que estes "everests" me devem ficar na memória, para relativizar as minhas montanhas aparentemente tão grandes. Grande é o "everest" de Emily e o de muitas outras pessoas como ela; as nossas montanhas, por mais altas que nos pareçam, são sempre coisinhas poucas.
Ver gente a dançar em Praga (oncologistas pediátricos, investigadores, pais, membros de associações, sobreviventes - de todos os cantos da Europa) é o mesmo que ver gente a dançar na Quinta do Lago ou num casamento de gente rica de Lisboa: são as mulheres que mais dançam, que se agitam freneticamente até ao limite. Mas em todos - mulheres, mas também homens - há um denominador muito comum: a dança como manifestação primitiva de expulsão de demónios, de toxinas, de cansaços. Há gente que dança bem, há gente que dança sem ritmo ao som de uma música que não ouviria em casa. Talvez seja a reacção a um dia de trabalhos em que se fala de cancro em crianças, de taxas de sobrevivência, de remédios que tiram as dores e que não são dados universalmente nesta Europa dos direitos dos animais, das não ofensas ao Islão, das ideologias de género. Eu sei que isto é uma grande misturada, mas o estabelecimento é meu. E sim, dancei, com gente da minha idade - uma espanhola e uma holandesa.
Estar em Praga é voltar a um sítio bonito, que continua a encantar-me. Estar em Praga é conviver com tudo: com a gargalhada, com o encontro de amigos, com a gente que se conhece, com a estatística que ofende, com a quantidade de pessoas que, podendo embelezar cirurgicamente o corpo de mulheres já de si bonitas, optam por tratar o cancro em crianças, ou com pessoas que foram afectadas por isto - pais ou sobreviventes - e que fazem disto uma (quase) cruzada.
JdB
JdB
22 maio 2019
Vai um gin do Peter’s ?
CONVENTOS LISBOETAS DE PORTAS ABERTAS A 24 E 25 de MAIO
A iniciativa chama-se OPEN CONVENTOS e foi organizada pelo Patriarcado para o público conhecer espaços inacessíveis, que vão estar abertos Sexta e Sábado. Também haverá visitas guiadas, por inscrição (dados no final).
Talvez seja menos conhecida a quantidade imensa de monumentos que integram o património conventual, porque Lisboa era uma cidade repleta de conventos e mosteiros, muitos deles confiscados, outros cedidos, outros vendidos após a extinção das Ordens religiosas. Neste roteiro cultural está, por exemplo, o antigo convento de S.Bento, actual sede da Assembleia da República. A maioria está ocupada por serviços ligados ao Estado, nem tudo em bom estado de conservação, apesar dos esforços que têm sido feitos.
O noticiário da Pastoral da Cultura explica o programa, que abrange só uma parcela dos antigos conventos de Lisboa.
«O que têm em comum a Assembleia da República, o Museu Nacional de Arte Antiga, a Cúria Patriarcal ou os Armazéns do Chiado? Todos já foram conventos ou mosteiros. Lisboa é pontuada por edifícios que outrora foram casas de comunidades religiosas, cada uma com os seus fins – a oração, o acolhimento, a educação –, e que hoje cumprem propósitos bem diferentes. A iniciativa “Open Conventos” (…) convida o público a conhecer gratuitamente «os lugares e a memória desses edifícios», com a orientação de especialistas ou em regime de visita livre.
[ABERTURA – 23 de Maio – 18H00 - Igreja de S. Vicente de Fora]
- Concerto de órgão, por Sérgio Silva.
[18H30] - Painel “O que fazer com os Conventos de Lisboa?”. Participam Catarina Vaz Pinto, vereadora da Cultura da Câmara Municipal de Lisboa, Raquel Henriques da Silva, da Universidade Nova de Lisboa, P. António Pedro Boto, da Direção Cultural do Patriarcado de Lisboa, Margarida Montenegro, diretora da Cultura da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e João Carlos Santos, subdiretor-geral da Direção Geral do Património Cultural.
[MONUMENTOS ABERTOS E
ITINERÁRIO DAS VISITAS GUIADAS, QUE REQUEREM INSCRIÇÃO COMO INDICADO NO FINAL
SEXTA- 10hH00]
O primeiro itinerário, pelo bairro da Madragoa, começa na sexta-feira, às 10h00, guiado por Hélia Silva, e contempla o convento de Nossa Senhora da Soledade (Convento das Trinas / Instituto Hidrográfico), mosteiro de Nossa Senhora da Nazaré de Lisboa (Convento das Bernardas / Museu da Marioneta) e mosteiro de Santa Brígida (ISEG).
“Os conventos da Pampulha” é a proposta para as 14h15, com Augusto Moutinho Borges, num percurso que passa pelos conventos de S. Francisco de Paula (Igreja de São Francisco de Paula), S. João de Deus (Convento da Pampulha / Centro Clínico da GNR), Santo Alberto (Capela das Albertas / Museu Nacional de Arte Antiga) e Nossa Senhora dos Remédios (Convento dos Marianos / Igreja Evangélica Lusitana).
No mesmo dia estão disponíveis visitas guiadas por Sofia Rodrigues e Sandra Costa Saldanha ao convento de Nossa Senhora do Bom Sucesso (Colégio de Nossa Senhora do Bom Sucesso (10h00 e 18h00), ao mosteiro de São Bento da Saúde (Assembleia da República) (10h00 e 15h00) e ao convento de Nossa Senhora de Jesus (Academia das Ciências e Museu Geológico), guiada pelo P. António Boto e Hélia Silva
[SÁBADO- 10hH00]
Também no sábado, das 10h00 às 18h00, há visitas livres (exceto nos horários das celebrações litúrgicas) nos mosteiros de Nossa Senhora da Nazaré de Lisboa (convento das Bernardas), Santíssimo Sacramento de Lisboa (igreja de Santa Catarina) e S. Vicente de Fora.
Estão também abertos os conventos de S. Francisco de Paula (igreja de São Francisco de Paula), Nossa Senhora de Jesus (igreja das Mercês), Nossa Senhora da Conceição dos Cardaes, S. Pedro de Alcântara, Nossa Senhora da Graça (igreja da Graça) e Madre de Deus (museu do azulejo), bem como na casa professa de S. Roque (igreja e museu de São Roque).
No sábado, 25 de maio, Pedro Rocha orienta, a partir das 10h00, o itinerário pelos conventos do Bairro Alto, com visitas ao mosteiro do Santíssimo Sacramento de Lisboa (igreja de Santa Catarina), casa professa de S. Roque (museu de São Roque), convento de S. Pedro de Alcântara e convento de Nossa Senhora da Conceição dos Cardaes.
À mesma hora começa o itinerário pelos conventos do Chiado, conduzido por Raquel Henriques da Silva, que prevê paragens nos conventos da Santíssima Trindade – exterior (Cervejaria Trindade), Nossa Senhora do Carmo (museu arqueológico do Carmo e quartel do Carmo), Espírito Santo – exterior (Armazéns do Chiado) e S.Francisco da Cidade (quarteirão da Academia de Belas Artes).
Os conventos de Sant’Ana estão no centro do itinerário marcado para as 15h00, com Ricardo Máximo, e passagem pelo colégio de Santo Antão-o-Novo (hospital de São José), bem como pelos conventos de Nossa Senhora da Encarnação e de S. Domingos (igreja de S. Domingos).
Igualmente no sábado realizam-se, às 10h00, visitas guiadas ao mosteiro de S. Vicente de Fora (P. Bruno Machado) e convento de S. Francisco da Cidade (Fernando António Baptista Pereira).
Às 10h00 e 15h00 estão disponíveis para visita guiada os conventos de Nossa Senhora da Conceição do Monte Olivete – Convento do Grilo Isabel Guedes), Santos-o-Novo (Paulo Santos Costa), Madre de Deus (museu do azulejo) (Dora Fernandes), S. Pedro de Alcântara (Ricardo Máximo) e casa professa de S.Roque (museu de São Roque) (João Simões).
Às 15h00 é possível ainda ser guiado pelos convento de Nossa Senhora da Graça (Margarida Elias) e às 17h00 pelo convento de Nossa Senhora do Bom Sucesso (colégio de Nossa Senhora do Bom Sucesso) (Raquel Henriques da Silva).
Em regime de visita livre (10h00-18h00) podem ser (re)descobertos os mosteiros de Nossa Senhora da Nazaré de Lisboa (Convento das Bernardas), do Santíssimo Sacramento de Lisboa (igreja de Santa Catarina) e S. Vicente de Fora.
No mesmo horário abrem as portas os conventos de S. Francisco de Paula (igreja de São Francisco de Paula), Nossa Senhora de Jesus (igreja das Mercês), Nossa Senhora da Conceição dos Cardaes, S. Pedro de Alcântara e Madre de Deus (museu do azulejo), a par da casa professa de S. Roque (igreja e museu de S. Roque).
[INSCRIÇÃO]
A participação nos itinerários e visitas guiadas está sujeita a inscrição prévia, e só se realiza com um mínimo de 10 participantes e máximo de 30. As marcações e pedidos de informação devem ser dirigidas ao Serviço de Públicos e Desenvolvimento Cultural da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, através dos telefones 213 240 869 / 67 / 87.»
Sexta e Sábado, não faltarão oportunidades para redescobrir uma Lisboa mais secreta, desde que haja agenda para alinhar nas boas sugestões.
Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)
A iniciativa chama-se OPEN CONVENTOS e foi organizada pelo Patriarcado para o público conhecer espaços inacessíveis, que vão estar abertos Sexta e Sábado. Também haverá visitas guiadas, por inscrição (dados no final).
Talvez seja menos conhecida a quantidade imensa de monumentos que integram o património conventual, porque Lisboa era uma cidade repleta de conventos e mosteiros, muitos deles confiscados, outros cedidos, outros vendidos após a extinção das Ordens religiosas. Neste roteiro cultural está, por exemplo, o antigo convento de S.Bento, actual sede da Assembleia da República. A maioria está ocupada por serviços ligados ao Estado, nem tudo em bom estado de conservação, apesar dos esforços que têm sido feitos.
Perspetiva do Mosteiro de São Bento da Saúde (pormenor), cópia anónima do projeto de Baltasar Álvares, c. 1730-1750, FBAUP. |
O noticiário da Pastoral da Cultura explica o programa, que abrange só uma parcela dos antigos conventos de Lisboa.
«O que têm em comum a Assembleia da República, o Museu Nacional de Arte Antiga, a Cúria Patriarcal ou os Armazéns do Chiado? Todos já foram conventos ou mosteiros. Lisboa é pontuada por edifícios que outrora foram casas de comunidades religiosas, cada uma com os seus fins – a oração, o acolhimento, a educação –, e que hoje cumprem propósitos bem diferentes. A iniciativa “Open Conventos” (…) convida o público a conhecer gratuitamente «os lugares e a memória desses edifícios», com a orientação de especialistas ou em regime de visita livre.
[ABERTURA – 23 de Maio – 18H00 - Igreja de S. Vicente de Fora]
- Concerto de órgão, por Sérgio Silva.
[18H30] - Painel “O que fazer com os Conventos de Lisboa?”. Participam Catarina Vaz Pinto, vereadora da Cultura da Câmara Municipal de Lisboa, Raquel Henriques da Silva, da Universidade Nova de Lisboa, P. António Pedro Boto, da Direção Cultural do Patriarcado de Lisboa, Margarida Montenegro, diretora da Cultura da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e João Carlos Santos, subdiretor-geral da Direção Geral do Património Cultural.
[MONUMENTOS ABERTOS E
ITINERÁRIO DAS VISITAS GUIADAS, QUE REQUEREM INSCRIÇÃO COMO INDICADO NO FINAL
SEXTA- 10hH00]
O primeiro itinerário, pelo bairro da Madragoa, começa na sexta-feira, às 10h00, guiado por Hélia Silva, e contempla o convento de Nossa Senhora da Soledade (Convento das Trinas / Instituto Hidrográfico), mosteiro de Nossa Senhora da Nazaré de Lisboa (Convento das Bernardas / Museu da Marioneta) e mosteiro de Santa Brígida (ISEG).
“Os conventos da Pampulha” é a proposta para as 14h15, com Augusto Moutinho Borges, num percurso que passa pelos conventos de S. Francisco de Paula (Igreja de São Francisco de Paula), S. João de Deus (Convento da Pampulha / Centro Clínico da GNR), Santo Alberto (Capela das Albertas / Museu Nacional de Arte Antiga) e Nossa Senhora dos Remédios (Convento dos Marianos / Igreja Evangélica Lusitana).
No mesmo dia estão disponíveis visitas guiadas por Sofia Rodrigues e Sandra Costa Saldanha ao convento de Nossa Senhora do Bom Sucesso (Colégio de Nossa Senhora do Bom Sucesso (10h00 e 18h00), ao mosteiro de São Bento da Saúde (Assembleia da República) (10h00 e 15h00) e ao convento de Nossa Senhora de Jesus (Academia das Ciências e Museu Geológico), guiada pelo P. António Boto e Hélia Silva
[SÁBADO- 10hH00]
Também no sábado, das 10h00 às 18h00, há visitas livres (exceto nos horários das celebrações litúrgicas) nos mosteiros de Nossa Senhora da Nazaré de Lisboa (convento das Bernardas), Santíssimo Sacramento de Lisboa (igreja de Santa Catarina) e S. Vicente de Fora.
Estão também abertos os conventos de S. Francisco de Paula (igreja de São Francisco de Paula), Nossa Senhora de Jesus (igreja das Mercês), Nossa Senhora da Conceição dos Cardaes, S. Pedro de Alcântara, Nossa Senhora da Graça (igreja da Graça) e Madre de Deus (museu do azulejo), bem como na casa professa de S. Roque (igreja e museu de São Roque).
No sábado, 25 de maio, Pedro Rocha orienta, a partir das 10h00, o itinerário pelos conventos do Bairro Alto, com visitas ao mosteiro do Santíssimo Sacramento de Lisboa (igreja de Santa Catarina), casa professa de S. Roque (museu de São Roque), convento de S. Pedro de Alcântara e convento de Nossa Senhora da Conceição dos Cardaes.
À mesma hora começa o itinerário pelos conventos do Chiado, conduzido por Raquel Henriques da Silva, que prevê paragens nos conventos da Santíssima Trindade – exterior (Cervejaria Trindade), Nossa Senhora do Carmo (museu arqueológico do Carmo e quartel do Carmo), Espírito Santo – exterior (Armazéns do Chiado) e S.Francisco da Cidade (quarteirão da Academia de Belas Artes).
Gravura de J. Novaes Jr (início do séc. XX) : A "Academia de Belas-Artes e Biblioteca Pública" no "Convento de S. Francisco de Lisboa" |
Maqueta em 3D do "Convento de S. Francisco de Lisboa" e "Igreja dos Mártires", antes do terramoto de 1755. |
Os conventos de Sant’Ana estão no centro do itinerário marcado para as 15h00, com Ricardo Máximo, e passagem pelo colégio de Santo Antão-o-Novo (hospital de São José), bem como pelos conventos de Nossa Senhora da Encarnação e de S. Domingos (igreja de S. Domingos).
Igualmente no sábado realizam-se, às 10h00, visitas guiadas ao mosteiro de S. Vicente de Fora (P. Bruno Machado) e convento de S. Francisco da Cidade (Fernando António Baptista Pereira).
Às 10h00 e 15h00 estão disponíveis para visita guiada os conventos de Nossa Senhora da Conceição do Monte Olivete – Convento do Grilo Isabel Guedes), Santos-o-Novo (Paulo Santos Costa), Madre de Deus (museu do azulejo) (Dora Fernandes), S. Pedro de Alcântara (Ricardo Máximo) e casa professa de S.Roque (museu de São Roque) (João Simões).
Às 15h00 é possível ainda ser guiado pelos convento de Nossa Senhora da Graça (Margarida Elias) e às 17h00 pelo convento de Nossa Senhora do Bom Sucesso (colégio de Nossa Senhora do Bom Sucesso) (Raquel Henriques da Silva).
Em regime de visita livre (10h00-18h00) podem ser (re)descobertos os mosteiros de Nossa Senhora da Nazaré de Lisboa (Convento das Bernardas), do Santíssimo Sacramento de Lisboa (igreja de Santa Catarina) e S. Vicente de Fora.
Azulejaria no Mosteiro de S. Vicente de Fora |
Igreja do Convento de Jesus |
[INSCRIÇÃO]
A participação nos itinerários e visitas guiadas está sujeita a inscrição prévia, e só se realiza com um mínimo de 10 participantes e máximo de 30. As marcações e pedidos de informação devem ser dirigidas ao Serviço de Públicos e Desenvolvimento Cultural da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, através dos telefones 213 240 869 / 67 / 87.»
Sexta e Sábado, não faltarão oportunidades para redescobrir uma Lisboa mais secreta, desde que haja agenda para alinhar nas boas sugestões.
Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)
21 maio 2019
Em Praga
Praga 2019, Centro de Congressos |
Há locais que repito com um intervalo de muitos anos. Estive pela primeira vez em Praga em 1982, talvez; regressei em 2002 ou 2003, e aqui estou de novo. Fui a primeira vez em lazer, a segunda em serviço profissional, a terceira no âmbito do meu voluntariado internacional.
Cheguei a Praga pela primeira vez de carro, vindo de Viena. Vigorava o regime comunista e eu passara por Paris, Viena, Munique, Salzburgo e Budapeste. A minha frase foi imediata: Praga é a cidade mais bonita do mundo. Em 2002, com outras paragens acrescidas ao meu cardápio, voltei a dizer a mesma coisa. Praga é menos impressionante do que Paris; talvez seja menos imperial do que Viena e não tem a beleza do Danúbio (pujante como só ali) a separar Buda e Peste. No entanto, a beleza da cidade advém-lhe do equilíbrio.
Com uma vida muito ocupada com reuniões, não terei possibilidade de andar a pé pela cidade. Resta-me tentar, hoje ainda, ir à ponta Károly (ou Carlos ou Charles), porque é das coisas bonitas para ver nesta capital.
***
Apanho um Uber do aeroporto para o Hotel. O diálogo inicial é este (quase ipsis verbis):
Ele: how are you, man?
Eu: very good, and yourself?
Ele: not good; I broke up with my girlfriend.
Eu (muito estúpido): did you brake with her or did she brake with you?
Ele: she broke with me.
Ele ainda: you know, man, she's always complaining. I don't know what she wants.
Eu (muito estúpido, ainda): That's what Freud said 100 years ago: you never know what women want.
Ele: I specifically told her not to do anything in the next 3 weeks, I have to be focussed for my finals. After that she could do anything...
Gosto da Uber. Sei o que vou pagar, é gente simpática e educada. Por vezes (e aconteceu uma vez em Washington com um motorista que ouvia Santana na telefonia) interajo mais proximamente com eles. Desta vez coube-me, não música, mas um romance tristemente acabado entre um georgiano e uma russa que detesta Putin. Pior ainda, não tenho um telefone para lhe perguntar se tudo se compôs...
JdB
20 maio 2019
Textos dos dias que correm
O amor visto
A grande aventura cristã não é uma aventura ideológica. Os discípulos não tinham grande coisa a dizer. Imaginemos Pedro: que tinha ele a dizer, aquele pescador do lago de Tiberíades, aos atenienses, que de filosofia sabiam muito mais que ele?
Que tinha ele a dizer aos mestres judaicos que tinham escrutinado os vários sentidos da Bíblia mil vezes mais do que ele? O que tinha a propor aos romanos, que haviam criado o direito e eram uma civilização altamente sofisticada?
Pedro não levava no seu alforge nenhum tratado estimulante para o pensamento, nenhuma descoberta técnica ou teórica. A única coisa que Pedro levava consigo era Jesus, a experiência de Jesus, a sua Boa Nova pascal e o seu mandamento: «Dou-vos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros, como Eu vos amei».
É esta a verdadeira novidade que Pedro e a sua barca que é a Igreja guardam ao longo da história. Testemunhar que a medida do nosso amor, o modelo do nosso amor, pode ser o próprio Cristo.
E que somos chamados a amar como Ele amou, com aquela disposição, com aquela gratuidade, com aquela capacidade de ser dom até ao fim. A grande força da identidade cristã radica-se sempre aqui.
Aquilo que vemos de extraordinário no cristianismo das origens é como ele não deixa indiferente as multidões, que comentam: «Vede como se amam».
D. José Tolentino Mendonça
In Avvenire
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado pelo SNPC em 19.05.2019
A grande aventura cristã não é uma aventura ideológica. Os discípulos não tinham grande coisa a dizer. Imaginemos Pedro: que tinha ele a dizer, aquele pescador do lago de Tiberíades, aos atenienses, que de filosofia sabiam muito mais que ele?
Que tinha ele a dizer aos mestres judaicos que tinham escrutinado os vários sentidos da Bíblia mil vezes mais do que ele? O que tinha a propor aos romanos, que haviam criado o direito e eram uma civilização altamente sofisticada?
Pedro não levava no seu alforge nenhum tratado estimulante para o pensamento, nenhuma descoberta técnica ou teórica. A única coisa que Pedro levava consigo era Jesus, a experiência de Jesus, a sua Boa Nova pascal e o seu mandamento: «Dou-vos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros, como Eu vos amei».
É esta a verdadeira novidade que Pedro e a sua barca que é a Igreja guardam ao longo da história. Testemunhar que a medida do nosso amor, o modelo do nosso amor, pode ser o próprio Cristo.
E que somos chamados a amar como Ele amou, com aquela disposição, com aquela gratuidade, com aquela capacidade de ser dom até ao fim. A grande força da identidade cristã radica-se sempre aqui.
Aquilo que vemos de extraordinário no cristianismo das origens é como ele não deixa indiferente as multidões, que comentam: «Vede como se amam».
D. José Tolentino Mendonça
In Avvenire
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado pelo SNPC em 19.05.2019
19 maio 2019
V Domingo da Páscoa
EVANGELHO – Jo 13,31-33a.34-35
Quando Judas saiu do cenáculo, disse Jesus aos seus discípulos:
«Agora foi glorificado o Filho do homem
e Deus glorificado n’Ele.
Se Deus foi glorificado n’Ele,
Deus também O glorificará em Si mesmo e glorificá-l’O-á sem demora.
Meus filhos, é por pouco tempo que ainda estou convosco. Dou-vos um mandamento novo:
que vos ameis uns aos outros. Como Eu vos amei,
amai-vos também uns aos outros.
Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos:
se vos amardes uns aos outros».
Quando Judas saiu do cenáculo, disse Jesus aos seus discípulos:
«Agora foi glorificado o Filho do homem
e Deus glorificado n’Ele.
Se Deus foi glorificado n’Ele,
Deus também O glorificará em Si mesmo e glorificá-l’O-á sem demora.
Meus filhos, é por pouco tempo que ainda estou convosco. Dou-vos um mandamento novo:
que vos ameis uns aos outros. Como Eu vos amei,
amai-vos também uns aos outros.
Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos:
se vos amardes uns aos outros».
18 maio 2019
Duas Últimas
Alguém me perguntava ontem: conhece uma cantora...? Não conhecia o nome, nunca ouvira falar, menos ainda conhecia uma única música da dita cantora. Ainda agora não conheço: ponho um youtube dela como quem vai a um blind date - sabe-se lá o que nos sai na rifa? Uma beleza, um estafermo, uma perspectiva de futuro, uma surpresa... Nada sei, mas deixo-voms com Eva Ayllón - não sei quem é, de onde vem para onde vai, como beija, como canta, se gosta de ceviche ou se masca folhas de coca.
JdB
17 maio 2019
Do ciúme
Refiro-me ao texto que postei há uns dias sobre o Ciúme, da autoria de Alfredo Castelino Carvalho. Em condições normais o texto ali ficaria, premiado ou criticado por um eventual comentário. Não conheço o autor em questão, e normalmente não me pronuncio sobre textos de outrem que aqui publico porque me suscitam um interesse qualquer. No entanto, o texto foi comentado por alguém que dele discordava. Ora, eu discordo da discórdia e, por isso, quebro a tradição, comentando um tema sobre o qual alguém escreveu.
***
Se é verdade que o ciúme não é o oposto do amor, também é verdade que, numa moeda, a cara não é o oposto da coroa. Ambas têm uma função complementar, que é a de constituir um objecto que foi criado para a transacção comercial - a moeda. Podia a cara viver sem a coroa? Sim, mas não seria a mesma coisa.
Por outro lado, o ciúme não é a posse de alguém, mas a posse do sentimento de alguém. Eu não detenho a posse do corpo de quem vive comigo, mas desejo ter a posse do sentimento de quem vive comigo, ter uma espécie de exclusividade daquele afecto específico, porque noutros afectos (materna / paternal / outros) o coração não me pertence. O ciúme é, por isso, a angústia da perda de um sentimento, não (ou nem sempre) a angústia da perda de alguém.
Amar-se alguém é uma manifestação muito grande de fragilidade, porque é uma manifestação muito grande da nossa dimensão humana. Só o ser humano ama, e o amor que sente por outrem é o reconhecimento que não domina tudo, que não sabe tudo, que não pode tudo; por isso se une (ou quer unir) àquela pessoa, para que ela o complete, o aconselhe, o ajude a ser melhor. Amar é relacional e a dimensão relacional encerra, em si, a fragilidade inerente à vida conjunta de duas pessoas que estão lado a lado, não uma atrás da outra. O amor por alguém é a afirmação mais cabal da auto-insuficiência do ser humano, porque é a assunção de que sozinhos não se consegue tudo. Se amar é dar a vida e a alma a outro, se amar é querer isso também para si, só pode amar na plenitude quem está disposto a abdicar de algo que é seu, que o constitui e que o define. Ao fazê-lo, confia, entrega-se, depende.
O ciúme, por ser outra face (e talvez não a outra face) do amor, tem a sua dose de fragilidade, porque representa o medo da perda, a angústia da perda. Sentir ciúme é uma dupla fragilidade: a fragilidade da perda (ou da possibilidade de) relativamente à fragilidade do afecto. O ciúme evidencia a limitação do domínio: se há possibilidade de perda é que porque não se domina o objecto amado, ele tem uma liberdade que nos foi confiada, mas não entregue; O ciúme "saudável" evidencia o sentimento do amor. O ciumento não diz "quero-te" mas diz "quero o teu amor". Ora, se esse amor não é nosso por direito, temos de lutar por ele, fazermo-nos merecedores dele, desejá-lo. É por isso que amor e ciúme caminham de braço dado.
O amor não é dependência nem independência; o amor é inter-dependência; o ciúme é o horror à perda dessa inter-dependência. O amor, no fundo, não é para todos, apenas para os que são suficientemente fortes para perceber a sua fragilidade.
JdB
16 maio 2019
Textos dos dias que correm
O tesouro
«Cuida do tesouro que Deus te enviou. Lentamente ele escorrega entre os dedos, e já não o voltas a ver, até que tenhas de responder como o preservaste.»
Foi definido como «a consciência crítica» da sociedade escandinava: Per Olov Enquist, 84 anos, é o maior escritor sueco vivo. Ao ler o seu romance documental “A viagem de Lewi”, história do fundador do movimento pentecostal sueco, Lewi Pethrus, do seu triunfo e do seu declínio, deparei-me com esta poesia espiritual. Ela, apesar da sua simplicidade, merece atenção.
Todos nós – mesmo quem se sente falhado, incapaz, desafortunado na vida – recebemos um pequeno tesouro. E aqui vem à mente a parábola dos talentos, que é quase a fonte temática deste canto.
Não importa se o tesouro vale muito ou pouco; o importante é não o deixar fugir pelos dedos, dissipando-o, ou escondê-lo debaixo da terra, na ilusão de que é suficiente deixá-lo intacto.
Sim, porque o tesouro que Deus nos confia, na realidade não é uma gélida pedra preciosa, mas uma semente viva destinada a frutificar, é uma energia vital que deve operar, é uma luz pronta a irradiar-se.
A frase final é sombria, como o é a parábola de Jesus: no termo da vida, terás de responder pela tua inércia ou pela tua mesquinhez temerosa.
A humanidade é, assim, como um mosaico: cada tessela – ainda que seja só um pequeno quadrado colorido – é necessária para que a obra não fique esburacada e lacerada, mas um desenho completo e harmonioso.
P. (Card.) Gianfranco Ravasi
In Avvenire
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado pelo SNPC em 15.05.2019
«Cuida do tesouro que Deus te enviou. Lentamente ele escorrega entre os dedos, e já não o voltas a ver, até que tenhas de responder como o preservaste.»
Foi definido como «a consciência crítica» da sociedade escandinava: Per Olov Enquist, 84 anos, é o maior escritor sueco vivo. Ao ler o seu romance documental “A viagem de Lewi”, história do fundador do movimento pentecostal sueco, Lewi Pethrus, do seu triunfo e do seu declínio, deparei-me com esta poesia espiritual. Ela, apesar da sua simplicidade, merece atenção.
Todos nós – mesmo quem se sente falhado, incapaz, desafortunado na vida – recebemos um pequeno tesouro. E aqui vem à mente a parábola dos talentos, que é quase a fonte temática deste canto.
Não importa se o tesouro vale muito ou pouco; o importante é não o deixar fugir pelos dedos, dissipando-o, ou escondê-lo debaixo da terra, na ilusão de que é suficiente deixá-lo intacto.
Sim, porque o tesouro que Deus nos confia, na realidade não é uma gélida pedra preciosa, mas uma semente viva destinada a frutificar, é uma energia vital que deve operar, é uma luz pronta a irradiar-se.
A frase final é sombria, como o é a parábola de Jesus: no termo da vida, terás de responder pela tua inércia ou pela tua mesquinhez temerosa.
A humanidade é, assim, como um mosaico: cada tessela – ainda que seja só um pequeno quadrado colorido – é necessária para que a obra não fique esburacada e lacerada, mas um desenho completo e harmonioso.
P. (Card.) Gianfranco Ravasi
In Avvenire
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado pelo SNPC em 15.05.2019
15 maio 2019
Duas Últimas
O meu dia de ontem amanheceu com o seguinte subtítulo no pequeno ecrã do telemóvel: Antiga estrela de Hollywood morreu aos 97 anos, vítima de pneumonia. Atriz ficou famosa pela parceria no ecrã com Rock Hudson e pelo êxito musical "Que Sera, Sera". Morrera Doris Day.
A notícia não tem, em si, nada de extraordinário nem profundamente impactante. Não era rapariga nova e não povoara - pelo menos até ao mítico ano de 2008 - o meu imaginário. Tudo mudou nesse ano quando, no também mítico restaurante Pointe, em Harare, eu me iniciei no karaoke, cantado che sera sera. Num movimento que tem mais de nostalgia do que de vaidade, deixo-vos o link para a crónica desse fantástico dia. E deixo-vos com a actriz porque, como digo na crónica, percebi, aos 50 anos, que quem habita o meu canto esmagado de entertainer se chama Doris Day…
JdB
14 maio 2019
Textos dos dias que correm
O ciúme
Do ciúme se disse muito. Dele falaram médicos da mente ou dos comportamentos humanos gregários, sobre ele escreveram historiadores de agremiações e dos povos, poetas eruditos ou de cariz mais popular que compensavam em criatividade repentista o que lhes faltava em sensibilidade profunda; do ciúme cantou gente das mais díspares proveniências, acompanhados a orquestra ou à guitarra. Do ciúme tudo se disse: a doença que requer tratamento, o excesso e a violência decorrente, a infelicidade de todos. Fala-se de ciúme como se fala de preguiça, de luxúria ou de inveja; o que suscita o texto, o pequeno ensaio, a dissertação académica, ou até mesmo uma sextilha, são a existência da característica. A inversa - a ausência de preguiça, de luxúria ou de inveja - não fazem parte, ingenuamente, do repertório médico, mas da vida de santos. Nesse mesmo sentido, a ausência do ciúme não é cantado no Fado Menor do Porto ou na ária lírica. Aparentemente a virtude não vende, não entretém, não desafia o pensamento.
Ora, estas linhas de um fado
tu não me digas
que já não sentes ciúme
que já se apagou o lume
que aquecia o nosso amor
só confirmam o raciocínio supra. Com efeito - e numa primeira análise - o advérbio já remete o acontecimento de ausência de ciúme, não para uma vida de virtude celeste, mas para uma questão temporal. Houve algo que desapareceu, como uma peça de fruta de um cesto: já não há pêssegos? Houve pêssegos e houve ciúme; deixou de haver e, nesse sentido o poeta é suscitado: o desaparecimento é diferente da nunca existência, pese embora a conclusão final ser a mesma: não há.
A inexistência de ciúme (que difere do desaparecimento do ciúme como combustível de um afecto) não tem sido tratada pelos especialistas com a devida atenção. Na verdade, alguém dizer o pecado da luxúria não me assiste, não é o mesmo que alguém dizer o ciúme não me assiste. Podemos não ser invadidos pelo pecado referido porque seremos por outro; em bom rigor, não é crível, nem humanamente justo, que um ser humano sinto em si todos os pecados mortais, embora sejam apenas cinco. Se não sente luxúria sente a inveja, se não sente a inveja sente o orgulho. Porém, se não sentir ciúme sente o quê? A ausência de ciúme não configura virtude, mas indiferença; do outro lado de uma moeda não pode haver apenas uma face polida que convida ao narcisismo.
Os versos reproduzidos supra enfermam de uma possível fragilidade: o advérbio já não foi ali prantado para identificar um antes e um depois, mas para compor uma métrica - o já corresponde, embora no início, à sétima sílaba métrica. Em não estando lá, o fadista fica com um excesso de ar na cavidade bocal, seria possuído por um volume excessivo sem nada que o ocupasse. O advérbio tem, portanto, uma valência utilitária, não explicativa.
O ciúme e o amor são duas faces da mesma moeda; não ter um é não ter o outro. É por isso que à afirmação o ciúme não me assiste se deve reagir com uma prudência de investigador, como se estivéssemos defronte de um animal raro, ou de uma tribo perdida na floresta que adora a barata e a quem a cabra repugna, pela configuração das orelhas. O ciúme é a demonstração da normalidade humana, aquela normalidade que se inquieta, que tem medo do escuro ou do mar alteroso, do inimigo que se esconde atrás de uma porta ou numa esplanada com vista para o mar, que encontra na vida, não uma sucessão de feitos heróicos, mas uma correnteza de incertezas, de sensações de efemeridade contra as quais tem de lutar.
Alfredo Castelino Carvalho, in 'Fragmentos'
Do ciúme se disse muito. Dele falaram médicos da mente ou dos comportamentos humanos gregários, sobre ele escreveram historiadores de agremiações e dos povos, poetas eruditos ou de cariz mais popular que compensavam em criatividade repentista o que lhes faltava em sensibilidade profunda; do ciúme cantou gente das mais díspares proveniências, acompanhados a orquestra ou à guitarra. Do ciúme tudo se disse: a doença que requer tratamento, o excesso e a violência decorrente, a infelicidade de todos. Fala-se de ciúme como se fala de preguiça, de luxúria ou de inveja; o que suscita o texto, o pequeno ensaio, a dissertação académica, ou até mesmo uma sextilha, são a existência da característica. A inversa - a ausência de preguiça, de luxúria ou de inveja - não fazem parte, ingenuamente, do repertório médico, mas da vida de santos. Nesse mesmo sentido, a ausência do ciúme não é cantado no Fado Menor do Porto ou na ária lírica. Aparentemente a virtude não vende, não entretém, não desafia o pensamento.
Ora, estas linhas de um fado
tu não me digas
que já não sentes ciúme
que já se apagou o lume
que aquecia o nosso amor
só confirmam o raciocínio supra. Com efeito - e numa primeira análise - o advérbio já remete o acontecimento de ausência de ciúme, não para uma vida de virtude celeste, mas para uma questão temporal. Houve algo que desapareceu, como uma peça de fruta de um cesto: já não há pêssegos? Houve pêssegos e houve ciúme; deixou de haver e, nesse sentido o poeta é suscitado: o desaparecimento é diferente da nunca existência, pese embora a conclusão final ser a mesma: não há.
A inexistência de ciúme (que difere do desaparecimento do ciúme como combustível de um afecto) não tem sido tratada pelos especialistas com a devida atenção. Na verdade, alguém dizer o pecado da luxúria não me assiste, não é o mesmo que alguém dizer o ciúme não me assiste. Podemos não ser invadidos pelo pecado referido porque seremos por outro; em bom rigor, não é crível, nem humanamente justo, que um ser humano sinto em si todos os pecados mortais, embora sejam apenas cinco. Se não sente luxúria sente a inveja, se não sente a inveja sente o orgulho. Porém, se não sentir ciúme sente o quê? A ausência de ciúme não configura virtude, mas indiferença; do outro lado de uma moeda não pode haver apenas uma face polida que convida ao narcisismo.
Os versos reproduzidos supra enfermam de uma possível fragilidade: o advérbio já não foi ali prantado para identificar um antes e um depois, mas para compor uma métrica - o já corresponde, embora no início, à sétima sílaba métrica. Em não estando lá, o fadista fica com um excesso de ar na cavidade bocal, seria possuído por um volume excessivo sem nada que o ocupasse. O advérbio tem, portanto, uma valência utilitária, não explicativa.
O ciúme e o amor são duas faces da mesma moeda; não ter um é não ter o outro. É por isso que à afirmação o ciúme não me assiste se deve reagir com uma prudência de investigador, como se estivéssemos defronte de um animal raro, ou de uma tribo perdida na floresta que adora a barata e a quem a cabra repugna, pela configuração das orelhas. O ciúme é a demonstração da normalidade humana, aquela normalidade que se inquieta, que tem medo do escuro ou do mar alteroso, do inimigo que se esconde atrás de uma porta ou numa esplanada com vista para o mar, que encontra na vida, não uma sucessão de feitos heróicos, mas uma correnteza de incertezas, de sensações de efemeridade contra as quais tem de lutar.
Alfredo Castelino Carvalho, in 'Fragmentos'
13 maio 2019
13 de Maio
A luz de Fátima
Naquele 13 de maio, num recôndito canto da serra, três crianças portuguesas estavam a rezar o terço pelos soldados idos para a guerra. Surpreende-os um inesperado lampejar no céu azul, primeiro um clarão e depois outro. Quando erguem os olhos, veem sobre uma azinheira uma Senhora mais resplandecente que o Sol.
Não devemos esquecer que é no cenário de um mundo desumanizado, que consuma o grosso dos seus esforços na fabricação da morte, que se faz ouvir a mensagem de Fátima.
De um lado temos a primeira guerra mundial e a química da história. Do outro temos a visão que três pobres crianças têm de um coração ameaçado, apertado por espinhos, mas com a promessa de que sairá vencedor: «No fim, o meu Coração Imaculado triunfará».
O que nos sugere Fátima? A mensagem é essencial mas penetrante: comprometer-se na transformação orante da morfologia do mundo; assumir um modo de viver alternativo às formas injustas e sem esperança do presente; reconhecer a centralidade do coração, do Coração Imaculado, como modelo para uma reencontrada ética da relação e do cuidado.
Fátima, este imenso delta em que vem desaguar a humanidade ferida e à procura, ensina-nos assim como se ilumina um mundo mergulhado nas trevas.
D. José Tolentino Mendonça
In Avvenire
Trad.: Rui Jorge Martins
Imagem: D.R.
Publicado pelo SNPC em 12.05.2019
12 maio 2019
IV Domingo da Páscoa
EVANGELHO – Jo 10,27-30
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
Naquele tempo, disse Jesus:
«As minhas ovelhas escutam a minha voz.
Eu conheço as minhas ovelhas e elas seguem-Me.
Eu dou-lhes a vida eterna e nunca hão-de perecer
e ninguém as arrebatará da minha mão.
Meu Pai, que Mas deu, é maior do que todos
e ninguém pode arrebatar nada da mão do Pai.
Eu e o Pai somos um só».
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
Naquele tempo, disse Jesus:
«As minhas ovelhas escutam a minha voz.
Eu conheço as minhas ovelhas e elas seguem-Me.
Eu dou-lhes a vida eterna e nunca hão-de perecer
e ninguém as arrebatará da minha mão.
Meu Pai, que Mas deu, é maior do que todos
e ninguém pode arrebatar nada da mão do Pai.
Eu e o Pai somos um só».
10 maio 2019
Pensamentos Impensados *
Dependências
Durante um tempo não tive acesso à Internet; em compensação tive um acesso de fúria.
Toca e foge
Diz-se que o homem é o único animal que ri; o mosquito que nos pica e desaparece, fica a rir-se de nós.
Mais vale prevenir
Irei ao médico para que me dê qualquer coisa antes que me dê qualquer coisa.
Injustiças
Se os gatos têm dentes caninos, por que é que os cães não têm dentes felinos?
Novo acordo, esse aborto
Dantes escrevia-se de facto e de direito e eu sabia o que queria dizer; agora escreve-se de fato e de direito e a única coisa que me ocorre é que o fato não está do avesso.
SdB (I)
* publicado originalmente em 22.09.2012
* publicado originalmente em 22.09.2012
Duas Últimas
Enviado ontem por mão muito amiga - e não só a mão foi e é amiga, como foi providencial. Afinal, o dia tinha-se acabado, e eu, cansado com uma overdose (boa) de S. Tomás de Aquino (por motivos profissionais), sem qualquer inspiração, não sabia o que por. Eis se não quando aparece a Marisa Monte e a Sophia de Mello Breyner de mãos dadas, enviada por uma muito recente mãe. E aqui está...
JdB
***
O espírito da vida estremeceu quando
No escuro percebi que eras tu, Maria,
A minha filha adorada, boa como o pão
e fonte de alegria
(ilegível)
Pareceu-me que era felicidade a mais ficares
Até altas horas decifrando o azul escuro
Dos rostos da noite e era para mim a inteira
Maria, bela, misteriosa, boa
E tudo em mim ficou confiança e amor partilhado
E Deus tinha derramado sobre nós
A benção da sua mais alta estrela
E a beleza da noite nos acompanha
Hoje onze de Agosto
E a noite parecia encantada
09 maio 2019
Textos dos dias que correm
Dez regras para a vida, de Jean Vanier
1. Aceita a realidade do teu corpo
Para que um homem se torne homem, deve estar confortável com o seu corpo. Um corpo é frágil, como todos os corpos. Nascemos na fragilidade, como bebés, morremos na fragilidade. E quando se chega a uma certa idade… 90 anos! [estas palavras foram proferidas por ocasião desse aniversário], começamos a tornar-nos mais frágeis; esquecemo-nos do que queremos dizer, esqueço as palavras; estou mais frágil, tenho de fazer uma sesta após o almoço, tenho de ir andar, porque se não ando, dizem-me: «Se não os utilizas, perde-los. Tenho de aceitar que tenho 90 anos, já não tenho 50 ou 40 ou 30. Não posso fazer tudo aquilo que gostaria de fazer. Mas descubro que é bom ser eu mesmo, hoje.
2. Fala das tuas emoções e dificuldades
Os homens têm dificuldade em exprimir as suas emoções. A maior dificuldade com os homens é que quando estão contrariados, depressa se encolerizam, e a cólera depressa pode tornar-se violência. Se têm períodos de solidão, ou sentimentos de não ter sucesso, os homens podem rapidamente compensar isso com um pouco mais de álcool, um pouco de droga, porque a realidade é difícil. Os homens têm dificuldades com a realidade. Os homens são maravilhosos na ideologia, na ideologia da normalidade. Podem desligar-se da realidade. E “ser humano” é “amar a realidade”.
3. Não tenhas medo de não ter sucesso
Os homens têm muito rapidamente a tendência para julgar, porque a necessidade de ganhar é muito profunda. Não digo que as mulheres não tenham necessidade de ter sucesso, mas há esta inclinação. Nos homens é uma questão de poder, de sucesso, e um grande medo, um dos maiores medos é o de não ter sucesso. E, portanto, o medo da doença, medo da fragilidade, medo de não ter sucesso, porque há esta equação: «Serei amado se tiver sucesso». Mas eles têm de descobrir: «Tu és belo como és».
4. Numa relação, reserva tempo para perguntar: «Como estás?»
O amor está ligado à fragilidade. Muitas vezes, os homens não veem a tirania da normalidade, enquanto que a mulher tem uma inteligência maior e vê as coisas, mas os homens podem ser apanhados… Eis um dos maiores problemas do homem: será que ele se casou com o seu sucesso no trabalho, ou casou-se com a sua mulher? O que é mais importante: subir a escala das promoções? - «vê, acabei de ter um aumento de salário! Tenho de viajar mais». Mas ele nem sempre reserva tempo para perguntar «como estás?»; «de que é que precisas?». Ele tem de amar a sua mulher na sua diferença: a sua afetividade, a sua sexualidade… Ela é diferente. Aceitar as pessoas como são.
5. Para de olhar para o teu telemóvel. Sê presente!
Estamos num mundo onde as ideias flutuam, e em que estamos mais controlados pela televisão e internet, e mais controlados pelo telemóvel. Por exemplo, eu recebi aqui [casa de repouso] cinco jovens, e todos tinham os seus telemóveis no bolso. E eu disse-lhes: «Vós sois pessoas de comunicação. Sois pessoas presentes? Sois capazes de escutar? Sois capazes “de estar com”?». Há toda uma visão com as novidades tecnológicas – que são fantásticas! –, mas como todas as tecnologias podem-nos conduzir ao extraordinário. E a interioridade, a reflexão, a presença aos outros, diminui.
6. Pergunta às pessoas: «Qual é a tua história?»
Ser humano é saber como estar em relação. E estar em relação é: «Conta-me a tua história». Vou contar-vos a história de uma responsável na Austrália que trabalhava junto de pessoas no meio da prostituição, para as ajudar a sair dela. Um dia ela estava num parque, em Sydney, e havia um jovem prestes a morrer de overdose. E as suas últimas palavras foram: «Tu quiseste sempre mudar-me, nunca me quiseste encontrar». Porque encontrar é escutar. «Conta-me a tua história, diz-me onde está a tua ferida, diz-me onde está o teu coração, as coisas que desejas». Por isso, quem é humano é alguém que sabe como encontrar-se com os outros, como trabalhar com os outros, como amar os outros, como ver que tu tens dons que eu não tenho! Eu tenho dons, claro, claro! Tenho dons. Sei coisas, tenho experiência, tenho 90 anos de experiência. Mas tu também. Tu viveste experiências. Tu tens diferenças. Por isso preciso de te escutar. Porque a tua história é diferente da minha história.
7. Sê consciente da tua própria história
Tu és tu! E eu sou eu. Tu és precioso. Tens as tuas ideias, políticas, religiosas, não religiosas… Tens a tua visão do mundo, ou só a tua visão para ti mesmo. Mas eu também. A minha educação. Porque é que eu de repente me zango tão depressa por alguém me contradizer? Temos um temperamento, temos mesmo algo mais profundo do que isso, que é o inconsciente. Por isso, quando falo da necessidade de ser mais humilde, estar mais à escuta, isso deve-se à minha história. Os primeiros anos da infância marcam-nos. Por isso tenho de compreender o meu temperamento. Isso pode ajudar-me a compreender por que é tu estás sempre a falar, enquanto que eu permaneço em silêncio. Porque é que alguns estão sempre prestes a escapar-se na sua cabeça e não se ligam facilmente à realidade; gostam de pensar em coisas, mais do que estar em contacto com a realidade. Não é apenas algo que controlemos pela nossa vontade. Há o nosso inconsciente que devemos aprender a conhecer. Temos de descobrir onde estão os nossos medos, qual é o nosso maior medo. Porque esse é o problema fundamental. Talvez na tua história haja uma história de medo…
8. Detém os preconceitos: encontra-te com as pessoas
Nós somos apanhados na tirania da cultura, que é a minha cultura, o meu grupo, a minha religião, o meu partido político, meu isto, meu aquilo, porque isso dá-me segurança. Mas «ser humano» é «tornar-se livre». Livre de ser eu mesmo. Livre de me tornar um membro da humanidade. Vou contar-vos uma história de quando estava no Chile. Fui acolhido no aeroporto por Denis, para me conduzir a Santiago. E no caminho ele abrandou e disse: «À esquerda, todas as casas ricas são defendidas e protegidas pela polícia e pelos militares. Do outro lado estão as barracas». E depois disse: «Ninguém atravessa esta estrada. Toda a gente tem medo». Portanto, o grande truque para ser humano é encontrar as pessoas. Encontrar pessoas que são diferentes. E isto não são apenas grandes ideias! O grande truque é a experiência. As pessoas precisam de viver uma experiência, não de viver ideias. Como, por exemplo, ir do bairro rico para as barracas daquela cidade. Tu precisas de encontrar as pessoas, e descobrir que a outra pessoa é magnífica. Então, como criar encontros? É a grande questão.
9. Ouve o teu desejo mais profundo e segue-o
Nós somos diferentes, muito diferentes, dos pássaros e dos cães. Há hoje uma tendência que diz que os homens são como os animais. Claro que são! Mas os animais são muito diferentes. Nós, os seres humanos, não nos contentamos por comer e ter bebés. Há algo mais. Há uma espécie de infinito no nosso interior. Não ficamos satisfeitos com o que é finito. Queremos quebrar os muros das prisões. Chamo a isso a busca espiritual, a busca do infinito. Toda a gente quer isso! Quando se está sentado no alto da montanha a contemplar o mundo, o mar, o sol, a contemplar as flores! Contemplar de onde vem tudo isso? O universo começou, o universo terminará. Onde? Porque é que começou? E onde terminará? Eu tive a oportunidade, quando tive um grande desejo, aos 13 anos, de me juntar à Marinha de Guerra britânica em plena guerra; era perigoso, mas o meu pai escutou, e disse: «Se é o que tu queres, deves fazê-lo». Ele deve ter percebido que não era apenas um desejo vão. Era um desejo autêntico. E é o que eu chamaria hoje “a voz interior”. Qual é o teu maior desejo?
10. Lembra-te de que um dias morrerás
Eu não sou o rei do mundo, e seguramente não sou Deus! Sou apenas alguém que nasceu há 90 anos e que vai morrer daqui a poucos anos… e depois toda a gente me esquecerá. É a realidade. Estamos todos aqui, mas somos apenas pessoas de passagem, em viagem. Entramos no comboio, saímos do comboio, o comboio continua. A humanidade existe há milhões de anos, e aqui estamos nós hoje, qualquer que seja o ano, 2000 e qualquer coisa. E o mundo vai continuar quando eu já não estiver nele.
Jean Vanier
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado pelo SNPC em 07.05.2019
1. Aceita a realidade do teu corpo
Para que um homem se torne homem, deve estar confortável com o seu corpo. Um corpo é frágil, como todos os corpos. Nascemos na fragilidade, como bebés, morremos na fragilidade. E quando se chega a uma certa idade… 90 anos! [estas palavras foram proferidas por ocasião desse aniversário], começamos a tornar-nos mais frágeis; esquecemo-nos do que queremos dizer, esqueço as palavras; estou mais frágil, tenho de fazer uma sesta após o almoço, tenho de ir andar, porque se não ando, dizem-me: «Se não os utilizas, perde-los. Tenho de aceitar que tenho 90 anos, já não tenho 50 ou 40 ou 30. Não posso fazer tudo aquilo que gostaria de fazer. Mas descubro que é bom ser eu mesmo, hoje.
2. Fala das tuas emoções e dificuldades
Os homens têm dificuldade em exprimir as suas emoções. A maior dificuldade com os homens é que quando estão contrariados, depressa se encolerizam, e a cólera depressa pode tornar-se violência. Se têm períodos de solidão, ou sentimentos de não ter sucesso, os homens podem rapidamente compensar isso com um pouco mais de álcool, um pouco de droga, porque a realidade é difícil. Os homens têm dificuldades com a realidade. Os homens são maravilhosos na ideologia, na ideologia da normalidade. Podem desligar-se da realidade. E “ser humano” é “amar a realidade”.
3. Não tenhas medo de não ter sucesso
Os homens têm muito rapidamente a tendência para julgar, porque a necessidade de ganhar é muito profunda. Não digo que as mulheres não tenham necessidade de ter sucesso, mas há esta inclinação. Nos homens é uma questão de poder, de sucesso, e um grande medo, um dos maiores medos é o de não ter sucesso. E, portanto, o medo da doença, medo da fragilidade, medo de não ter sucesso, porque há esta equação: «Serei amado se tiver sucesso». Mas eles têm de descobrir: «Tu és belo como és».
4. Numa relação, reserva tempo para perguntar: «Como estás?»
O amor está ligado à fragilidade. Muitas vezes, os homens não veem a tirania da normalidade, enquanto que a mulher tem uma inteligência maior e vê as coisas, mas os homens podem ser apanhados… Eis um dos maiores problemas do homem: será que ele se casou com o seu sucesso no trabalho, ou casou-se com a sua mulher? O que é mais importante: subir a escala das promoções? - «vê, acabei de ter um aumento de salário! Tenho de viajar mais». Mas ele nem sempre reserva tempo para perguntar «como estás?»; «de que é que precisas?». Ele tem de amar a sua mulher na sua diferença: a sua afetividade, a sua sexualidade… Ela é diferente. Aceitar as pessoas como são.
5. Para de olhar para o teu telemóvel. Sê presente!
Estamos num mundo onde as ideias flutuam, e em que estamos mais controlados pela televisão e internet, e mais controlados pelo telemóvel. Por exemplo, eu recebi aqui [casa de repouso] cinco jovens, e todos tinham os seus telemóveis no bolso. E eu disse-lhes: «Vós sois pessoas de comunicação. Sois pessoas presentes? Sois capazes de escutar? Sois capazes “de estar com”?». Há toda uma visão com as novidades tecnológicas – que são fantásticas! –, mas como todas as tecnologias podem-nos conduzir ao extraordinário. E a interioridade, a reflexão, a presença aos outros, diminui.
6. Pergunta às pessoas: «Qual é a tua história?»
Ser humano é saber como estar em relação. E estar em relação é: «Conta-me a tua história». Vou contar-vos a história de uma responsável na Austrália que trabalhava junto de pessoas no meio da prostituição, para as ajudar a sair dela. Um dia ela estava num parque, em Sydney, e havia um jovem prestes a morrer de overdose. E as suas últimas palavras foram: «Tu quiseste sempre mudar-me, nunca me quiseste encontrar». Porque encontrar é escutar. «Conta-me a tua história, diz-me onde está a tua ferida, diz-me onde está o teu coração, as coisas que desejas». Por isso, quem é humano é alguém que sabe como encontrar-se com os outros, como trabalhar com os outros, como amar os outros, como ver que tu tens dons que eu não tenho! Eu tenho dons, claro, claro! Tenho dons. Sei coisas, tenho experiência, tenho 90 anos de experiência. Mas tu também. Tu viveste experiências. Tu tens diferenças. Por isso preciso de te escutar. Porque a tua história é diferente da minha história.
7. Sê consciente da tua própria história
Tu és tu! E eu sou eu. Tu és precioso. Tens as tuas ideias, políticas, religiosas, não religiosas… Tens a tua visão do mundo, ou só a tua visão para ti mesmo. Mas eu também. A minha educação. Porque é que eu de repente me zango tão depressa por alguém me contradizer? Temos um temperamento, temos mesmo algo mais profundo do que isso, que é o inconsciente. Por isso, quando falo da necessidade de ser mais humilde, estar mais à escuta, isso deve-se à minha história. Os primeiros anos da infância marcam-nos. Por isso tenho de compreender o meu temperamento. Isso pode ajudar-me a compreender por que é tu estás sempre a falar, enquanto que eu permaneço em silêncio. Porque é que alguns estão sempre prestes a escapar-se na sua cabeça e não se ligam facilmente à realidade; gostam de pensar em coisas, mais do que estar em contacto com a realidade. Não é apenas algo que controlemos pela nossa vontade. Há o nosso inconsciente que devemos aprender a conhecer. Temos de descobrir onde estão os nossos medos, qual é o nosso maior medo. Porque esse é o problema fundamental. Talvez na tua história haja uma história de medo…
8. Detém os preconceitos: encontra-te com as pessoas
Nós somos apanhados na tirania da cultura, que é a minha cultura, o meu grupo, a minha religião, o meu partido político, meu isto, meu aquilo, porque isso dá-me segurança. Mas «ser humano» é «tornar-se livre». Livre de ser eu mesmo. Livre de me tornar um membro da humanidade. Vou contar-vos uma história de quando estava no Chile. Fui acolhido no aeroporto por Denis, para me conduzir a Santiago. E no caminho ele abrandou e disse: «À esquerda, todas as casas ricas são defendidas e protegidas pela polícia e pelos militares. Do outro lado estão as barracas». E depois disse: «Ninguém atravessa esta estrada. Toda a gente tem medo». Portanto, o grande truque para ser humano é encontrar as pessoas. Encontrar pessoas que são diferentes. E isto não são apenas grandes ideias! O grande truque é a experiência. As pessoas precisam de viver uma experiência, não de viver ideias. Como, por exemplo, ir do bairro rico para as barracas daquela cidade. Tu precisas de encontrar as pessoas, e descobrir que a outra pessoa é magnífica. Então, como criar encontros? É a grande questão.
9. Ouve o teu desejo mais profundo e segue-o
Nós somos diferentes, muito diferentes, dos pássaros e dos cães. Há hoje uma tendência que diz que os homens são como os animais. Claro que são! Mas os animais são muito diferentes. Nós, os seres humanos, não nos contentamos por comer e ter bebés. Há algo mais. Há uma espécie de infinito no nosso interior. Não ficamos satisfeitos com o que é finito. Queremos quebrar os muros das prisões. Chamo a isso a busca espiritual, a busca do infinito. Toda a gente quer isso! Quando se está sentado no alto da montanha a contemplar o mundo, o mar, o sol, a contemplar as flores! Contemplar de onde vem tudo isso? O universo começou, o universo terminará. Onde? Porque é que começou? E onde terminará? Eu tive a oportunidade, quando tive um grande desejo, aos 13 anos, de me juntar à Marinha de Guerra britânica em plena guerra; era perigoso, mas o meu pai escutou, e disse: «Se é o que tu queres, deves fazê-lo». Ele deve ter percebido que não era apenas um desejo vão. Era um desejo autêntico. E é o que eu chamaria hoje “a voz interior”. Qual é o teu maior desejo?
10. Lembra-te de que um dias morrerás
Eu não sou o rei do mundo, e seguramente não sou Deus! Sou apenas alguém que nasceu há 90 anos e que vai morrer daqui a poucos anos… e depois toda a gente me esquecerá. É a realidade. Estamos todos aqui, mas somos apenas pessoas de passagem, em viagem. Entramos no comboio, saímos do comboio, o comboio continua. A humanidade existe há milhões de anos, e aqui estamos nós hoje, qualquer que seja o ano, 2000 e qualquer coisa. E o mundo vai continuar quando eu já não estiver nele.
Jean Vanier
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado pelo SNPC em 07.05.2019
08 maio 2019
Vai um gin do Peter’s ?
CENÁRIO DE HARRY POTTER E SHERLOCK HOLMES – CATEDRAL DE GLOUCESTER
Para os ingleses, um dos cenários mais cinéfilos é a catedral gótica de influência normanda, situada no Sudoeste inglês perto do País de Gales – Gloucester. Erigida sobre um antigo templo cristão do Príncipe anglo-saxão Osric (séc.VII), começou a ser edificada pelo ano de 1300 e dedicada a S.Pedro e à Trindade Indivisa, embora estas evocações originais tenham sido eliminadas no reinado de Henrique VIII, que cortou relações com a Santa Sé.
Tudo naquele rendilhado de pedra mantém a nobreza e a majestade da arte medieval, além de um toque de mistério ou não fosse uma catedral gótica, ideal para dar brilho a sagas aventurosas.
Ocupando uma área portentosa, as naves luminosas e esguias coabitam com alas labirínticas, onde os entrançados embutidos nos tectos e nos recortes dos arcos e frisos ao longo das paredes formam uma teia gigantesca, que se estende por todo o espaço e amplia o jogo de sombras.
A célebre encruzilhada entre duas alas foi percorrida incansavelmente por Harry Potter – 1º, 2º e 6º filmes. |
A riqueza arquitectónica de Gloucester transborda de vitalidade. Até os dois principais túmulos prestam homenagem em tom festivo. Apesar de acumular muitas sepulturas, sendo a mais antiga a do príncipe Osric, não carrega o peso característica da arte funerária posterior à Renascença, quando o aguilhão da morte começou a preponderar. A generalidade dos espaços medievais não visa assinalar os mortos – embora muitos ali repousem – mas erguer-se como memória esplendorosa, em 3D, de vidas marcantes. Por isso, na catedral cinéfila só as maquinações dos vivos intimidam, como o cinema bem intuiu…
Robert Curthose (1054-1134), Duque da Normandia e filho mais velho de Guilherme o Conquistador. |
Rei Eduardo II (1284-1327), com longo reinado de 20 anos mas pouco poder, viu-se enfraquecido pelos grandes senhores feudais, acabando deposto no ano da sua morte. |
Pragmaticamente, as visitas guiadas já percorrem o circuito das cenas do herói de J.K.Rowling (pormenor biográfico: foi casada com um algarvio e viveu no Sul de Portugal, antes de se lançar na escrita) atraindo um público muito novo, que se delicia a tirar selfies nos recantos mais empolgantes da série. Os truques nos filmes criaram graffitis em sangue vivo, inundações colossais, golfadas de água a irromper de brechas recônditas, labaredas inesperadas e muitos outros malabarismos assustadores, que fixam os pequenos fãs ao grande ecrã. Na visita, descobrem finalmente os segredos de bastidores, que não beliscaram o monumento milenar, mesmo com recurso mínimo aos computadores. Uma verdadeira proeza.
Além de Harry Potter, também Sherlock Holmes explorou o soberbo cenário, assim como os realizadores de «Doctor Who», «Wolf Hall» e tantos outros. Consta que os habitantes de Gloucester já estão habituados a cruzar-se com vedetas de Hollywood e britânicas, a filmarem na catedral ou no porto fluvial da cidade – outra das suas especialidades cinéfilas da terra.
Benedict Cumberbatch como Sherlock e Martin Freeman no papel de Watson, na produção mais recente da BBC, lançada no Natal de 2015. |
Se dúvidas houvesse de que a Sétima Arte se alimenta abundantemente das outras seis mais ancestrais, a sua atracção pelos melhores monumentos e por boa música ajudam a explicar o fascínio do cinema. Ficou-lhe gravada no ADN esta acumulação virtuosa de (e saudavelmente ‘viciada’ em) expressões artísticas.
Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)
07 maio 2019
Poemas dos dias que correm
EDITAL DO POETA ÀS PORTAS DA MORTE (PARA AFIXAR EM VOZ ALTA)
É preciso que se saiba por que morro
É preciso que se saiba quem me mata
É preciso que se saiba que, no forro
Desta angústia, é da Pátria tão-somente que se trata.
Se se trata de pedir-Lhe algum socorro,
O Seu socorro vem — a estalos de chibata...
E não ata nem desata o nó-cego deste fogo,
Que tão à queima-roupa me arrebata,
A não ser com a forca a que recorro
— E que é barata...
(É preciso que se saiba por que morro,
Enforcado no nó d’uma gravata!)
Jazigo, deserto, morro,
Baldio ou bairro-da-lata:
Não importa, já, ao certo, saber onde...
Andar à cata de data...
— É preciso que se saiba por que morro,
No meio deste monte de sucata!...
É preciso que se saiba por que morro
— E que és Tu, Pátria ingrata, quem me mata!
Rodrigo Emílio
Bem-hajam e até mais ver
Quando eu morrer,
não haja alarme!
Não deitem nada,
a tapar-me:
- nem mortalha.
Deixem-me recolher
À intimidade da minha carne,
Como quem se acolhe a um pano de muralha
Ou a uma nova morada,
Talhada pela malha
Da jornada
- E que uma lágrima me valha !
Uma lágrima e mais nada
Rodrigo Emílio
É preciso que se saiba por que morro
É preciso que se saiba quem me mata
É preciso que se saiba que, no forro
Desta angústia, é da Pátria tão-somente que se trata.
Se se trata de pedir-Lhe algum socorro,
O Seu socorro vem — a estalos de chibata...
E não ata nem desata o nó-cego deste fogo,
Que tão à queima-roupa me arrebata,
A não ser com a forca a que recorro
— E que é barata...
(É preciso que se saiba por que morro,
Enforcado no nó d’uma gravata!)
Jazigo, deserto, morro,
Baldio ou bairro-da-lata:
Não importa, já, ao certo, saber onde...
Andar à cata de data...
— É preciso que se saiba por que morro,
No meio deste monte de sucata!...
É preciso que se saiba por que morro
— E que és Tu, Pátria ingrata, quem me mata!
Rodrigo Emílio
***
Bem-hajam e até mais ver
Quando eu morrer,
não haja alarme!
Não deitem nada,
a tapar-me:
- nem mortalha.
Deixem-me recolher
À intimidade da minha carne,
Como quem se acolhe a um pano de muralha
Ou a uma nova morada,
Talhada pela malha
Da jornada
- E que uma lágrima me valha !
Uma lágrima e mais nada
Rodrigo Emílio
06 maio 2019
Dos agradecimentos
Há um menor múltiplo comum forte entre a ideia de que "os homens não choram" e a ideia consubstanciada na frase "uma nova sonoridade do fado". O que as une? A deseducação. No primeiro caso a deseducação dos sentimentos - um homem chora, pois claro - e, na segunda, uma deseducação dos sentidos: afinal se progredirmos sem pudor nem limite em sonoridades novas permanentes, um dia o fado já não é nada. Sobre sonoridades de fado já por aqui falei, pela equivalência que têm com as novas experiências gastronómicas. Motiva-me agora a deseducação dos sentimentos.
Conheço uma pessoa que não cessa de agradecer à família que a contratou há muitos anos para um determinado serviço e que se tornou, seguramente, na família nuclear dela; conheço uma pessoa que, tendo sido muito autónoma toda a vida, se vê agora numa situação de grande dependência; a todas as pessoas diz obrigado, por mais simples que seja a tarefa; eu próprio verbalizo com frequência um sentimento que não é consensual em quem me ouve: a ideia de ter dívidas de gratidão a pessoas cuja existência foi importante - ou mesmo determinante - em períodos da minha vida.
Como é fácil perceber, nos três exemplos revelados acima há algo que é comum: o agradecimento. Em nenhum dos casos se agradece um serviço prestado; em nenhum dos casos o agradecimento é um simples - ainda que importante - acto de cortesia. Não se agradece um café, um lugar no comboio, alguém que se debruça para nos apanhar algo que caiu no chão. O agradecimento de que falei acima é um agradecimento que vai além do desfocado da educação - é uma delicadeza do coração. Talvez eu já tenha agradecido almoços que eu próprio paguei, porque o importante não foi a qualidade das iscas, mas a profundidade da refeição.
Por trás da ideia de que um homem não chora há um estereótipo de força, de coragem, de ausência de medo, de uma certa auto-suficiência, de fragilidades que não se têm ou, seguramente, que não se mostram. Tendo a achar que as pessoas que perfilham estas ideias têm uma visão própria do agradecimento - seja à vida, seja aos outros. Afinal, pode dar-se o caso de de que aquilo que agradecemos é aquilo que não conseguimos fazer sozinhos - e isso prova que não somos auto-suficientes, o que pode ser constrangedor. Num certo sentido, o agradecimento é um nivelador: põe-nos a todos como criaturas iguais, com necessidades e fraquezas, dependências e disponibilidades.
JdB
05 maio 2019
III Domingo da Páscoa
EVANGELHO – Jo 21,1-19
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
Naquele tempo,
Jesus manifestou-Se outra vez aos seus discípulos,
junto do mar de Tiberíades.
Manifestou-Se deste modo:
Estavam juntos Simão Pedro e Tomé, chamado Dídimo,
Natanael, que era de Caná da Galileia,
os filhos de Zebedeu e mais dois discípulos de Jesus.
Disse-lhes Simão Pedro: «Vou pescar».
Eles responderam-lhe: «Nós vamos contigo».
Saíram de casa e subiram para o barco,
mas naquela noite não apanharam nada.
Ao romper da manhã, Jesus apresentou-Se na margem,
mas os discípulos não sabiam que era Ele.
Disse-lhes Jesus:
«Rapazes, tendes alguma coisa de comer?»
Eles responderam: «Não».
Disse-lhes Jesus:
«Lançai a rede para a direita do barco e encontrareis».
Eles lançaram a rede
e já mal a podiam arrastar por causa da abundância de peixes.
O discípulo predilecto de Jesus disse a Pedro:
«É o Senhor».
Simão Pedro, quando ouviu dizer que era o Senhor,
vestiu a túnica que tinha tirado e lançou-se ao mar.
Os outros discípulos,
que estavam apenas a uns duzentos côvados da margem,
vieram no barco, puxando a rede com os peixes.
Quando saltaram em terra,
viram brasas acesas com peixe em cima, e pão.
Disse-lhes Jesus:
«Trazei alguns dos peixes que apanhastes agora».
Simão Pedro subiu ao barco
e puxou a rede para terra,
cheia de cento e cinquenta e três grandes peixes;
e, apesar de serem tantos, não se rompeu a rede.
Disse-lhes Jesus: «Vinde comer».
Nenhum dos discípulos se atrevia a perguntar-Lhe:
«Quem és Tu?»,
porque bem sabiam que era o Senhor.
Jesus aproximou-Se, tomou o pão e deu-lho,
fazendo o mesmo com os peixes.
Esta foi a terceira vez
que Jesus Se manifestou aos seus discípulos,
depois de ter ressuscitado dos mortos.
Depois de comerem,
Jesus perguntou a Simão Pedro:
«Simão, filho de João, tu amas-Me mais do que estes?»
Ele respondeu-Lhe:
«Sim, Senhor, Tu sabes que Te amo».
Disse-lhe Jesus: «Apascenta os meus cordeiros».
Voltou a perguntar-lhe segunda vez:
«Simão, filho de João, tu amas-Me?»
Ele respondeu-Lhe:
«Sim, Senhor, Tu sabes que Te amo».
Disse-lhe Jesus: «Apascenta as minhas ovelhas».
Perguntou-lhe pela terceira vez:
«Simão, filho de João, tu amas-Me?»
Pedro entristeceu-se
por Jesus lhe ter perguntado pela terceira vez se O amava
e respondeu-Lhe:
«Senhor, Tu sabes tudo, bem sabes que Te amo».
Disse-lhe Jesus:
«Apascenta as minhas ovelhas.
Em verdade, em verdade te digo:
Quando eras mais novo,
tu mesmo te cingias e andavas por onde querias;
mas quando fores mais velho,
estenderás a mão e outro te cingirá
e te levará para onde não queres».
Jesus disse isto para indicar o género de morte
com que Pedro havia de dar glória a Deus.
Dito isto, acrescentou: «Segue-Me».
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
Naquele tempo,
Jesus manifestou-Se outra vez aos seus discípulos,
junto do mar de Tiberíades.
Manifestou-Se deste modo:
Estavam juntos Simão Pedro e Tomé, chamado Dídimo,
Natanael, que era de Caná da Galileia,
os filhos de Zebedeu e mais dois discípulos de Jesus.
Disse-lhes Simão Pedro: «Vou pescar».
Eles responderam-lhe: «Nós vamos contigo».
Saíram de casa e subiram para o barco,
mas naquela noite não apanharam nada.
Ao romper da manhã, Jesus apresentou-Se na margem,
mas os discípulos não sabiam que era Ele.
Disse-lhes Jesus:
«Rapazes, tendes alguma coisa de comer?»
Eles responderam: «Não».
Disse-lhes Jesus:
«Lançai a rede para a direita do barco e encontrareis».
Eles lançaram a rede
e já mal a podiam arrastar por causa da abundância de peixes.
O discípulo predilecto de Jesus disse a Pedro:
«É o Senhor».
Simão Pedro, quando ouviu dizer que era o Senhor,
vestiu a túnica que tinha tirado e lançou-se ao mar.
Os outros discípulos,
que estavam apenas a uns duzentos côvados da margem,
vieram no barco, puxando a rede com os peixes.
Quando saltaram em terra,
viram brasas acesas com peixe em cima, e pão.
Disse-lhes Jesus:
«Trazei alguns dos peixes que apanhastes agora».
Simão Pedro subiu ao barco
e puxou a rede para terra,
cheia de cento e cinquenta e três grandes peixes;
e, apesar de serem tantos, não se rompeu a rede.
Disse-lhes Jesus: «Vinde comer».
Nenhum dos discípulos se atrevia a perguntar-Lhe:
«Quem és Tu?»,
porque bem sabiam que era o Senhor.
Jesus aproximou-Se, tomou o pão e deu-lho,
fazendo o mesmo com os peixes.
Esta foi a terceira vez
que Jesus Se manifestou aos seus discípulos,
depois de ter ressuscitado dos mortos.
Depois de comerem,
Jesus perguntou a Simão Pedro:
«Simão, filho de João, tu amas-Me mais do que estes?»
Ele respondeu-Lhe:
«Sim, Senhor, Tu sabes que Te amo».
Disse-lhe Jesus: «Apascenta os meus cordeiros».
Voltou a perguntar-lhe segunda vez:
«Simão, filho de João, tu amas-Me?»
Ele respondeu-Lhe:
«Sim, Senhor, Tu sabes que Te amo».
Disse-lhe Jesus: «Apascenta as minhas ovelhas».
Perguntou-lhe pela terceira vez:
«Simão, filho de João, tu amas-Me?»
Pedro entristeceu-se
por Jesus lhe ter perguntado pela terceira vez se O amava
e respondeu-Lhe:
«Senhor, Tu sabes tudo, bem sabes que Te amo».
Disse-lhe Jesus:
«Apascenta as minhas ovelhas.
Em verdade, em verdade te digo:
Quando eras mais novo,
tu mesmo te cingias e andavas por onde querias;
mas quando fores mais velho,
estenderás a mão e outro te cingirá
e te levará para onde não queres».
Jesus disse isto para indicar o género de morte
com que Pedro havia de dar glória a Deus.
Dito isto, acrescentou: «Segue-Me».
04 maio 2019
Textos dos dias que correm
O valor do cuidado
Estamos habituados a valorizar o cuidado em termos éticos, mas não em termos económicos. E isto cria injustiças de fundo na organização das nossas sociedades.
Na balança carregamos todo o peso sobre o prato da produtividade, como se a mãe que cuida dos filhos, as famílias que cuidam os seus idosos, ou as multidões de voluntários que dedicam gratuitamente parte do seu tempo a todo o género de causa humana não gerassem um valor real e indispensável ao nosso viver comum.
Sobre esta questão chama a atenção a filósofa canadiana Jennifer Nedelsky, que considera urgente superar a situação atual.
Nedelsky participa há muitos anos no debate sobre um enquadramento diferente (inclusive económico) das relações sociais entre homens e mulheres, jovens e idosos, ricos e pobres. E alerta que, sem um novo equilíbrio entre a cultura do trabalho e do cuidado, será a democracia a pagar dramaticamente o preço.
No seu projeto, por exemplo, as horas semanais de trabalho devem diminuir, a fim de que, em contrapartida, cada adulto possa dedicar-se às artes do cuidado, e isso seja incluído na sua remuneração final.
A própria ideia do que é o sucesso deve ser modificada, caso contrário continuará a haver analfabetos nas dimensões humanas fundamentais. O termómetro da excelência deve ser a vida integral, não unicamente o trabalho produtivo.
D. José Tolentino Mendonça
In Avvenire
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado pelo SNPC em 03.05.2019
Estamos habituados a valorizar o cuidado em termos éticos, mas não em termos económicos. E isto cria injustiças de fundo na organização das nossas sociedades.
Na balança carregamos todo o peso sobre o prato da produtividade, como se a mãe que cuida dos filhos, as famílias que cuidam os seus idosos, ou as multidões de voluntários que dedicam gratuitamente parte do seu tempo a todo o género de causa humana não gerassem um valor real e indispensável ao nosso viver comum.
Sobre esta questão chama a atenção a filósofa canadiana Jennifer Nedelsky, que considera urgente superar a situação atual.
Nedelsky participa há muitos anos no debate sobre um enquadramento diferente (inclusive económico) das relações sociais entre homens e mulheres, jovens e idosos, ricos e pobres. E alerta que, sem um novo equilíbrio entre a cultura do trabalho e do cuidado, será a democracia a pagar dramaticamente o preço.
No seu projeto, por exemplo, as horas semanais de trabalho devem diminuir, a fim de que, em contrapartida, cada adulto possa dedicar-se às artes do cuidado, e isso seja incluído na sua remuneração final.
A própria ideia do que é o sucesso deve ser modificada, caso contrário continuará a haver analfabetos nas dimensões humanas fundamentais. O termómetro da excelência deve ser a vida integral, não unicamente o trabalho produtivo.
D. José Tolentino Mendonça
In Avvenire
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado pelo SNPC em 03.05.2019
03 maio 2019
Textos dos dias que correm
Felicidade e Alegria
Não creio que se possa definir o homem como um animal cuja característica ou cujo último fim seja o de viver feliz, embora considere que nele seja essencial o viver alegre. O que é próprio do homem na sua forma mais alta é superar o conceito de felicidade, tornar-se como que indiferente a ser ou não ser feliz e ver até o que pode vir do obstáculo exactamente como melhor meio para que possa desferir voo. Creio que a mais perfeita das combinações seria a do homem que, visto por todos, inclusive por si próprio, como infeliz, conseguisse fazer de sua infelicidade um motivo daquela alegria que se não quebra, daquela alegria serena que o leva a interessar-se por tudo quanto existe, a amar todos os homens apesar do que possa combater, e é mais difícil amar no combate que na paz, e sobretudo conservar perante o que vem de Deus a atitude de obediência ou melhor, de disponibilidade, de quem finalmente entendeu as estruturas da vida.
Os felizes passam na vida como viajantes de trem que levassem toda a viagem dormindo; só gozam o trajecto os que se mantêm bem despertos para entender as duas coisas fundamentais do mundo: a implacabilidade, a cegueira, a inflexibilidade das leis mecânicas, que são bem as representantes do Fado, e cuja grandeza verdadeira só se pode sentir bem no desastre; é quando a catástrofe chega que a fatalidade se mede em tudo o que tem de divino, e foi pena que não fosse esta a lição essencial que tivéssemos tirado da tragédia grega; como pena foi que só tivéssemos olhado o fatalismo dos árabes pelo seu lado superficial.
Por outra parte, é igualmente na desgraça que se mede a outra grande força do mundo, a da liberdade do espírito, que permite julgar o valor moral no desastre e permite superar, pelo seu aproveitamento, o toque do fatal; não creio que Prometeu estivesse alguma vez verdadeiramente encadeado: talvez o estivesse antes ou depois da prisão; mas era realmente um espírito de liberdade e um portador de liberdade o que, agrilhoado a montanha, se sentiu mais livre ainda; porque podia consentir ou não no desastre, superá-lo ou não, ser alegre ou não. E este ser alegre não significa de modo algum a alegria daquele tipo americano de «Quebre uma perna e ria»; acho que eram muito mais alegres as pragas dos velhos soldados de Napoleão. No fundo é o seguinte: é necessário, ajudando a realizar o homem no que tem de melhor, que a mesma energia que se revelou pela física no mundo da extensão, se revele pelo espírito no mundo do pensamento e domine a primeira vaga de energia, como onda rolando sobre onda mais alto vai. E mais ainda: que pelo momento de infelicidade, o que não poderá nunca suceder no caso da felicidade, entenda o homem como as duas espécies ou os dois aspectos de energia se reúnem em Deus. Só por costume social deveremos desejar a alguém que seja feliz; às vezes por aquela piedade da fraqueza que leva a tomar crianças ao colo; só se deve desejar a alguém que se cumpra: e o cumprir-se inclui a desgraça e a sua superação.
Agostinho da Silva, in 'Textos e Ensaios Filosóficos'
Não creio que se possa definir o homem como um animal cuja característica ou cujo último fim seja o de viver feliz, embora considere que nele seja essencial o viver alegre. O que é próprio do homem na sua forma mais alta é superar o conceito de felicidade, tornar-se como que indiferente a ser ou não ser feliz e ver até o que pode vir do obstáculo exactamente como melhor meio para que possa desferir voo. Creio que a mais perfeita das combinações seria a do homem que, visto por todos, inclusive por si próprio, como infeliz, conseguisse fazer de sua infelicidade um motivo daquela alegria que se não quebra, daquela alegria serena que o leva a interessar-se por tudo quanto existe, a amar todos os homens apesar do que possa combater, e é mais difícil amar no combate que na paz, e sobretudo conservar perante o que vem de Deus a atitude de obediência ou melhor, de disponibilidade, de quem finalmente entendeu as estruturas da vida.
Os felizes passam na vida como viajantes de trem que levassem toda a viagem dormindo; só gozam o trajecto os que se mantêm bem despertos para entender as duas coisas fundamentais do mundo: a implacabilidade, a cegueira, a inflexibilidade das leis mecânicas, que são bem as representantes do Fado, e cuja grandeza verdadeira só se pode sentir bem no desastre; é quando a catástrofe chega que a fatalidade se mede em tudo o que tem de divino, e foi pena que não fosse esta a lição essencial que tivéssemos tirado da tragédia grega; como pena foi que só tivéssemos olhado o fatalismo dos árabes pelo seu lado superficial.
Por outra parte, é igualmente na desgraça que se mede a outra grande força do mundo, a da liberdade do espírito, que permite julgar o valor moral no desastre e permite superar, pelo seu aproveitamento, o toque do fatal; não creio que Prometeu estivesse alguma vez verdadeiramente encadeado: talvez o estivesse antes ou depois da prisão; mas era realmente um espírito de liberdade e um portador de liberdade o que, agrilhoado a montanha, se sentiu mais livre ainda; porque podia consentir ou não no desastre, superá-lo ou não, ser alegre ou não. E este ser alegre não significa de modo algum a alegria daquele tipo americano de «Quebre uma perna e ria»; acho que eram muito mais alegres as pragas dos velhos soldados de Napoleão. No fundo é o seguinte: é necessário, ajudando a realizar o homem no que tem de melhor, que a mesma energia que se revelou pela física no mundo da extensão, se revele pelo espírito no mundo do pensamento e domine a primeira vaga de energia, como onda rolando sobre onda mais alto vai. E mais ainda: que pelo momento de infelicidade, o que não poderá nunca suceder no caso da felicidade, entenda o homem como as duas espécies ou os dois aspectos de energia se reúnem em Deus. Só por costume social deveremos desejar a alguém que seja feliz; às vezes por aquela piedade da fraqueza que leva a tomar crianças ao colo; só se deve desejar a alguém que se cumpra: e o cumprir-se inclui a desgraça e a sua superação.
Agostinho da Silva, in 'Textos e Ensaios Filosóficos'
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