31 outubro 2008

Nova corrida, nova viagem...



Fruto do capricho do calendário e dos desígnios das coisas naturais da vida, continuo a saga dos aniversários para desta vez me dirigir a duas amigas que fazem hoje anos – a V. e a I. Da primeira sou amigo há seguramente 28 anos, da segunda há 2, mais mês menos mês.

Nada me impele a comparações porque cada vez mais me revejo na frase que alguém disse de volta de um baralho de cartas: cada jogo tem a sua beleza. Sou amigo por igual das duas porque ocupam planos complementares: uma vive cá, a outra vive longe; uma tem uma ligação mais recente, a outra mais antiga. Sei que ambas são detentoras de qualidades humanas muito grandes e, acima de tudo, serão incondicionais – tanto quanto é possível ser-se - no apoio que um dia tiverem de me dar. Falo do que sei. São amizades, fortes, leais, desabridas, francas, críticas - mas presentes. Não se pode pedir mais.

Foi muito tarde que aprendi uma expressão adequada às relações que vamos estabelecendo. Alguém de quem sou muito amigo também me falava de notas dissonantes. É um exercício interessante olharmos para os que nos são próximos e encontrarmos as características que destoam de um qualquer conjunto harmonioso. O que falha no meio daquele discurso e comportamento aparentemente tão normais? Uma obsessãozinha que não suporta livros desalinhados? Uma forretice que destoa da generosidade aparente? Um enervamento com cinzeiros sujos? Uma violência verbal com os idosos num discurso que é contido com os outros?

Dou por mim nesta prática, não para encontrar defeitos, mas quase como se fosse uma pesquisa engraçada, humorística, ligeira, que confere ao outro o estatuto de desviado saudável… Mas dou por mim, também, a procurar notas sonantes, o que me faz ser amigo de uma pessoa específica, quais as características que me despertam empatia, em que aspectos me revejo mais no outro. Olho para V. e para I. e este exercício torna-se muito fácil, porque lhes encontro inúmeros sons harmoniosos.

Para as duas aniversariantes de hoje segue um beijo de parabéns, em especial para quem é filha de um ano particularmente afortunado.

Nota: eu sei que a associação é um cliché, mas apeteceu-me ouvir James Taylor (tanto cabelo, em 1971...) neste recuerdo que lhes dedico e que também é uma música dos dias que correm.

30 outubro 2008

Magnífico!

Houve possivelmente uma época da minha vida em que acreditei não fazer mais amizades. Talvez me chegasse manter as que tinha, refiná-las, não deixar que elas desaparecessem ou diminuíssem de intensidade por inépcia minha. Lembrado de alguém que dizia que tinha perdido dois amigos, um porque não contava nada, o outro porque não perguntava nada, tentei gerir os meus desvelos com sabedoria e equilíbrio, certo de que exijo mais do que dou e falo mais do que oiço (mesmo sabendo que tenho uma boca e dois ouvidos) .

A acrescer a esta vagas convicções atravessei um período conturbado da minha condição de pai. Fui varrido por um temporal tão grande que tudo à minha volta ficou de uma nitidez estranha, como se de repente eu visse com uns olhos iluminados o que se passava à minha volta, distinguindo sem qualquer dúvida – e munido de argumentos demolidores – o que prestava e o que não servia, quem se destacara pela positiva, quem se evidenciara num desaparecimento confrangedor, quem mostrava uma mediania que não era compatível com padrões elevados. Foi o período do olhar injusto e apressado, debruado por uma intolerância sem razão e sem objectivos.

É neste turbilhão de sentimentos, nesta ressaca e nesta exigência que me cruzo com A., com quem mantive inicialmente uma relação cordial porque nova, feita de acordos e desacordos simples porque pouco profunda. Haverá amizades para as quais não se antevê futuro dadas as diferenças de personalidade envolvidas. Mas talvez haja, nalgumas amizades que nascem num repente e aparentemente fora de horas, um qualquer motivo que faça disparar um entendimento que não se vislumbrava na linha do horizonte.

Descobri em A. características que não são vulgares na generalidade dos homens da minha geração, em particular a sensibilidade para algumas assuntos e a desinibição para outros. Numa sociedade em que, como dizia Álvaro de Campos, nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo, foi gratificante encontrar em A. uma alma atenta, perspicaz e amiga, que encara a vitória e a derrota alheias, a alegria e a tristeza no seu semelhante, o riso e o choro no próximo como as duas faces de uma mesma moeda que todos usamos no bolso. Ao longo das inúmeras conversas que tivemos nos últimos anos teve sempre a capacidade de olhar para além do desfocado onde muitas vezes nos quedamos por falta de intuição – ou mesmo de paciência - sem nunca perder de vista a frontalidade com que se dizem algumas coisas, sabendo que escuta activa nem sempre significa escuta feliz.

A. faz hoje 50 anos, uma caminhada já longa feita de tudo aquilo que pavimenta a estrada da maioria de nós, e que confere ao ano de 1958 o epíteto de ano particularmente afortunado. Tenho o enorme gosto em poder dizer que sou amigo dele, não apesar das diferenças, mas por causa das diferenças, e que essas diversidades – temperadas por tantas e tantas semelhanças - transformaram uma amizade improvável numa afeição firme. Poderia alongar-me nas características que fizeram dele o que é, e do impacto que tiveram em momentos da minha vida. Poupo ao aniversariante o embaraço dessa divulgação pública, na certeza de que ele, e quem lhe está particularmente próximo, sabem o que cimenta aquilo que o tempo não desfará. Numa época de pobreza envergonhada, é com gosto que afirmo dever-lhe favores de amizade.

Um abraço de parabéns.

29 outubro 2008

Palavras dos tempos que correm...

Qual o menor múltiplo comum que junta o Zimbabué, S. Miguel, a Meditação ou o Cisne? O que agrega tantas coisas aparentemente tão díspares? Em que se assemelha uma terra por vezes seca e árida, interior, com tons de vermelho e castanho e uma ilha sempre verde, sempre húmida? E que têm ambas a ver com duas músicas que alguns considerarão tristes, outros desinteressantes, outros ainda profundamente deprimentes?

A resposta está nas palavras dos tempos que correm:

Beleza, paz, espaço, mar, cor, nostalgia, sossego, recolhimento, encontro, Deus, passado, silêncio, inocência, dor, olhar, tristeza, esperança, ânimo, solidão, companhia, futuro,

e tantas outras que vão nascendo no nosso íntimo todos os dias, que traduzem o que é e o seu antónimo, o que devia ser e o seu inverso, o que gostaríamos e o seu oposto.

Fotografias dos tempos que correm...




Fotografias dos tempos que correm...




Músicas dos tempos que correm



Meditação de Thais (Massenet)

Músicas dos tempos que correm...



O Cisne, de O Carnaval dos Animais (Saint-Saens)

28 outubro 2008

Memórias breves


Saí do Zimbabué há pouco mais de três semanas. À medida que vou retomando a minha vida social, os meus amigos, ou aqueles que vão sabendo indirectamente da minha aventura, perguntam-me:

- E que tal a experiência africana?

Não consigo responder outra coisa a não ser:

- Fantástica. Por mim voltava já amanhã.

Obviamente que não voltaria tão cedo, por um conjunto de motivos que me dá prazer, mais do que me constrange. Mas não deixo de pensar em África e em tudo o que me fascinou e encantou: as cores, o espaço, o silêncio, os verdes, os vermelhos e os castanhos, a simpatia das pessoas, a distância que se percorre como se fossemos ali ao lado, as fardas das crianças a voltarem da escola, a hospitalidade de quem nos acolhe como se fossemos da casa, os programas sociais diferentes, os personagens que encontrei e que decoraram algumas das minhas crónicas.

Talvez esteja numa onda mais nostálgica, como se comprova pelos posts a recuperarem músicas da minha juventude muito juventude. A nostalgia talvez já não seja o que era, mas tem-me enternecido a lembrança de inocências antigas, amanhãs despreocupados, noites felizes a dançar Janis Joplin ou Melanie Safka, cartas escritas com caligrafias juvenis mas palavras apaixonadas.

Desta vez regresso ao passado mais recente, aos meses de Agosto e de Setembro e dedico este escrito aos meus companheiros do último jantar em Harare: a Bela, a Teresa e a filha, a Manuela, o Alberto e a Ana, o Toni e a Sílvia, a Cristina e o marido, o anfitrião JdC.

Têm-me perguntado qual a “coisa” mais bonita que vi em África. Poderia ter nomeado imensas, mas escolho sempre uma, porque aliou a vista deslumbrante à paz interior; juntou o que os meus olhos viram com o que o meu coração sentia: a montanha sagrada de Ngomakurira. Fica por isso a fotografia.

Adeus, até ao meu regresso…

27 outubro 2008

Lembras-te em que ano dançámos esta música?




Lembras-te em que ano dançámos esta música? Era seguramente Verão, no terraço de um qualquer prédio no Algarve. Tínhamos todos a mesma idade, mesmo que tivéssemos nascido em anos diferentes. Tínhamos todos o mesmo dinheiro, mesmo que algumas mesadas fossem mais generosas. Jogávamos o verdade ou consequência, certos de que coraríamos se nos perguntassem de quem gostávamos, ansiosos por não fazer má figura se as regras nos levassem a beijar a rapariga que nos criava borboletas no estômago. Depois, alguém punha discos de vinil num gira-discos que talvez funcionasse a pilhas. As estrelas eram imensas, e a Janis Joplin arrancava com o seu Me and Bobby Mc Gee. Eu olhava em volta e ia buscar-te, porque este era o nosso slow. Não tinha pressa, porque tinha a certeza de que esperarias por mim, que disfarçarias se te viessem buscar para dançar. Íamos para o meio da pista - quer dizer, do terraço - e enroscávamo-nos na ingenuidade da juventude, com a embriaguez provocada por dois corpos justos, um cabelo cheiroso, uma face encostada, uma forma de dançar que pouco mais era do que a imobilidade de dois adolescentes apaixonados. Lembras-te em que ano dançámos esta música?

2ª feira, 08.40h da manhã

O Adeus, até ao meu regresso... entra agora nos últimos dias da sua existência tal como se tem revelado aos leitores que, contra tudo o que seria intelectualmente razoável, continuam a segui-lo.

Tal como aqui referi, entendi não querer ter disponibilidade para manter esta cruzada solitária, já que ela rouba tempo para actividades que me são importantes, nomeadamente a leitura pura e simples e a finalização de um livro que tenho em mãos.

Desafiei, por isso, meia dúzia de amigos a encetarem comigo uma aventura: mantendo, para já, o nome e estrutura deste blogue, cederei espaço que será preenchido por cada um deles, sob anonimato ou não, com a regularidade possível. Será uma espécie de irmandade secreta, já que só eu sei quem são os elementos, não se conhecendo estes entre si. Eu, pelo meu lado, continuarei por aqui a brindar os meus visitantes com o perfume (que cada um classificará como entender) da minha escrita. Mantenham-se por aí, parceiros desta peripécia, peregrinos de uma mesma romaria que junta gente díspar em nome de um gozo comum.

Amanhece mais cedo, anoitece mais cedo, os dias encurtam-se num crescendo irreversível para desespero de alguns e alegria de outros, que o Outono provoca estas sensações antagónicas. Na semana que agora entra, e que desemboca numa final intenso para quem é crente – a Festa de Todos os Santos e de Fiéis Defuntos – haverá lugar para tudo: o trabalho indispensável, o lazer possível, a preparação de mudanças inadiáveis e de reversibilidade imprevista. Um lado da minha vida parecer-se-á com a de um atleta de alta competição que faz o seu estágio para desafios importantes; o outro lado recordará os versos que referem que por morrer uma andorinha não acaba a Primavera.

Vivo a vida como dantes
Não tenho menos nem mais
E os dias passam iguais
Aos dias que vão distantes

Uma boa semana para os que me lêem. Façam o favor de ser felizes.

26 outubro 2008

Palavras...

Hoje é Domingo, e eu não esqueço a minha condição de Católico...

Palavras de que quero gostar:

Amor
Paz
Serviço
Próximo
Caridade
Perdão
Humildade
Perseverança
Esperança

Palavras de que não quero gostar:

Raiva
Vingança
Orgulho
Desesperança
Arrogância
Egoísmo
Desistência

Palavras que dão sempre jeito:

Força
Discernimento

25 outubro 2008

Uns olhos e um olhar

Cito Gedeão antes de avançar para a descrição da personagem:

Eu tenho uns olhos
E é com esses olhos uns
Que eu vejo no mundo escolhos
Onde outros com outros olhos
Não vêem escolhos nenhuns

Quando ela rodopiava os seus olhos em redor, revestia-se da sua capacidade de mulher apenas que vê e pensa, e vislumbrava uma casa, uma igreja, um cemitério, um descampado, uma terra arável ou uma ruína.

Lembrava-se então de Sophia de Melo Breyner quando afirmava que

a poesia é oferecida a cada pessoa só uma vez e o efeito da negação é irreversível

e derramava o seu olhar pelos mesmos locais. Vestida da ingenuidade dos sonhadores, via um projecto, uma memória, uma vida, um futuro, um passado.

Talvez ela não soubesse que há sempre mais encanto num olhar do que nuns olhos*.

*Obrigado, LS, pelo conceito

24 outubro 2008

Histórias sem sentido

Descobriram-se por acaso numa esquina larga, quando nada dava a entender que o cálculo das probabilidades exercesse os seus direitos. Olharam-se talvez enervados, surpresos, inesperados ambos por aquele encontro fortuito que só o acaso adiava. Beijaram-se com a estranheza do afastamento, com a saudade dos tempos antigos, com o incómodo dos caminhos divergentes. Pelos dois passou aquilo que os unia e afastava desde sempre e, nas mãos que se tocaram numa brevidade curta, houve um vislumbre de ternura apoquentada que a erosão do tempo foi matando. Despediram-se silenciosos, como estiveram sempre, com um beijo que um roubou ao outro (também se pode roubar um beijo se se presumir consentido?) e seguiram o seu caminho, cantarolando para dentro músicas diversas, feitas de sonhos e realidades, esperanças e desalentos, luz e escuridão, sons e silêncio. Só nessa altura o trânsito fluiu de novo, porque só nessa altura os dois cegos – que também eram surdos e mudos - desimpediram a estrada. Nunca ninguém saberá se se conheciam ou não porque, na sua limitação, nenhum dos dois conseguiu formular a pergunta (conheces-me?) que na realidade não poderia ouvir. Há histórias que parece não fazerem sentido, a não ser na mente de quem as escreve. Há histórias que estão votadas à incompreensão de todos, a não ser dos dois cegos, surdos e mudos.

23 outubro 2008

Meditações sobre a terceira pessoa do teórico

Levantou-se porque as pernas assim o mandavam;
Estendeu os braços com base em estímulo semelhante;
Olhou para um lado, olhou para outro e ficou indeciso.
Não sabia o que fazer com os membros.
Algo lhe dizia para se ir embora e algo lhe dizia para ficar;
Algo lhe dizia para se levantar, algo lhe dizia para se sentar.
Quando deu por ele vivia um conflito interno permanente,
Alguém havia de ir ao tapete, pois o empate não era opção.
Voltou a levantar-se e a sentar-se, a estender os braços e a baixá-los;
Experimentou a partida, o regresso, a imobilidade.
Testou um olhar para a distância e outro para a proximidade.
Em tudo achou encanto e foi incapaz de escolher: fico ou vou?
Quem passa por ele percebe a indecisão, a incapacidade da preferência certa.
Quem quiser vê-lo passe por lá a qualquer hora, pois não está para ir embora.

22 outubro 2008

Poemas dos dias que correm

Não são pepitas de oiro que procuro.
Oiro dentro de mim, terra singela!
Busco apenas aquela
Universal riqueza
Do homem que revolve a solidão:
O tesoiro sagrado
De nenhuma certeza,
Soterrado
Por mil certezas de aluvião.
Cavo,
Lavo,
Peneiro,
Mas só quero a fortuna
De me encontrar.
Poeta antes dos versos
E sede antes da fonte.
Puro como um deserto.
Inteiramente nu e descoberto.

Miguel Torga, Poesia Completa

Cartas à minha madrinha

Querida madrinha de espírito presente mas de corpo ausente,

Espero que esta a encontre de saúde, que nós por cá todos bem.
Se não houvesse distância geográfica a separar-nos, estou certo de que me enroscaria no seu afecto volumoso, pedindo-lhe protecção e amparo para este momento menos fagueiro. Imagino-lhe a frase:
Ai, menino, que coisa! Conte lá o que se passou…
Pois eu digo-lhe, madrinha: um sonho – sei lá se um pesadelo. Acordei voltado ao contrário na cama, a roupa em desalinho, a mente baralhada, os olhos espantados para um tecto imaculadamente branco. Ao contrário de muitos sonhos, lembrei-me de tudo – de tudo, garanto-lhe! Passo a contar, que o seu tempo é precioso como um pouco de frio em tempo de aquecimento global.
Estávamos num deserto, como se fosse uma travessia. Junto a mim, uma multidão de pessoas caminhava em direcção a um ponto qualquer na linha do horizonte. Olhei para elas, e muitas conheci-as de vista, outras de intimidades amigas, outras eram totalmente estranhas. Curiosamente, a todas lhes sabia dar um nome próprio, como se fosse importante para a jornada.
A estranheza de tudo residia neste facto bizarro: os peregrinos estendiam as mãos para alguém, num sinal visível de uma vontade qualquer. E é exactamente neste gesto que as coisas começam a baralhar-se. Eu conto, e não ligue demasiado aos nomes próprios, porque me vão saindo a eito sem grandes critérios de rigor que não acrescentam valor ao sonho e às conclusões possíveis.
A Maria estendia uma mão ao Carlos. Este, por seu lado, oferecia-a à Joana que, ignorando-o, a estendia ao José. O José estendia cinco dedos ansiosos à Maria, ignorando as duas mãos que lhe eram estendidas pela Filipa e pela Teresa. A Filipa, por seu lado, hesitava se também devia estender a mão ao João – assim como ao José – já que este ignorava o seu gesto. O João, na falta de uma mão certa estendida, procurava a mão da Mariana, nem sequer percebendo a que lhe estendia a Sofia que, por sua vez tristonha, não vislumbrava a mão do Joaquim que quase a tocava.
Não, madrinha, este parágrafo não é uma espécie de rap. Como deve calcular, é o respeito e amizade que tenho por si que me faz encurtar a descrição do sonho, já que a enumeração das mãos que se estendem para ninguém e das que não se recebem por absoluta falta de atenção afectiva me levaria até à eternidade na sua versão mais enfadonha.
O que vi, nesta deambulação por um mundo dentro do meu próprio, foi o desalinhamento total e completo dos sentimentos, como se num repente terrível tudo se desmoronasse: a vontade e a disponibilidade, o olhar que se dá e recebe, a mão que se afaga num princípio de qualquer coisa e se deixa afagar como quem diz que sim, as saliências e reentrâncias que nunca mais se encaixam.
Hoje, ao escrever-lhe esta carta, dei por mim a pensar no final possível do sonho, já que fui interrompido no meu sono reparador pelos vizinhos de cima que inauguraram uma discussão de som elevado e fim imprevisível. Se o mundo fosse exemplar, alguém estalaria os dedos e as Marias, os Carlos, os Joaquins, as Marianas ou as Filipas deste mundo olhariam para o lado e perceberiam a mão que se lhes estende. No apuro último, todos saberiam que mão receber e que mão recusar, porque alguém mais importante se encarregaria de acolher a mão rejeitada. Tudo se faria em nome de um Ideal, de um Esmero, de uma Perfeição. Mas o mundo não é, felizmente, assim. E esse facto, por vezes lamentável, é o que nos obriga à luta, à conquista, à convivência diária com o sucesso e com o fracasso, com a alegria e a tristeza. É esse facto que torna uma mão que se dá e que se recebe um entusiasmo por vezes comovente, porque na irregularidade das coisas houve um encontro, porque na cegueira do coração houve um vislumbre de nitidez.
Enrosco-me na sua compreensão, embrulho-me na sua paciência, agasalho-me na sua ternura. E ofereço-lhe um beijo saudoso e barulhento, tal e qual o volume da discussão dos meus vizinhos de cima.

21 outubro 2008

Poemas dos dias que correm

CARTA DE NAVEGAÇÃO

Talvez além do que tu vês
Não esteja nada
Nem a alada criatura com que sonhas
Sequer a sombra da sombra da sombra

Talvez nisso que vês só haja espelho
De um desejo sem rosto e sem esperança
Que toda a vida (às vezes) seja apenas
Esse deserto crescendo à tua volta

Aprende a não amar o amor
A nada querer
Não desejar o desejo
Nada ter

(Bernardo Pinto de Almeida)

20 outubro 2008

2ª feira, 9.30 da manhã

Traduções e mais traduções; necessidade de retomar a leitura numa base regular, assim como a finalização do livro em curso, deitado a descansar como se fosse terra fatigada; acompanhar um enfermo; reunião profissional seguida de um almoço na outra banda; deslocação a Coimbra com os corpos gerentes da Acreditar; dois acontecimentos sociais diferentes e em dias seguidos que tomam de assalto as noites de fim-de-semana; escrita do blogue. Assim se perfila mais uma jornada em que continua a haver espaço físico e mental para a surpresa ou para o imprevisto.
Do sítio onde trabalho antevejo um dia relativamente limpo, com poucas nuvens, convidativo para a disciplina do andar a pé depois de cumpridas as outras obrigações que encimam a lista das prioridades. Apesar de tudo continuo a reclamar o privilégio desta vida, quando a generalidade das pessoas enfrenta estradas cheias e vagarosas, transportes públicos que não serão os melhores, dias rotineiros e pouco flexíveis, dias intensos e cansativos, dias em que a resolução de problemas urgentes mas não importantes corta cerce a possibilidade da criatividade.
Revejo alguns escritos deste Adeus, até ao meu regresso… que se mantém activo, que espera a altura certa para mudar de caminho, enveredar por uma nova fase, recriar-se mantendo alguma identidade, e olho para dentro de mim próprio.
Desde há talvez seis anos que encetei na minha vida duas actividades novas, fruto de acontecimentos marcantes: comecei a escrever com alguma frequência – cartas, textos, artigos, livros, etc., e a intervir de uma forma semi-pública, falando a grupos de pessoas sobre assuntos específicos que são quase determinantes na minha vida, nas minhas opções, no sentido que quero dar às coisas. Vem daí um pensamento que me cruza e com que quase sempre me despedi, fosse de uma forma explícita ou de uma forma resguardada: mesmo tendo sido convidado, agradeço às pessoas terem-me lido ou ouvido, porque foi uma forma de ter encontrado interlocutor para aquilo que queria dizer a mim próprio.
Revisito, volto a dizê-lo, os textos que tenho alinhavado. Haverá quem os considere escritos direccionados como um endereço que se põe numa carta. Eu, tal como tenho feito de há seis anos para cá, mantenho o meu 'obrigado' a quem me lê e me assegura a motivação de alguma continuidade. No fundo, no fundo, do que preciso mesmo é de dizer a mim próprio o que é importante, do que não quero desistir, quais são os faróis que me guiam nas noites escuras. Os meus fiéis leitores asseguram-me essa possibilidade. Não é de agradecer?
Para todos uma boa semana de trabalho. Façam o favor de ser felizes.

19 outubro 2008

Um Domingo igual a tantos

Hoje é Domingo, e eu não esqueço a minha condição de Católico…

Alturas há, na vida de cada um de nós, em que queremos romper com o que está, com o que é, com o que se vive – seja qual for a razão. Queremos eliminar um passado ou um presente para construir o que pensamos ser um futuro melhor. Para estas decisões radicais – no sentido extremista do termo – é preciso revestirmo-nos de uma certa dose de coragem, audácia, destemor, disponibilidade e força para enfrentar e quebrar círculos que nos são importantes: os amigos, a família, os nossos valores sociais e códigos de princípios, aquilo a que fomos levados a acreditar ao longo de uma vida. Temos essa energia e determinação dentro de nós? Estamos dispostos a uma guerra com os outros ou connosco próprios? E se sim, em nome de quê? E se não, será que não é o corpo e a alma a enviarem sinais de impedimento para decisões fracturantes, o astrólogo que todos somos a precaver-se contra realidades que prevê sombrias? O nosso processo de escolha nem sempre é linear. Quantas vezes escolhemos porque queremos, mas quantas vezes o fazemos para agradar a alguém, no intuito de irritar um terceiro, ou porque temos a ilusão de que essa escolha será uma varinha de condão que eliminará os fantasmas recostados no nosso travesseiro? As nossas opções estruturais, aquelas que condicionam e marcam indelevelmente a nossa vida deveriam ser feitas, tanto quanto possível, em nome de uma vontade genuína, de um querer sadio, de um gosto pensado, de um estender de braços todo feito de sorrisos para o porvir. Uma decisão importante mas precipitada é como uma manta curta – tapam-se os pés, mas falta para a cabeça, sendo que a inversa também pode ser verdadeira. Mais cedo ou mais tarde a nudez forte do desconforto virá ao de cima, porque não há pano suficiente para nos abrigar da intempérie que se aproxima. E então, se escolhemos contra qualquer coisa, talvez assinemos, cada um de nós, a crónica de um falhanço anunciado. Penso já ter dito esta frase aqui, mas gostaria de a repetir: em altura complicada da minha vida, voz amiga disse-me: o tempo não cura nada; o que cura é a qualidade do tempo; o povo refere, na sua sabedoria - embora de uma forma mais crua - que as cadelas apressadas dão à luz crias cegas. Mais ou menos bonita, ambas as frases me remetem para o mesmo pensamento: o khronos, o espaço que dou na minha vida para que as minhas decisões mais importantes sejam maturadas, avaliadas, não tirando nunca o gosto do improviso, do surpreendente, da aventura. Talvez o mundo de hoje, a sociedade dos nossos dias, nos atire para a necessidade de estarmos certos, de não nos enganarmos, de termos certezas sólidas sobre o que decidimos. Mais do que isso, não nos sentimos à vontade para reconhecer o erro, a resolução mal tomada, a vontade, tantas vezes, de voltar atrás. Somos vencidos pelo orgulho, pela arrogância, pela incapacidade de dizer: enganei-me. E, se esse momento por acaso chegar e nós o enxotarmos como se afasta um insecto incómodo, nunca teremos a sensação libertadora da humildade, a pacificação interna de quem se reconhece falível, imperfeito - ainda que esforçado. Talvez o futuro não seja mais do que a linha do horizonte: à medida que nos aproximamos ela afasta-se, como quem diz: ainda tens de caminhar muito para me tocar. Que futuro é que perseguimos na vida? Termino lembrando alguém que interpretava poeticamente textos que são maiores do que nós, e que afirmava a certeza de que o braço da compaixão é maior do que o da justiça.

17 outubro 2008

Um simples termómetro...

Vítima de uma dor de garganta persistente e incomodativa e de um frio que não me é habitual, entendi que era chegada a altura de avaliar a minha temperatura corporal, pelo que fui obrigado a comprar um termómetro. O saudoso mercúrio foi banido do contacto com os nossos sovacos, o digital talvez não tenha vingado. Recorri ao que tem saída agora, fabricado na China, distribuído por um qualquer polígono industrial na Catalunha. Até aqui nada de novo. Atente-se, no entanto, à qualidade da tradução, do castelhano (em itálico) para o português:
Garantía de por vida, salvo roturas
Garantia de por vida, exceto roturas
Sin baterías ni electrónica
Sen baterista nem electrônica
Se a primeira informação me surpreendeu - e até agora, depois de lida n vezes enquanto verifico se o líquido de medição (não tóxico, como garante a embalagem) sobe acima dos 36.8ºC - a segunda descansou-me mais do que não ter febre. A garantia que me dão de que não há um baterista no aparelho repousa-me as entranhas como tisana digestiva. Por momentos temi ter um artista do tambor e dos pratos nas minhas axilas, revolvendo-se na minha pilosidade de homem, convivendo com os aromas exalados, aspirando e tossindo consoante as horas do dia.
A ASAE que não se preocupe com estes atentados à moral e à higiene linguística, que são de somenos importância. Que impacto tem esta frase (podia ser considerada publicidade enganosa não se garantir a inexistência de um Ringo no jingarelho) quando há quem coma bolas de berlim na praia?

A escolha

Podia ter escolhido um barco chamado liberdade
Onde não houvesse uma hora um compromisso uma regra um se te apetece…
Podia ter escolhido uma casa onde as letras estivessem à mesa de cabeceira
Onde as almofadas fossem os clássicos e se adormecesse ao som da poesia
Podia ter escolhido uma casa onde pelos cantos se escutassem sons espirituais
Harmonias gregorianas aromas de incenso preces dedicadas votos perpétuos
Podia ter escolhido tantas coisas se tantas coisas me tivessem escolhido a mim
Mas não quis os livros a poesia os clássicos os realistas os aromas as preces
Não quis a liberdade que ilude o não compromisso que engana
Não quis a presunção de ser mais querer mais achar mais
Não quis estender os braços noutra direcção porque sei onde está o meu norte
Não quis pretensas musas inspiradoras supostas devoções humanas
Não quis nada disso nada disso nada disso nada disso
Quis ir mais além ser mais além viajar mais além
Quis-te a ti e só a ti e nada mais do que a ti
Quis esta casa estes braços esta boca esta alma este coração estas mãos
Quis esta fraqueza que acolhe a minha fraqueza
Quis este choro que acolhe o meu choro
Quis este riso que acolhe o meu riso
Quis estes olhos que me conhecem que me vislumbram no escuro
Quis este coração com cicatrizes que conhece as minhas feridas
Quis esta alma que sufoca estes braços que apertam esta boca que beija
Quis a imperfeição que acolhe o pouco de mim
Quis as mãos desajeitadas que moldam o barro que sou
Não quis mais nada mais ninguém mais local algum
Podia ter escolhido tudo se tudo me quisesse ter escolhido
Mas escolhi oferecer-te o pouco que sou o nada em que me tornei
Podia ter escolhido ou o mar ou a terra ou o céu ou a praia ou as aves
Escolhi-te porque és isso tudo na minha vida na minha estrada
Podia ter escolhido o caminho da frase que se diz da voz que se levanta
Mas escolhi não dizer não gritar não afirmar
Escolhi porque podia escolher e escolhi o pedido o abrir dos braços
Escolhe-me também a mim

15 outubro 2008

A dimensão estética do futebol

Percebo que o meu filho me identifique como a pessoa com quem mais detesta ver futebol. Lido mal com o insulto palavroso, posso ver um jogo com o som baixo, tenho dificuldade em distinguir um médio ala de um ponta-de-lança, entre uma revista social que evidencie a felicidade do jet-set e um jogo reconhecidamente mau o meu coração não tem dificuldade em escolher, faço sempre contas de somar quando revelam a disposição dos jogadores em campo, esperançado que some 14.
Fui poucas vezes ao futebol - e daí não saber o que são coiratos. Acho que o Sporting agradece, pois das seis ou sete vezes que vi o meu clube jogar nunca celebrei uma vitória, e chorei várias vezes (vagamente, diga-se…) a derrota. Talvez a Maya astróloga saiba alguma coisa sobre o assunto.
Quem vê jogos na televisão – que é o meu caso – sente-se confortado por o realizador mostrar o que é teoricamente importante: onde está a bola, onde está o jogador que a transporta, onde está a baliza adversária. Tudo o resto são fait-divers que atrapalham a dificílima tarefa de concentração do ignorante do desporto-rei.
Da penúltima vez que fui ao futebol, sentei-me atrás de um casal de namorados. O Sporting perdeu com o Benfica 5 a 3, talvez, e a cada golo marcado os pombos beijavam-se loucamente, trocando fluidos com uma boca obscenamente aberta. Imaginei a felicidade suprema e a paz clubística – qualquer golo é bom para festejar ruidosamente, e há gente que gosta de oscular. Atrás de mim, uma senhora visivelmente interessada e entendida discutia comigo o fora de jogo do centro campista, e eu nem sequer vislumbrava onde estava o esférico, quanto mais o alinhamento da defesa, as regras em vigor, a posição do bandeirinha. Todo eu olhava em volta, perdido no meio da multidão, num desespero esforçado e inglório de transformar os meus olhos no realizador que revela o importante. A minha vizinha percebeu que perdia o tempo quando, a um golo do meu clube, indagou: sabe quem marcou?, e eu respondi: penso que foi o Sporting.
Vem esta crónica a propósito do Portugal – Albânia, do qual vi poucos minutos. O jogo estava desinteressante e o sinal é fraco, pelo que se juntava o inútil ao desagradável. Vítima de um desconhecimento quase total da realidade política actual do país que inspirou tanta esquerda portuguesa, não tenho uma dúvida de que se lhes dessem a escolher, os albaneses optariam por jogar sempre fora: é uma oportunidade de viajar, de comer umas papas de sarrabulho ou um pudim abade de priscos (obrigado, Isabel, pela informação), de visitar a terra onde o pato com laranja foi cinefilamente mais famoso.
Nada me move contra o Carlos Queiroz (é com z ou com s?), porque não tenho a veleidade de lhe interpretar e criticar – como qualquer português que se preze – as opções estratégicas. Tenho esta visão retroactiva: se é para perder, mais vale não utilizar os jogadores do Sporting, que sempre se reduzem as probabilidades do aleijão (eu acho que os jogadores se aleijam, não se magoam, nunca percebi porquê). Acho que o mister é um homem que fala bem, domina o vocabulário e a pontuação oral, não diz pronto nem portanto, não é facilmente caricaturável, a gravata assenta-lhe bem num colarinho que se mantém composto, parece-me evitar o insulto fácil à mãe do árbitro. Portugal perde, empata e empata novamente – esta última vez com uma equipa que é ladina, ágil e resistente como os saltimbancos e os pequenos delinquentes. Em três jogos temos dois pontos – se sei interpretar as regras – o que é manifestamente pouco.
Porém, queridos leitores, o futebol tem de ter uma dimensão estética, não pode ser só eficácia, pelo que, neste caso, sou contra a chicotada psicológica. No entanto, se isso tiver de acontecer, talvez o Dr. Madaíl não esteja à altura de saber escolher uma alternativa, devendo socorrer-se de quem sabe verdadeiramente: a Glória de Matos, o José Castelo Branco, a Ana Maria Lucas e um representante da Associação Portuguesa de Estomatologia e Medicina Dentária.
Se Portugal tiver de perder, paciência – mas mantenha-se a dignidade de uma harmonia visual que é superior a um empate humilhante. Afinal, também nunca fomos longe…

Livros dos dias que correm


"Enquanto Pietro Paladini salvava uma desconhecida de morrer afogada na praia, a sua mulher morria perante os olhos incrédulos de Claudia, a filha de ambos. A partir desse dia, tudo muda. Pietro decide não voltar ao trabalho e começa a passar os dias sentado em frente à escola da filha. Mas a dor e o luto pela mulher parecem não o afectar como seria de esperar. A sua vida continua, ainda que agora num novo e inusitado cenário, que, por sua vez, exerce um fascínio inexplicável sobre os novos e os velhos amigos, o irmão, a cunhada e os colegas de trabalho que ali se deslocam para terem com Pietro conversas para as quais nunca haviam tido coragem. Em vez de lhe darem os pêsames, fazem-lhe confidências, expõem sentimentos e inseguranças numa série de histórias paralelas que levam o protagonista a reflectir sobre a sua própria existência."

14 outubro 2008

E o revivalismo continua



Nada garante que pare por aqui hoje. Se ultrapassar os limites da lucidez há quem saiba onde moro. Mas, de facto, estou numa onda saudosista. Ruby Tuesday por Melanie Safka, 1975. Sem imagens, só para fechar os olhos e lembrar, se aplicável.

Repor as condições iniciais




No momento de maior dificuldade da minha vida pessoal e profissional, um amigo de longa data escrevia-me, referindo a tranquilidade dos nossos 18 anos, quando os grandes dramas passavam pela ignorância do que faríamos naquela noite. Era uma altura idílica de inexistência de sofrimentos sérios, compromissos difíceis, prazos apertados, responsabilidades incómodas.
Sem que houvesse uma justificação especial - ou se calhar há, muito lá no fundo de mim mesmo - recuei ainda mais na vida e vi-me numa garagem de amigos, no Algarve ou no Estoril, numa altura em que se pedia às amigas para dançar. Alguém punha um slow e nós, rapazes ingénuos, precipitavamo-nos para a rapariga dos nossos encantos, num frémito de emoção porque ela se deixava apertar (o que quer que isso significasse), encostava a sua cabeça ao nosso ombro, deixava que passássemos uma mão pelo cabelo. Era a idade da inocência.
Deixo-vos com o Leonard Cohen, estático e igual a si próprio. No fundo, no fundo, não é ele que está a cantar - é o desejo que cada um tem de repor as condições iniciais, de regressar a uma juventude tranquila, sem problemas de maior a não ser o que fazer à noite.
Bons slows - com a vossa mulher, marido, namorado /a, companheiro/a, amigo/a. Ou com a vossa lembrança.

Cartas à minha madrinha

Adorada madrinha do meu coração,

Espero que esta a encontre de saúde, que nós por cá todos bem.

Presumo-lhe o mata-moscas na gaveta da cozinha, aguardando o regresso do insecto nas fases esvoaçante, cantante e poisante, muito embora não conheça a cronologia certa do animal em questão. Os dias anoitecem mais cedo, fruto de um Outono e de uma natureza implacáveis que oferecem um lágrima furtiva a um amor desavindo, um suspiro a quem vê futuros tristes, um semblante carregado a quem caminha sozinho na estrada da vida. A madrinha não! Manda a empregada fechar cortinas, servir o chá a horas civilizadas e pôr o seu Satie, que as Gymnopédies ajudam à digestão das notícias sombrias.

Fui deambular ontem pelo paredão, pela segunda vez desde que regressei, cumprindo o único ritual desportivo a que me entrego de alma e coração. De onde me encontrava o sol punha-se no Clube Naval, iluminando os mastros das embarcações que oscilam ao sabor manso das ondas, escondendo-se por detrás de prédios altos e que desfeiam a harmonia da linha do horizonte. No lado oposto aparecia a lua, grande, cheia, branca, a suscitar pensamentos libidinosos sobre os comportamentos humanos e a dimensão das marés.

Perto de mim, três jovens preparavam-se para uma corrida retemperadora de dias difíceis de faculdade. Para trás ficavam as estatísticas, os direitos civis, a mecânica dos fluidos ou as perspectivas cavaleiras e perfilavam-se meia dúzia de quilómetros em passo estugado, inundando as camisolas de suor, enrijando os músculos, aliviando a mente de tensões estudantis. Percebi então que um deles se arrastava penosamente numa preguiça invencível – ou talvez fosse numa incapacidade momentânea. Os colegas, sobretudo um mais afoito, incentivavam-no ao esforço: vamos embora Nelson! Se tu não te ajudares a ti próprio não poderei fazer nada por ti. Anda lá, Nelson!

Mas o Nelson, madrinha, não arredava pé do seu ritmo devagar e devagarinho, como quem acha (isto já sou eu a inventar…) que não vale a pena correr para nada nem para coisa nenhuma, que a passada atrás de um objectivo ou de uma singular rapariga loira é desprovida de bom senso. E os outros já lá estavam à frente, quase a apanhar o sol que se resguardava para uma noite de sono, feito bola amarela e perfeita. O Nelson, madrinha, quedou-se lento, talvez sonhando que se ele estivesse imóvel o paredão passasse por ele à velocidade da maratona, oferecendo-lhe a queima de calorias em versão virtual.

Sinto na ponta dos seus lábios – a mesma ponta com que aspira o chá inglês – a pergunta: o menino quer explicar-me o motivo desta história? Ensandeceu? Não riqueza da minha alma (permita-me esta intimidade afectiva) não enlouqueci, mas nem sempre consigo pôr cá fora o que me vai nas entranhas do pensamento. Às vezes até são lugares comuns, como a necessidade de cada um fazer pela vida, não ser como um qualquer nelson parado na visão de um mar sempre diferente, esperando que o excesso ponderal desapareça como por milagre, que o músculo enrijeça sem actividade alguma, que a mente expurgue as negatividades sem que façamos algo por isso.

Olhe madrinha. Hoje dou por mim a acabar textos que redijo apondo-lhes uma vírgula. Ficam como se fossem suspensos no ar, à espera de uma conclusão, de uma réplica ou de uma tréplica. Parece que cheguei a esta fase da minha vida e perdi o interesse pelo travessão (achava muito queirosiano…) ou pelo ponto de exclamação (algo prussiano e directivo). Já tendo passado a fase da interrogação com que demonstrava a minha incredulidade pelos acontecimentos diários, atenho-me na vírgula, como quem fala de interrupções ou de ignorâncias sobre como acabar. Manifeste por mim a sua compaixão antes de evidenciar a sua indignação.

À pergunta sobre quão fundo é o seu amor, estou certo de que a resposta seria ainda imenso. É com essa certeza que me despeço, beijando-lhe as faces gordas numa ternura de afilhado saudoso. Conto, da próxima vez que a visitar, com um abraço forte e gratuito, destes que nos fazem sentir homens frágeis e necessitados de afecto.

13 outubro 2008

Segunda-feira, 07.45h da manhã.



Da janela do sítio onde escrevo vejo uma manhã semi-escura ainda, com nuvens esparsas, e prenuncio coisa nenhuma, porque não sei se choverá, se fará sol, se tudo isso se intercalará. Sei apenas que nasce mais uma jornada de trabalho e de outros afazeres igualmente fastidiosos mas necessários, como se alguns dias que correm fossem um somatório de dedicações ao que é obrigatório, atirando para a frente o que é opcional e, tantas vezes, proporcionador de maior prazer.

Há dias em que tudo se passa igual, outros há em que um manancial de surpresas nos vem alegrar os fins de tarde, como se na imensidão de um glaciar silencioso pousasse, vindo do nada, uma ave canora e colorida, ainda que espantada. Ele há dias assim, quase se poderia dizer.

É bom ter uma vida organizada e planeada, como é bom olhar para a agenda e não encontrar nada – sem que nesse nada se possa inferir zero de actividade – a não ser uma sucessão de dias em que tudo pode acontecer. Há fascínio igual na constância e no seu oposto, na rotina e no seu contrário, na previsibilidade e no seu inverso.

Desejo aos meus fiéis leitores uma boa semana de trabalho, cheia de encanto por tudo aquilo que possa surgir na esquina de um telefonema, no virar de página de um livro, no vislumbre de uma cara saudosa, no resultado de uma conversa afável. Tentemos o desafio de encontrar, em cada jogo de cartas que a vida nos oferece, uma beleza muito própria.

Não sei se será a melhor interpretação, mas deixo-vos com este Vissi d’Arte com que podemos todos aspirar a ser mais altos. Façam o favor de ser felizes.

12 outubro 2008

A gestão da consciência

Hoje é Domingo, e eu não esqueço a minha condição de Católico…

Portugal empatava ontem a zero com a Suécia (presumo que fosse o segundo objectivo, nesta hierarquização de propósitos) e eu encetava uma conversa interessante com quem me fazia companhia numa noite de sábado outonal – a gestão da nossa consciência. O título da cavaqueira é meu, mas parece-me que resume, pouco mais ou menos, o que foram aquelas horas de um debate pacífico, sossegado - e esclarecedor, tanto quanto era possível.

Parece-me que há alguma tendência nos dias de hoje (e estou a fazer uma avaliação por baixo) para um excesso de individualismo. Com os meus pedidos de desculpa prévios pelos que se sentirem injustamente atingidos, estou convicto de que a generalidade das recomendações para a recuperação de infelicidades, neurastenias, depressões, tristezas profundas ou nostalgias passam por atitudes individuais de demanda da satisfação: tem de se preocupar consigo, a sua alegria é que importa verdadeiramente, olhe primeiro para si próprio. Se tudo isto funciona em determinados casos – não sou fundamentalista ao ponto de dizer que não -, noutros há em que perverte a escala de valores em que alguns de nós se revêem, e abre portas para o primeiro eu, depois os outros, esquecendo que a felicidade está, tantas vezes, no dar-se.

Quando a nossas opções conflituam com o conforto de terceiros as decisões e os impactos são mais claros, ainda que não mais fáceis. A dificuldade residirá, provavelmente quando as nossas escolhas não prejudicam ninguém, não entram em rota de colisão com quem quer que seja, não se revestem de uma roupagem que diminui a vida de quem nos rodeia. Em todas as alturas poderemos pensar que a escolha de um certo caminho vai prejudicar os interesses de A ou B, ou é intrinsecamente errada à luz de uma cultura que é transversal a quase todos, de um quadro legal em que vivemos. Talvez sigamos essa via, mas no outro prato da balança está um próximo, um outro que poderá sofrer com isso.

Mas, e com este raciocínio termino, quando as escolhas conflituam apenas com os nossos próprios princípios, quando estamos certos de que ninguém sairá prejudicado (tantas e tantas vezes antes pelo contrário), diminuído ou apoucado – a não ser a nossa consciência ou aquilo em que acreditamos – como fazemos esta gestão? Como fazemos uma escolha entre um quadro de valores de que somos herdeiros (e no qual de alguma forma acreditamos) e uma opção que não afecta directa nem indirectamente terceiros? Como vivemos com o escrúpulo e com o merecimento, com a tranquilidade do corpo e o incómodo do espírito, com o sorriso na boca e a ferida na alma?

O facto de termos um blogue dá-nos este direito invejável: publicar o que nos apetece – dentro dos limites da civilização e do respeito – sem termos de nos preocupar sobre se as nossas palavras são precisas, politicamente correctas, cientificamente provadas. Talvez termine o post de hoje em vírgula. O tempo de que disponho não é muito – e não fará mal se cada um dos leitores resistentes interpretar este texto à luz de uma realidade própria.

11 outubro 2008

11 de Outubro de 2008


Hoje, há dezanove anos, nascia a minha filha Teresa. Lembro-me como se tivesse sido ontem: parto na saudosa ou não, depende das perspectivas, Clínica de S. Miguel, uma complicação para a mãe que me pôs às voltas numa sala de espera como se fosse um leão na jaula. As coisas complicaram-se e valeu o alinhamento de vários factores - a mestria de quem sabia, a sorte, a certeza de que não era chegada a hora, a fé, a resistência da parturiente que sabia fazer muita falta.

Já lá vai muito tempo e, quando olho para a aniversariante, não posso deixar de me sentir orgulhoso pelo trabalho que foi feito por quem lhe deu os genes, os valores e os princípios, por quem lhe tentou ensinar o caminho mais certo. Passe o orgulho pateta de quem fez parte desta equipa de educadores, acho que ficou uma obra asseada.

Não me posso esquecer, no entanto, que há uma parte de todos nós que tem a ver com vontade própria, capacidade de discernimento, escolha dos caminhos, opções de vida. Por melhor que eduquemos os nossos filhos, o resultado passa sempre por uma carta fechada. A nós, pais, cabe-nos ir sempre a jogo, pagar para ver, porque é a nossa obrigação, mas porque é o nosso gosto. A Teresa está por isso de parabéns duplos: porque faz hoje anos, e porque se tornou numa rapariga tão ajuizada quanto se pode esperar, com qualidades humanas que nos envaidecem.

Uso do direito de propriedade que tenho sobre este blogue para redigir e publicar estes parágrafos de pai extremoso, orgulhoso, satisfeito e esperançado. É a minha homenagem – tão pública quanto possível – a uma das pessoas que me são imprescindíveis. É também o cumprimento de uma promessa que lhe fiz. O pudor impede-me de dizer mais e não quero que a Teresa cresça inchada de vaidade.

Hesitei no acompanhamento musical deste post. Decidi-me por este, por várias razões: pai e filha a cantar, uma música cujo título representa uma parte do sentimento que teremos sempre um pelo outro, uma toada bonita e cantada irrepreensivelmente. Last, but no the least, talvez um dia nos encontremos os dois no karaoke e eu me lembre do furor que fiz em Harare, onde fui alvo do espanto que antecede o horror. Sabe-se lá se ela não quererá cantar esta música comigo, condoída da senilidade paternal. É o meu pai, sabiam? Coitadinho...

Fica um beijo de parabéns deste pai babado, e que é extensível (o beijo, não a baba) a quem lhe deu à luz e fez também da Teresa o que ela é hoje.

10 outubro 2008

Pensamentos dos dias que correm

O ressentimento é uma das experiências humanas mais negativas. O ressentido está sentido com os outros e está sentido consigo, e remorde-se, não se perdoa nem perdoa, acha que tem todo o direito a isso. É a cegueira do ressentimento! Só um acto de humildade, e saber perder os falsos direitos a que me agarro, pode fazer-me sair dessa dor de andar magoado com a vida.

Vasco P. Magalhães, sj

09 outubro 2008

O privilégio da amizade

Corria o ano fagueiro de 1971, tinha eu 13 anos. Era Verão e eu escrevera de Borba, onde passava férias em casa de parentes e amigos, a uma singular rapariga loira, pedindo-lhe a ventura do seu namoro. A missiva teve resposta que chegou alguns dias depois. Ela dizia que não, justificando a sua recusa com este argumento, igualmente singular: tudo isso são estupidezes e criancices dos treze anos.
Digo-vos que fiquei arrasado. Já não me bastava a recusa – a primeira de muitas que se seguiram ao longo de tantos anos a virar frangos – como a justificação aduzida era demolidora. Se não era com aquela idade que gozaria a vantagem da criancice, quando seria? Em abono da verdade, diga-se que a rapariga dos meus encantos era mais nova do que eu um mês – eu não avançara ao reconhecimento amoroso com uma adulta. Enfim, talvez fosse…
É esta a recordação mais antiga da minha amizade com o JdC. Talvez estivéssemos a fumar um Português Suave sem filtro, a marca que consumi até ter deixado o vício, preocupado, não com o pulmão, mas com o desequilíbrio entre receitas e despesas. Estaríamos protegidos de visão e olfacto adultos, comentando o desaire amoroso, remexendo a carta, procurando a palavra que me faria sentir que o não era uma graça, uma chalaça, uma brincadeira. Não encontrámos, e o cigarro consumia-se à mesma velocidade que os meus interiores afectivos. E o JdC ouvia, como me ouviu tantas vezes. E talvez tenha dito qualquer coisa, como me disse tantas vezes.
A vida atirou-nos para caminhadas diversas: os vários cinemas de Lisboa, as galerias Ritz para um combinado a horas tardias, a militância política no mesmo partido, as férias, amores e desamores, serões dançantes com slows entusiasmantes, noites prolongadas à volta de uma mesa de cartas, onde a forma de jogar de cada um revelava já posturas num futuro que havia de vir, num amanhã que nem sempre cantou afinado.
A vida manteve-nos aproximados, afastou-nos fruto de circunstâncias próprias, voltou a juntar-nos mercê de uma vontade que nunca se perdeu. De cada vez que nos encontrávamos a conversa recomeçava onde tinha acabado – um dia antes, um mês, um ano. Há amizades que resistem às intempéries, que são reencetadas sem que sejam necessários exercícios de aquecimento.
Passei dois meses em Harare, onde o JdC é chefe de missão e onde exerce o seu cargo com o profissionalismo e competência que todos lhe reconhecem, fruto de um gosto próprio, de um sentido de dever inquestionável, de um olhar atento e lúcido para a realidade política que o rodeia, de uma noção de rectidão e honestidade que se destacam da mediania que nos caracteriza. A história da diplomacia se encarregará de lhe fazer justiça.
Tenho a agradecer-lhe a estadia mais do que seria razoável descrever aqui. Podia referir a disponibilidade para a informação turística e cambial, para a organização de viagens conjuntas, para a apresentação à comunidade portuguesa e diplomática, para o esforço permanente em garantir o meu conforto, o meu bem-estar, a minha tranquilidade como visitante de média / longa duração com necessidades de manutenção de uma actividade profissional.
Podia referir isso tudo – porque seria da mais elementar justiça fazê-lo. Elogiaria a face visível da nossa amizade. No entanto, por baixo deste iceberg visível a olho nu há uma faceta mais importante, mais reconfortante, mais reservada. Chama-se confiança. Derivado de alguns aspectos que não vêm ao caso, muitas vezes o nosso diálogo poderia assemelhar-se a um monólogo de quem quer despejar um saco, confessar um entusiasmo, exprimir uma frustração ou um desejo. Para todos os momentos houve um ouvido que ouviu, uma boca que falou, um cérebro que pensou, um coração que sentiu. Na solidão interior em que muitas vezes me encontrei em Harare tive sempre companhia.
Chegamos ao fim da vida e as nossas amizades vão passando pelo crivo da sabedoria, do entendimento, das semelhanças, das empatias, das partilhas. Algumas ficam pelo caminho, fruto tantas vezes de mal-entendidos, de faltas de comunicação, de desinteresse, ou porque simplesmente já cumpriram a sua função neste serviço da amizade. É reconfortante identificar as que resistem a tudo porque se vão recriando nas suas próprias dificuldades.

Adeus, até ao meu regresso…

Músicas dos tempos que correm



Quem conhece o tico-tico no fubá (parece-me que é assim que se chama) conhece o ritmo fabuloso desta música brasileira. Atentem neste video que me foi sugerido pelo meu filho, amante eclético de música.

Podemos sempre questionar o que faz o maestro, se tem alguma parte activa neste desempenho. Mas olhando para ele, acho que ele deve ter pago à orquestra para ter feito tão pouco e se ter divertido tanto.

Ponham som, gozem e dancem - com respeito pelo código do trabalho e pela boa vizinhança.

08 outubro 2008

Poemas dos dias que correm

O QUE EU QUERIA DE TI

O que eu queria de ti?
Talvez não muito mais que o que me deste…
Apenas um perfume mais agreste
um ramo de ervas bravas, que não vi

O que esperei em vão?
Quem sabe um pouco menos de certezas…
Ver-te brilhar nos olhos, indefesas
invioladas fontes de ilusão

Eu queria essa aventura de encontrar-te
Sem ter de me perder dentro de mim
por labirintos, dúvidas sem fim
Sem ter sequer, amor, de procurar-te

Tão pouco… um gesto só me encantaria!
Tão fácil… bastaria uma palavra!
Mas a terra que sou, ninguém a lavra
Sem um arado feito de magia

Guardo de ti o quase que tivemos
Esboço de um mais que teimo em alcançar
E digo adeus, por não poder ficar
Onde tudo me diz que nos perdemos

(Ana Vidal, Seda e Aço, Edições DG, 2005)

07 outubro 2008

Victoria Falls Hotel





Dormi aqui uma noite, neste hotel típicamente colonialista, onde há poucos anos a gravata era obrigatória para se jantar. Hoje exige-se o smart casual, e o gin and tonic tão tipicamente inglês terá dado lugar à coca-cola tão tipicamente americana. Ainda se vêem casais ao fim da tarde no terraço, deliciando-se com um earl grey e uns scones, perorando sobre o fim injusto do imperio britânico. A maioria dos visitantes são americanos ou sul-africanos,que voam directamente dos seus pontos de origem para Victoria Falls, não passando por Harare porque supõem que o clima politico é mau, a guerra civil começa já a seguir ao telejornal, há escassez de tudo excepto de violência. Santa ignorância...

Bushman Rock





Estive aqui, nesta quinta nos arrabaldes de Harare, para mais um wine tasting, desta vez vinhos novos do Zimbabué que serão engarrafados lá para Março.

Os donos, com um nome fora do vulgar - Passaportis - tinham ficado sem a casa de Harare, porque o Camarada Mugabe achara graça ao imóvel e entendera ficar com ele. Compraram esta quinta a um italiano e tiveram de aguentar a pressão de parte da gente local, na altura da onda de ocupações e expulsões das terras. Aguentaram firme, e a farm, como dizem os nossos compatriotas que por lá vivem, cresce em desenvolvimento e beleza.


No decorrer da visita fomos à adega. A um canto, fruto da herança que ficou com a compra, garrafões de 5 litro de vinho, alguns ainda em vime. Que marca se evidenciava no rótulo? Lagoa!
Vamos em frente, Algarve!


Nota: não há engano na última fotografia. Sou eu, na realidade, a acariciar a população local, neste caso a Rebecca, girafa solteira que por ali anda, aguardando ansiosamente um parceiro para corridas e conversas sobre assuntos africanos. Está manchadita - deve ser do fígado...

As cataratas de Victoria





Chamam-lhes carinhosamente Vic Falls, e foram descobertas em 1955 por David Livingstone, um missionário escocês. Com uma altura de cerca de 100 metros, situam-se no Rio Zambeze, na fronteira da Zâmbia com o Zimbabué.

Não as conheci na máxima pujança, porque ainda não chegou a época das chuvas. Mas o que vi, numa manhã (muito cedo) límpida e transparente, seca e quente, foi suficiente para me impressionar, e para imaginar o espanto do missionário quando as observou pela primeira vez.

Em visitando o Zimbabué, as cataratas são de visita obrigatória, havendo que vencer - a manter-se o estado das coisas - as dificuldades inerentes a um país em que nada funciona, a inflação é desenfreada, a energia não chega, os voos internos são cobertos por uma neblina de incerteza. Diga-se no entanto, em abono da verdade, que a própria cidade de Victoria Falls está totalmente voltada para o turismo - actividade pujante, provavelmente sem grandes crises. Os hotéis, as agências de viagem - que proporcionam cruzeiros de barco ao por-do-sol, rafting, bungee jumping, passeios de elefante, visitas aéreas de helicóptero, convívio próximo com os leões -, estão preparados e dão resposta a contento.

Já está o aperitivo criado, só falta partir.

Pôr-do-Sol no Rio Zambeze







Quem o conhece sabe que não minto: o pôr-do-sol em África é das manifestações mais bonitas da natureza. Teria que ser muito bom fotógrafo com uma câmara muito boa para poder comprovar o que digo. Acreditem! E se têm dúvidas metam-se num avião e vejam com os vossos olhos.

06 outubro 2008

Arrumar a casa

Meu querido amigo,

Começo esta carta por uma interrogação. Quem a compõe na realidade? Sou eu que a redijo para ti, és tu que o fazes para mim, ou escrevo-a para mim próprio? Talvez haja aqui uma dimensão de irrelevância, pois o importante é que o tema – entre tantos outros – seja mencionado, conversado, questionado, interiorizado tanto quanto possível. É provável que seja totalmente insignificante saber-se quem é emissor e receptor. Atente-se na mensagem que tudo o resto é acessório, como uma folha de alface velha que adorna um requinte de gastronomia.
Há alguns meses – lembras-te? – jantámos em casa de amigos comuns que partilham connosco visões semelhantes da vida, princípios e opções basicamente iguais. Havia, à volta daquela mesa, um menor múltiplo comum que nos unia a todos: a família e a ética, os valores morais, a honestidade que não se negoceia, a preocupação pela geração vindoura.
A dada altura falámos, no domínio das hipóteses académicas, sobre o que faríamos se o ar que respiramos nos fugisse das mãos no prazo de seis meses, deixando-nos, no entanto, a saúde e o dinheiro para gozarmos esse período.
Estarás recordado que de início muitos de nós mencionaram o prazer, as viagens, o aforrar de divertimento para futuros nenhuns. Depois, pouco a pouco, como se a nossa condição de crentes falasse mais alto, este gozo tão desmedido quanto possível foi dando lugar a uma preocupação mais espiritual de preparação para a eternidade em que todos, cada um à sua maneira, acreditam. Talvez resumisse a minha posição, face à eventualidade de viver apenas seis meses, numa frase que me disse pessoa que estimo muito, ainda que nesta definição caibam interpretações múltiplas:
tentava deixar a casa arrumada.
Gosto da ideia porque ela encerra, em meia dúzia de palavras, uma posição muito abrangente. Na realidade, o que é
arrumar a casa? É deixar o futuro dos filhos garantido? Precaver a inexistência de dívidas? Gizar investimentos de médio / longo prazo com o rendimento mais favorável? Beneficiar os que cá ficam com um recuerdo da nossa passagem por esta terra?
Arrumar a casa é, seguramente, tudo isso. Mas, atrevo-me a dizê-lo, é também regularizar a nossa relação com os que nos rodeiam, não deixar uma lista longa de créditos mal parados nas relações sociais e familiares, sentir que partimos ao cair do último dia do último mês e que de volta do nosso corpo inerte se juntam todos os que connosco se cruzaram: os que nos amaram e os que nos odiaram, aqueles para quem fomos um vestígio de indiferença militante ou uma lufada de amizade sempre fresca, aqueles que remetemos para um olvido tingido de desprezo ou que privilegiámos com o calor do nosso abraço.
É a segunda vez que face ao teu repto da luta e da não desistência, da resignação e do combate, te contraponho a palavra paz.
Conheço-te o suficiente para estar certo de que nada de muito substantivo nos separa, nada de relevante se interpõe entre os nossos pensamentos, atirando-nos para uma disputa longa – ainda que amigável.
Talvez a nossa verdadeira luta, aquela a que não nos devemos resignar, de que não devemos abdicar seja, realmente, a da
arrumação da nossa casa: ir fechando as gavetas das incompatibilidades, das caras que se voltam para não verem, das ruas que se atravessam num repente de disfarce, no ódio que nos consome as entranhas, nas raivas que sempre nos azedam, nas faltas de paciência que diminuem o próximo, na mágoa que sentimos por quem julgamos ter-nos prejudicado, esquecendo, tantas vezes, que talvez estejamos na génese de tudo.
Já pensaste no desafio que seria se todos nós tivéssemos a possibilidade – nem que fosse uma única vez na vida – de sermos confrontados com os últimos seis meses da nossa existência e não com uma esperança de vida estatística que nos permite ir adiando o
arrumar da casa? Numa visão simplista das coisas, talvez este desafio pudesse ser o mais importante de todos, porque aferiria a qualidade da última refeição a que todos têm direito: não os condenados à morte por males infligidos, mas os sentenciados à vida pujante, completa, intensa e verdadeira. Toma lá seis meses. O que vais fazer com eles?
Termino, porque já vou longo e demorado. Obrigado, meu querido amigo, por me teres lido. Ou será obrigado por me teres escrito? Olha… obrigado, sei lá eu.

04 outubro 2008

ABC da contagem decrescente – zero dias, chego hoje a Portugal

Zimbabué – Este extraordinário país foi a minha casa durante praticamente dois meses, abriu-me a porta de uma África que eu só conhecia dos livros, da televisão, dos jornais, das opiniões alheias. Quando decidi vir, muitos acharam ser uma doidice, considerando o clima político que aqui se vivia. Em boa hora vim – se houve violência, não a senti; falta tudo e, embora nunca a tenha sentido verdadeiramente, foi uma boa aprendizagem humana; por outro lado, é interessante ver o pouco que se fala do Zimbabué nos noticiários portugueses e, quando é referido, o desconhecimento evidenciado.

Falar do Zimbabué é repetir, letra a letra, o ABC da contagem decrescente e a esmagadora maioria dos posts que foram publicados desde que aqui cheguei. De facto, viver dois meses num país estrangeiro não é ter a visão pura e simples do turismo. Instalamo-nos, vivemos os ritmos locais, convivemos com quem é de cá, estabelecemos relações de amizade que perdurarão para além do regresso a casa, conhecemos as vidas de quem nos rodeia. Tudo isto, para quem gosta de escrever, de inventar histórias, de romancear a vida alheia é um manancial de informação, de personagens e de acontecimentos que eu tentei redigir em crónicas que entretivessem. Muito do que escrevi é verdade, muito tem a pincelada criativa de quem ortografa a história. Cabe aos meus leitores curiosos descobrir o que é realidade e ficção.
Fui um privilegiado, não só porque consegui atingir os verdadeiros objectivos que me trouxeram a esta parte de África, como algumas das minhas expectativas foram ultrapassadas. Fruto da minha estadia na Embaixada tive a oportunidade de conhecer parte do mundo diplomático, assim como parte, também, de tudo que o rodeia - convívio, conversas políticas, actividades sociais, conhecimentos, etc. Mas conheci, como já referi, o verdadeiro mundo local - pessoas, anseios, disponibilidades, sonhos, frustrações, realidades.

Saio de cá, passe a expressão, de papo cheio. Saio com a vontade imensa de regressar, desdenhando a convicção de que não devemos voltar aos sítios onde fomos felizes. Saio ainda com a enorme presunção de que haveria quem gostasse de me rever. Razões várias impedir-me-ão de tornar tão cedo como gostaria, mas o futuro a Deus pertence. Para os que cá ficam – e que me deram o gosto da sua amizade – deixo a frase com que tantas vezes me despedi:

Adeus, até ao meu regresso…

03 outubro 2008

Sobre o futuro deste blogue

O Adeus, até ao meu regresso… é virtualmente gémeo da minha ideia de emigrar para o Zimbabué por dois meses. Na realidade, devem ter nascido ambos com poucos minutos de diferença. O blogue permitia que com uma cajadada só eliminasse dois coelhos: o gosto pela escrita e a manutenção do contacto com a minha rede social e familiar, partilhando o que por cá andava a fazer. Independentemente de todas as interpretações, o nome do blogue tinha a ver, essencialmente, com isto: uma viagem e um regresso. Muitas vezes, um cão não é mais do que um cão, embora haja quem veja no canídeo um guarda, um amigo, um companheiro de caça.

Ao longo dos últimos três meses investi parte substantiva do meu tempo na alimentação deste negócio. Fi-lo com o gosto da partilha, por disciplina, por puro divertimento da escrita inventiva. A dada altura desisti de procurar imagens na Internet para ilustrar textos porque a rede é lenta e o processo penosamente demorado. Pelos mesmos motivos publiquei poucas fotografias minhas, porque o método para o fazer demorava o tempo de um jantar vagaroso.

Por mais que goste de escrever e compartir algumas coisas com a gente que me lê, o facto é que não quero ser escravo do blogue (ainda que na base do voluntariado), e não pretendo manter um espaço vazio e com o dinamismo de um caracol, precocemente ocupado pelas teias de aranha e pelo vazio de conteúdos. Na realidade, não quero ter de criar disponibilidade para aguentar esta embarcação, e não tenho feitio para a deixar ao semi-abandono. Preferiria pô-la de vez no estaleiro, inventando-lhe uma prece de barco de sequeiro.

Por outro lado, não me apetece desabrigar esta criança que é minha, que me diverte, que me entretém, que não tem quaisquer pretensões a não ser revelar, também, o que me vai na alma. Todos temos dentro de nós (para aqueles mais antigos que se lembram deste livro) um joão que chora e um joão que ri. Os meus queridos e fiéis leitores conheceram ambos ao longo destes 90 dias.

Decidi enveredar, por isso, por uma solução mista, tipo zona / homem a homem. Desafiei alguns amigos para me presentearem com a sua colaboração no blogue, numa base tão regular quanto possível (eventualmente semanal). São pessoas que gostam de escrever, que têm algo a dizer ao próximo – ou a si mesmos, como aconteceu tantas vezes comigo – e não têm local próprio para o fazer. Muito mais do que o espaço que lhes cedo, estes amigos oferecem-me a sua criatividade, as suas ideias, a sua visão do que quer que seja – o seu eu.

Gostava muito que este blogue, que poderá mudar de nome num futuro próximo, fosse um espaço aberto. Talvez a maioria dos bloguistas diga o mesmo, mas, neste caso, pode ser uma condição necessária – ainda que não suficiente – para a subsistência deste. Desejava que alguns dos meus amigos que por aqui passam deixassem uma fotografia, escrevessem um texto, revelassem um poema, divulgassem uma acção de solidariedade social.

Se tudo correr como previsto na minha mente, começaremos esta segunda fase por alturas da 2ª quinzena de Outubro. Até lá povoarei este espaço com o que o engenho e a arte me permitirem.

Vão aparecendo – e tragam um farnel…

02 outubro 2008

Informação de superior importância

Queridos leitores,

Escrevo-vos perante a estupefacção de algumas pessoas (o pudor impede-me de referir o número) que se confrontarem com um blogue imutável durante dois dias. De facto, o problema do mundo é a comunicação. Se nalguns casos é a verbal ou a não verbal, neste caso vertente é a internática e / ou telefónica. 2ªfeira passada o mundo esteve isolado de parte importante de Harare. Foi, por isso, totalmente impossível actualizar o Adeus...

Poderia tê-lo feito no dia seguinte, dado que, no critério de importância de que se revestem os meus dias, o blogue está acima de (quase) tudo. O que acontece, fiéis amigos (a expressão não é muito feliz - é como se vos chamasse bacalhaus) é que me dediquei, na 3ª e 4ª feiras, a actividades de somenos importância - fui viajar. Aonde?, perguntarão os curiosos. A Victoria Falls, pois então.

Gostaria de ilustrar a minha crónica de viagem com fotografias de rara beleza tiradas por um aprendiz cego de fotógrafo. O facto é que a rede internética continua rota nalguns locais, impedindo-me de o fazer tão brevemente quanto possível. No entanto, quem tiver boa memória, recordar-se-á, seguramente, das fotografias com que ilustrava a contagem decrescente, ainda em Portugal.

O cenário é magnífico, deslumbrante mesmo. Há quem diga que é uma cachoeirazinha, devido ao facto do período das chuvas ainda não ter começado e o caudal de água ser diminuto. Para quem, como eu, se confronta pela primeira vez com uma queda de água desta natureza (100 metros, pouco mais ou menos) tudo é fantástico. Imagino a cara do Dr. Livingstone (o tal que deu fama à expressão I presume...) quando as descobriu há mais de 150 anos.

Fazia parte da minha actividade turística em Victoria Falls um jantar no Boma, onde nos seriam servidos petiscos como javali, kudu, vermes, cerveja (intragável) bebida pela comunidade local por falta de dinheiro para mais, danças guerreiras locais, etc. Um programa totalmente turístico. Posso dizer-vos que confraternizei com uma inglesa, duas americanas e dois americanos gays, com quem travei o seguinte diálogo inicial que marcou o resto da janta:

- Hello, I'm João, and I'm portuguese.
- Uau! That's great (gosto muito da palavra awesome, que é sinónimo)! But from Spain or from Brasil?

(Silêncio revoltante, revoltado, enojado perante a incultura e ignorância de quem pretende governar o mundo e que desconhece que a homosexualidade é punível neste país).

- And where are you from?
- The States.
- Uau, that's great (continuo a preferir a palavra awesome)! But from Canada ou from Mexico?

Os jovens acharam graça, e o que me parecia ser o lider da equipa quis chapar comigo, o que fiz sem qualquer reserva mental.

Mais tarde voltei-me para uma das americanas que estava junto a mim (filha de uma espanhola e de um finlandês) e indaguei:

- Are these two gentleman (repare-se na fineza do tratamento) travelling with you?

Ela recuou vinte centímetros - mantendo, ainda assim, uma proximidade interessante - e disse:

- My God, no! They're gay...

Voltarei assim que possível, com fotografias tristes a ilustrarem uma crónica deprimente.

01 outubro 2008

ABC da contagem decrescente - faltam 4 dias

Saudades que já tenho – dos meus filhos, da restante família, dos amigos, dos passeios no paredão, das rotinas caseiras, dos meus livros, do Outono, dos locais da minha espiritualidade, de comprar livros, de cozinhar, do antigo canal Mezzo, de guiar, do Monte Estoril, de tudo aquilo que me empolga ou me sossega e faz parte do meu íntimo, do mar, da humidade, do que me é familiar e agradável, da simples possibilidade de consumismo, do retomar de conversas com pessoas que me são privilegiadas.

Saudades que vou ter – dos amigos que cá fiz, dos conhecimentos, do contacto com a gente local, da minha ausência total e completa do racismo, da música africana, da simplicidade, da afabilidade, das acácias, dos jacarandás floridos, das ruas largas, do mato, das fardas das crianças da escola, do wine tasting, do tratamento por João, do game viewing, do verde, do despojamento, da habituação à falta de bens essenciais, do bule com flores e borboletas que me servia o chá duas vezes por dia. Terei saudades, ainda, da forma como fui recebido pelo JdC: muito para além dos luxos e das mordomias, o revisitar de uma amizade com décadas que resistiu bem à erosão do tempo.

Sentimentos – em dois meses passei por tudo, fruto do que sou e da minha circunstância: solidão, satisfação, exaltação, tristeza, entusiasmo, necessidade de companhia e de isolamento. Feita a contabilidade do que aqui referi e do que não mencionei, considero-me um privilegiado por ter conseguido, entre outras coisas, que as saliências e reentrâncias da minha vida se fossem encaixando mansamente.

Sílvia – uma rapariga brasileira, alta, bonita, que veio para Harare há mais de um ano e que passou os últimos três meses a passear sozinha por esta zona do Mundo: Malawi, Botswana, Zâmbia, Namíbia, África do Sul, Moçambique, Tanzânia…

Tengenenge – o local do Zimbabué onde tive o primeiro contacto intenso com a cultura shona de esculpir a pedra, e onde comprei a minha primeira obra de arte.

Tribo – conjunto de famílias que provém de um tronco comum, sob a autoridade de um chefe.

Tsvangirai – o futuro hipotético primeiro-ministro, líder da oposição e vencedor da primeira volta das eleições. Sobre ele recai uma tarefa de magna importância – restituir a dignidade a este país, recolocá-lo nos caminhos do desenvolvimento e do respeito humano, consolidar o conceito de democracia num estado tribal e rural, onde a noção de bem comum é muito particular.

Um blogue? – Desde Julho que mantenho a disciplina e o gosto de alimentar o Adeus até ao meu regresso. Criei-o com a ajuda preciosa da Ana V., que me ensinou os primeiros passos. Com o meu espírito matemático – mesmo sabendo que a estatística é uma ciência que se manipula – sei que tive em média 1.000 visitas por mês, o que equivale a trinta por dia, pouco mais ou menos. Estou muito agradecido àqueles que o frequentaram pela distracção, pela amizade, pela curiosidade. Qual o futuro dele? Será revelado em tempo útil e próximo. Mas vou andar por aí…

Vitória – Todos nós enfrentamos conflitos na nossa actividade profissional, social, familiar. A vida (ou o caminho que me foi oferecido) foi-me ensinando a necessidade da procura da paz, mais do que da evidência da razão. Em carta escrita a um amigo partilhava este sentimento: a paz de que te falo não é rendição. Aquele que hoje se rende numa batalha que trava vence outra amanhã e não faz prisioneiros – elimina-os. Procurar a paz é pretender a justiça, o equilíbrio entre as partes, a magnanimidade genuína – porque a dignidade se vê, tantas e tantas vezes, nos olhos de quem derrota. Em linguagem de cartas, digo-te, prefiro mil vezes um mau perder a um mau ganhar.

Xatear (dá-me jeito esta grafia) – o que me xateou no Zimbabué: a lentidão exasperante da Internet; as quebras constantes de energia e o ruído decorrente do gerador; o facto de se ter extraviado a minha mala à chegada e a forte probabilidade de acontecer o mesmo no regresso a casa (de reconhecer, no entanto, que o problema deverá estar no aeroporto de Joanesburgo).

Yes – P: Did you like it here? R: Yes! P: Would you like to come back? R: Yes. P: When? R: Yes.

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