Saudades que já tenho – dos meus filhos, da restante família, dos amigos, dos passeios no paredão, das rotinas caseiras, dos meus livros, do Outono, dos locais da minha espiritualidade, de comprar livros, de cozinhar, do antigo canal Mezzo, de guiar, do Monte Estoril, de tudo aquilo que me empolga ou me sossega e faz parte do meu íntimo, do mar, da humidade, do que me é familiar e agradável, da simples possibilidade de consumismo, do retomar de conversas com pessoas que me são privilegiadas.
Saudades que vou ter – dos amigos que cá fiz, dos conhecimentos, do contacto com a gente local, da minha ausência total e completa do racismo, da música africana, da simplicidade, da afabilidade, das acácias, dos jacarandás floridos, das ruas largas, do mato, das fardas das crianças da escola, do wine tasting, do tratamento por João, do game viewing, do verde, do despojamento, da habituação à falta de bens essenciais, do bule com flores e borboletas que me servia o chá duas vezes por dia. Terei saudades, ainda, da forma como fui recebido pelo JdC: muito para além dos luxos e das mordomias, o revisitar de uma amizade com décadas que resistiu bem à erosão do tempo.
Sentimentos – em dois meses passei por tudo, fruto do que sou e da minha circunstância: solidão, satisfação, exaltação, tristeza, entusiasmo, necessidade de companhia e de isolamento. Feita a contabilidade do que aqui referi e do que não mencionei, considero-me um privilegiado por ter conseguido, entre outras coisas, que as saliências e reentrâncias da minha vida se fossem encaixando mansamente.
Sílvia – uma rapariga brasileira, alta, bonita, que veio para Harare há mais de um ano e que passou os últimos três meses a passear sozinha por esta zona do Mundo: Malawi, Botswana, Zâmbia, Namíbia, África do Sul, Moçambique, Tanzânia…
Tengenenge – o local do Zimbabué onde tive o primeiro contacto intenso com a cultura shona de esculpir a pedra, e onde comprei a minha primeira obra de arte.
Tribo – conjunto de famílias que provém de um tronco comum, sob a autoridade de um chefe.
Tsvangirai – o futuro hipotético primeiro-ministro, líder da oposição e vencedor da primeira volta das eleições. Sobre ele recai uma tarefa de magna importância – restituir a dignidade a este país, recolocá-lo nos caminhos do desenvolvimento e do respeito humano, consolidar o conceito de democracia num estado tribal e rural, onde a noção de bem comum é muito particular.
Um blogue? – Desde Julho que mantenho a disciplina e o gosto de alimentar o Adeus até ao meu regresso. Criei-o com a ajuda preciosa da Ana V., que me ensinou os primeiros passos. Com o meu espírito matemático – mesmo sabendo que a estatística é uma ciência que se manipula – sei que tive em média 1.000 visitas por mês, o que equivale a trinta por dia, pouco mais ou menos. Estou muito agradecido àqueles que o frequentaram pela distracção, pela amizade, pela curiosidade. Qual o futuro dele? Será revelado em tempo útil e próximo. Mas vou andar por aí…
Vitória – Todos nós enfrentamos conflitos na nossa actividade profissional, social, familiar. A vida (ou o caminho que me foi oferecido) foi-me ensinando a necessidade da procura da paz, mais do que da evidência da razão. Em carta escrita a um amigo partilhava este sentimento: a paz de que te falo não é rendição. Aquele que hoje se rende numa batalha que trava vence outra amanhã e não faz prisioneiros – elimina-os. Procurar a paz é pretender a justiça, o equilíbrio entre as partes, a magnanimidade genuína – porque a dignidade se vê, tantas e tantas vezes, nos olhos de quem derrota. Em linguagem de cartas, digo-te, prefiro mil vezes um mau perder a um mau ganhar.
Xatear (dá-me jeito esta grafia) – o que me xateou no Zimbabué: a lentidão exasperante da Internet; as quebras constantes de energia e o ruído decorrente do gerador; o facto de se ter extraviado a minha mala à chegada e a forte probabilidade de acontecer o mesmo no regresso a casa (de reconhecer, no entanto, que o problema deverá estar no aeroporto de Joanesburgo).
Yes – P: Did you like it here? R: Yes! P: Would you like to come back? R: Yes. P: When? R: Yes.