Hoje é Domingo, e eu não esqueço a minha condição de católico.
Numa das cartas a um anjo escrevi um pensamento simples: sabes, cada vez mais tenho a certeza de que não invento nada, não crio nada, não deslindo nada. Uso as palavras que outros inventaram, tenho as sensações que outros já definiram. E, no entanto, sinto muitas coisas como se fosse o pioneiro delas no mundo.
Ao longo dos últimos dez anos meditei e escrevi, com ligeireza e obscuridade, sobre a morte, o silêncio, o tempo, o despojamento. Nenhum destes temas nasceu voluntariamente dentro de mim, como se me deitasse a filosofar pretensiosamente sobre os destinos do mundo. Não obstante a minha possível responsabilidade, todos eles me invadiram pelos piores motivos, sem eu pedir, desejar, ou estar à espera, pelo que só me restava dar-lhes uso. Também escrevi, quiçá ad nauseam, sobre a importância da espiritualidade na manutenção de um esqueleto que ameaçou, aqui e ali, desengonçar-se sem regresso.
Por razões várias, a minha vida do dia-a-dia tornou-se imensamente simples, e eu habituei-me a apreciar esta frugalidade. Trabalhando sozinho a maior parte do tempo, aprendi a gozar o valor do silêncio e a dar razão à sabedoria popular: se temos dois ouvidos e uma boca por alguma razão é; estando arredado, para já, de qualquer carreira profissional, descortino benefícios na não necessidade de arriscar uma qualidade de vida pelo gozo (saudável, seguramente) de uma promoção; tendo reajustado a minha lista de amizades militantes, percebo que já não preciso de um sem-fim de nomes anónimos que pouco acrescentam à minha existência. Na mesma linha de raciocínio vêm o dinheiro, o exercício do poder, a manutenção de uma imagem, etc.
De há dez anos para cá a minha vida tem vindo a mudar abruptamente. Dentro de mim convivem a fé, uma mudança na forma de pensar e de agir ou, na opinião de alguns, um retorno a um eu genuíno que viveu submerso por motivos vários. Quem sou eu, na realidade? O homem velho que sempre existiu, ou o homem novo que nasceu fruto das circunstâncias? Sinto prazer neste modelo de singeleza porque me é inato, sou um felizardo que dá em estimar o (aparente) pouco que vai recebendo, ou sou apenas um preguiçoso que desistiu de se fazer à vida?
Perguntarão os meus poucos e fiéis leitores sobre a relação destes pensamentos com o evangelho abaixo. Duas justificações: uma, a de que todos temos direito ao devaneio e, por maioria de razão eu, editor e dono do estabelecimento; a segunda, porque o texto de S. Mateus fala, ainda que por parábolas, do cultivo da terra que, como se sabe, tem um tempo, um vagar e um olhar ao longe, que são incompatíveis com a correria da vida moderna que pode trucidar a simplicidade que cada um de nós almeja.
Que eu saiba ser um boa terra onde a palavra de Deus é acolhida e frutifica. Bom Domingo para todos.
JdB
Ao longo dos últimos dez anos meditei e escrevi, com ligeireza e obscuridade, sobre a morte, o silêncio, o tempo, o despojamento. Nenhum destes temas nasceu voluntariamente dentro de mim, como se me deitasse a filosofar pretensiosamente sobre os destinos do mundo. Não obstante a minha possível responsabilidade, todos eles me invadiram pelos piores motivos, sem eu pedir, desejar, ou estar à espera, pelo que só me restava dar-lhes uso. Também escrevi, quiçá ad nauseam, sobre a importância da espiritualidade na manutenção de um esqueleto que ameaçou, aqui e ali, desengonçar-se sem regresso.
Por razões várias, a minha vida do dia-a-dia tornou-se imensamente simples, e eu habituei-me a apreciar esta frugalidade. Trabalhando sozinho a maior parte do tempo, aprendi a gozar o valor do silêncio e a dar razão à sabedoria popular: se temos dois ouvidos e uma boca por alguma razão é; estando arredado, para já, de qualquer carreira profissional, descortino benefícios na não necessidade de arriscar uma qualidade de vida pelo gozo (saudável, seguramente) de uma promoção; tendo reajustado a minha lista de amizades militantes, percebo que já não preciso de um sem-fim de nomes anónimos que pouco acrescentam à minha existência. Na mesma linha de raciocínio vêm o dinheiro, o exercício do poder, a manutenção de uma imagem, etc.
De há dez anos para cá a minha vida tem vindo a mudar abruptamente. Dentro de mim convivem a fé, uma mudança na forma de pensar e de agir ou, na opinião de alguns, um retorno a um eu genuíno que viveu submerso por motivos vários. Quem sou eu, na realidade? O homem velho que sempre existiu, ou o homem novo que nasceu fruto das circunstâncias? Sinto prazer neste modelo de singeleza porque me é inato, sou um felizardo que dá em estimar o (aparente) pouco que vai recebendo, ou sou apenas um preguiçoso que desistiu de se fazer à vida?
Perguntarão os meus poucos e fiéis leitores sobre a relação destes pensamentos com o evangelho abaixo. Duas justificações: uma, a de que todos temos direito ao devaneio e, por maioria de razão eu, editor e dono do estabelecimento; a segunda, porque o texto de S. Mateus fala, ainda que por parábolas, do cultivo da terra que, como se sabe, tem um tempo, um vagar e um olhar ao longe, que são incompatíveis com a correria da vida moderna que pode trucidar a simplicidade que cada um de nós almeja.
Que eu saiba ser um boa terra onde a palavra de Deus é acolhida e frutifica. Bom Domingo para todos.
JdB
EVANGELHO – Mt 13,1-23
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
Naquele dia,
Jesus saiu de casa e foi sentar-Se à beira-mar.
Reuniu-se à sua volta tão grande multidão
que teve de subir para um barco e sentar-Se,
enquanto a multidão ficava na margem.
Disse muitas coisas em parábolas, nestes termos:
“Saiu o semeador a semear.
Quando semeava,
caíram algumas sementes ao longo do caminho:
vieram as aves e comeram-nas.
Outras caíram em sítios pedregosos,
onde não havia muita terra,
e logo nasceram porque a terra era pouco profunda;
mas depois de nascer o sol, queimaram-se e secaram,
por não terem raiz.
Outras caíram entre espinhos
e os espinhos cresceram e afogaram-nas.
Outras caíram em boa terra e deram fruto:
umas, cem; outras, sessenta; outras, trinta por um.
Quem tem ouvidos, oiça”.
Os discípulos aproximaram-se de Jesus e disseram-Lhe:
“Porque lhes falas em parábolas?”
Jesus respondeu-lhes:
“Porque a vós é dado conhecer os mistérios do reino dos Céus,
mas a eles não.
Pois àquele que tem dar-se-á e terá em abundância;
mas àquele que não tem, até o pouco que tem lhe será tirado.
É por isso que lhes falo em parábolas,
porque vêem sem ver e ouvem sem ouvir nem entender.
Neles se cumpre a profecia de Isaías que diz:
‘Ouvindo ouvireis, mas sem compreender;
olhando olhareis, mas não vereis.
Porque o coração deste povo tornou-se duro:
endureceram os seus ouvidos e fecharam os seus olhos,
para não acontecer
que, vendo com os olhos e ouvindo com os ouvidos
e compreendendo com o coração,
se convertam e Eu os cure’.
Quanto a vós, felizes os vossos olhos porque vêem
e os vossos ouvidos porque ouvem!
Em verdade vos digo: muitos profetas e justos
desejaram ver o que vós vedes e não viram
e ouvir o que vós ouvis e não ouviram.
Vós, portanto, escutai o que significa a parábola do semeador:
Quando um homem ouve a palavra do reino
e não a compreende,
vem o Maligno e arrebata o que foi semeado no seu coração.
Este é o que recebeu a semente ao longo do caminho.
Aquele que recebeu a semente em sítios pedregosos
é o que ouve a palavra e a acolhe de momento,
mas não tem raiz em si mesmo, porque é inconstante,
e, ao chegar a tribulação ou a perseguição por causa da palavra,
sucumbe logo.
Aquele que recebeu a semente entre espinhos
é o que ouve a palavra,
mas os cuidados deste mundo e a sedução da riqueza
sufocam a palavra, que assim não dá fruto.
E aquele que recebeu a palavra em boa terra
é o que ouve a palavra e a compreende.
Esse dá fruto,
produz ora cem, ora sessenta, ora trinta por um”.
3 comentários:
Bom dia JdB. Sempre suave e chamador.
Ao contrário de si eu aproveito todos os que se cruzam comigo. Sabem sempre coisas que eu não sei, fazem coisas que nunca fiz e, até num olhar de um segundo, copio uma laçada dum lenço que lhe assenta tão bem. Não decoro os nomes, não decoro as vidas, mas aprendo e agradeço.
Todas as sementes podem dar fruto. Até nas escarpas rochosas há vida, pode ser mais frágil, mas enquanto dura, é vida.
Saber escolher e dar valor ao tempo são os grandes desafios da maturidade. Desejo-lhe o melhor requinte na escolha.
Beijinhos
Ai João, entendo-o tão bem, tão bem, que até assusta a semelhança.
Bj e tenha uma boa vida.
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