05 maio 2013

6º Domingo do Tempo Pascal

Hoje é Domingo, e eu não esqueço a minha condição de católico

Como será, para um adulto, a experiência de um processo de conversão - ou apenas de aproximação à Igreja? Imaginemos o seguinte: tenho 50 anos, uma fé existente mas adormecida, uma ausência completa de vida religiosa, porque foi assim que fui educado. Imaginemos ainda que, por um motivo qualquer, decido aproximar-me da Igreja Católica - ensinamentos, doutrina, história, rituais, bíblia. A decisão é pensada, amadurecida, não é fruto de uma experiência limite, da proximidade com o sofrimento próprio ou alheio, da visão da morte, de uma experiência mística, de uma necessidade imperiosa de encontrar um sentido para a vida. Há uma serenidade na decisão.

Saio do exemplo e olho para o meu percurso, igual ao da esmagadora maioria do meu círculo de amigos. Provavelmente as etapas seriam mais ou menos estas: educação, prática obrigada, discernimento. Segue-se então o abandono ou o aprofundamento, ou ainda a coexistência pacífica e mais ou menos superficial. Nalguns casos, ficar ou sair é a consequência de um episódio marcante que nos força a uma decisão interior. Muitos de nós passaram anos infindos a ouvir as escrituras, a prestar atenção às interpretações, a frequentar retiros ou grupos dentro da igreja, a ler e a pensar sobre as coisas, a educar os filhos na fé. Muitos de nós discerniram o que era o Amor de Deus, tantas e tantas vezes fruto de acasos da vida; muitos de nós zangaram-se com a igreja, saíram discordantes das regras, das práticas, dos exemplos. Houve um caminho feito de um misto de sensações, de emoções, de raciocínios. 

Chegar à igreja na fase adulta é mais difícil? De todo, a história está cheia de exemplos e não há, em mim, um grão de dúvida sobre a possibilidade desse acontecimento, até porque duvidar disso seria um forte atentado ao meu senso mais comum. A mim move-me a curiosidade sobre o processo, não a eficácia do processo. Penso na infinita compaixão de Deus, no poder da oração (e na frase de Kirkgaard que apanhei quando escrevo este texto: a oração não muda Deus, mas muda quem reza), na parábola do filho pródigo ou no episódio do bom ladrão, na intercessão de Nossa Senhora, no amor a uma igreja humana e falível. Tudo isto são emoções ou são decisões? Ou a pergunta é disparatada?

Bom Domingo para todos, em particular para aqueles que um dia quiserem fazer este caminho, porque o caminho é bom.             

JdB

***

EVANGELHO – Jo 14,23-29

Naquele tempo,
disse Jesus aos seus discípulos:
«Quem Me ama guardará a minha palavra e meu Pai o amará;
Nós viremos a ele
e faremos nele a nossa morada.
Quem Me não ama não guarda a minha palavra. Ora a palavra que ouvis não é minha,
mas do Pai que Me enviou.
Disse-vos estas coisas, estando ainda convosco. Mas o Paráclito, o Espírito Santo,
que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas
e vos recordará tudo o que Eu vos disse. Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz. Não vo-la dou como a dá o mundo.
Não se perturbe nem se intimide o vosso coração. Ouvistes o que Eu vos disse:
Vou partir, mas voltarei para junto de vós.
Se Me amásseis,
ficaríeis contentes por Eu ir para o Pai, porque o Pai é maior do que Eu.
Disse-vo-lo agora, antes de acontecer,
para que, quando acontecer, acrediteis».

5 comentários:

Anónimo disse...

Que bom, um post à la "adro dos gentios", ideia sabiamente retomada pelo sábio, inteligente Ratzinger. Mesmo que o post seja movido a curiosidade, é bom na mesma.

Caro JdB, não sei quem é mas a seriedade com que parece encarar a vida, patente no que escreve, é uma coisa quase palpável. E o mundo precisa de seriedade como de pão para a boca, por isso, já só por isso, os meus mais sinceros parabéns.

Quanto à pergunta concretamente, e porque já estive no "adro" e resolvi, serenamente, não dar nem mais um passo em frente nessa direcção, encontrei algures este pérola. Veja se gosta, se calhar estamos a falar do mesmo, caso em que esta ou aquela religião ou filosofia só servirão para nos separar, não é assim?

«Truth is a science. Its details must be rationally and logically followed just as any other science.
Up to the point where Truth itself takes over and a person becomes one with it.»

JdB disse...

Caro Anónimo:
Agradeço a visita, mesmo que o seu primeiro parágrafo me tenha feito corar de vergonha...
O percurso que fazemos é, seguramente, mais estimulante do que a chegada. No fundo, era isso que caracterizava os homo viator: o caminho físico e o caminho espiritual.
Às vezes a seriedade não é uma virtude, mas uma tábua a que nos agarramos para sobreviver, para nos salvarmos do caos interno e externo. Poderemos dizer, por isso, que o caminho da santidade é, também, um caminho de alguma forma egoísta?
Gosta da citação que nos ofereceu. No dia em que formos um com a Verdade estamos frente a frente com o Criador. Até lá, é peregrinar.
Obrigado mais uma vez.

Anónimo disse...

«mesmo que o seu primeiro parágrafo me tenha feito corar de vergonha...»
caro JdB, peço desculpa; não era minha intenção ser sarcástica, mas relendo vejo que talvez tenha podido dar essa ideia.

«No dia em que formos um com a Verdade estamos frente a frente com o Criador»
Sim Criador, Vida-Morte, Verdade, Amor, vários nomes para a mesma realidade.

arit netoj disse...

Querido João, deixo-lhe parte de um pequeno texto sobre Santo Inácio e a sua conversão tardia:"Deus irrompe na sua vida, não derrubando, mas levantando. Deus não destrói, mas cria e recria, deixando ao ser humano a decisão livre de destruir por si mesmo o que, por não ser vida, deve desaparecer para deixar espaço à verdadeira vida. Deus não exige, mas oferece; não encerra, mas abre um novo horizonte de sentido e de vida.
A sua oração converte-se, aos poucos, numa verdadeira conversação! Escutando Deus, Inácio aprenderá a escutar o homem.
Neste processo de conversão, Santo Inácio descobre Deus como um Outro, que tem pensamentos que não são os seus, que tem caminhos que não são os seus"

JdB disse...

Caro/a Anónimo/a

Não encontrei qualquer sarcasmo no seu primeiro comentário. O meu "corar de vergonha" foi apenas uma expressão de "evergonhamento" face ao seu elogio. Volte sempre.

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